— Acho que você não precisa continuar mexendo no celular, mãe.- Quinn pronunciou, depois de escutar sua entrevista ser repetida várias vezes pelo mesmo aparelho nas mãos de Judy.

— Eu não sei, Q. Não quero que descubram nada.
A mais velha repousou seu olhar para a filha, seu sofrimento compartilhado.

— Eles não irão, pode ter certeza.

Quase sem perceber, a cantora fez um leve carinho na barriga.

O dia depois da entrevista é sempre difícil para alguém influente. É nesse momento que o artista lida com a crítica e apoio do público, mas Quinn Fabray não se importava com isso. De forma alguma. Ela só queria ser livre, fazer o que gostava, cantar e sentir a energia de suas palavras transbordando no palco. Isso a fazia feliz e era o suficiente.

Porém, o suficiente para a loira não era o aceito pela indústria musical, que a cercava e apunhalá-va em todas as direções possíveis, arruinando sua reputação entre as mais diversas gravadoras.

— Você foi bem, minha filha. Estou orgulhosa pelo seu pronunciamento.

— Obrigada.- Um sorriso sem emoção preencheu seu rosto.- Espero que alguém um dia possa explicar por que perguntam sobre meus relacionamentos no meio de uma entrevista que destaca um acidente de carro. Ah, acho que sei o motivo.- Quinn apontou para o próprio corpo, de forma amargurada, a mão direita ainda pairando protetora no ventre.- Eu sou uma mulher.

A expressão de sua mãe tornou-se indignada.

— Querida, você está dizendo bobagens!

— Sério, mamãe?- Revirou os olhos.-Bem, um dos entrevistadores disse que meu acidente era um punição por eu não usar vestidos, lide com isso da forma que quiser.

Um silêncio profundo fez-se no leito. A grande janela com a vista da cidade de Nova York estava um pouco aberta, deixando o vento frio escapar com um barulho agudo. Alguns passos agitados puderam ser escutados no corredor do lado de fora, passos esses que, por alguma razão, assustaram Quinn. A garota sentou-se corretamente na cama, a perna dando pontadas terríveis no caminho.

A porta abriu-se com delicadeza para a passagem de outra morena, incrivelmente parecida com Shelby. A jovem mulher tinha cabelos escuros sedosos, baixa estatura, traços sensíveis e uma franja que destacava seus olhos castanhos, os quais impressionaram a cantora. Ela nunca tinha visto tanto brilho no olhar de alguém antes, nem mesmo tanta determinação e orgulho ao usar-se um jaleco. Poucos passos foram dados pelo fisioterapeuta, mas Quinn já sabia: aquela era Rachel Berry.

A professional, por sua vez, estava confiante ao adentrar o quarto. Seu olhar variava desde a solução glicosada que invadia as veias de sua paciente até a expressão que marcava seu rosto. Rachel sabia que estava sendo julgada, mas não se deixou abater, afinal, ela foi julgada por toda a sua vida, contudo os certificados e diplomas continuavam em sua parede. Quase não notou a outra mulher que compartilhava o leito: Judy Fabray estava absorta demais em seus próprios pensamentos para dizer algo. A morena sorriu, relendo rapidamente as anotações médicas de Quinn antes de direcionar-se a ela.

— Olá, Quinn Fabray. Sou Rachel Berry e vou te acompanhar durante alguns meses como sua fisioterapeuta. Vou fazer sua ultima consulta antes de você ser levada para casa e ser acompanhada por atendimento domiciliar. - Havia certa curiosidade e hesitação em seu tom, mas a paciente não pareceu perceber.

— Tudo bem, Rachel.- Respondeu, a voz séria.

Os olhos de ambas se encontraram por um tempo, analisando a situação. Havia um tensão desconhecida orbitando no ambiente. Rachel já se perguntava como seria trabalhar com alguém tão rude, mas não existia escolha. Ela tinha aceitado, afinal, agora aproveitaria o mais novo desafio.

Ao se aproximar da loira, viu como a área de sua perna estava inchada, cheia de hematomas e cortes profundos por toda a área perto da panturrilha.

— Você quebrou a fíbula, parte da tíbia, além de um forte impacto na panturrilha que está causando dores. Acreditamos que as lesões ocorreram quando você se protegeu da batida e por causa dos destroços do seu carro. Além disso você teve um grave corte no quadril que vai até a sua barriga, mas os anestésicos já estão agindo no local.- Quinn olhava sem interesse para o teto, cansada de revisar seu acidente com todos os médicos que já vieram atendê-la.- Eu sei que vai doer um pouco, mas preciso analisar sua perna, Quinn.

A loira respirou fundo, criando forças para suportar a dor.

— Preciso que me fale caso a dor não seja suportável, okay?- Continuou, a paciente assentiu.- Sra. Fabray, pode deixar que sua filha ficará bem.- Pronunciou, sorrindo para mulher em incentivo.

Rachel colocou alguns travesseiros ao redor, caso fossem necessários. Ela sabia que a dor que Quinn sentiria seria grande, por isso pretendia tomar o maior cuidado possível com a perna direita da garota.

— Preciso que tente levantar sua perna.

Quinn colocou toda a sua força para tentar realizar o movimento, sua perna levantando alguns centímetros do colchão. Ela sentia as dores tornarem sua visão turva, mas continuou tentando movimentá-la.

— Se estiver doendo muito, é preciso que você pare.

— Não está.

Ela continuou mantendo sua perna erguida, os nós de seus dedos brancos com o esforço. Rachel a encarava, preocupada que a paciente piorasse seu estado atual. Sendo assim, colocou suas mãos embaixo na perna de Quinn, ajudando a garota no exercício.

— Está tudo bem?- Perguntou, varrendo o rosto da cantora com os olhos castanhos.

— Sim, não se preocupe.

— Sua condições estão melhores do que pensava, Quinn.- Disse, soltando sua perna cuidadosamente na cama, com tanto cuidado que quase causou estranhamento à paciente.- Presumo que tenha uma prática de exercícios físicos constante.- A formalidade pingava no tom de Rachel, irritando Quinn profundamente.

— Eu devo fazer, já que produzo coreografias.

— Entendo.- A morena disse, anotando algo em sua prancheta.- Por último, vocês possuem algum histórico de doenças em sua família?

— A avó dela tem Alzheimer.- Pronunciou Judy, no fundo do quarto, analisando sua filha. Sua voz era uma mistura entre tristeza e rancor.

Na cama, Quinn riu irônica.

— O que aconteceu comigo não tem nada a ver com Alzheimer.- Virou-se para Rachel.- Não, não temos.

Rachel tinha a expressão em choque com a revelação. A fisioterapeuta não sabia que a senhora Sylvester tinha Alzheimer e perguntou-se o que mais a família Fabray escondia do público.

— C-claro.- Falou nervosa, recompondo-se rapidamente.- Alzheimer não interfere neste quadro. Sendo assim, presumo que não tenham nenhum histórico.

— Não temos.- Quinn disse, observando a expressão da pessoa à sua frente.

Rachel anotou pela última vez algo em sua ficha, o quarto de hospital quase a expulsando com sua atmosfera profunda e tensa. Ela sentia os olhos de Quinn pesando em seus ombros, a intimidando com intensidade. Assim que acabou de escrever, encarou os olhos avelã, devolvendo seu olhar misterioso com certa determinação. A loira ergueu as sobrancelhas, com um sorriso de canto.

— Espere a doutora Corcoran liberá-la. Serão quatro sessões domiciliares por semana, marcaremos os horários em breve. Temos uma estimativa de melhora para um mês e meio.

Rachel se retirou rapidamente, e assim que o fez, apoiou-se na parede mais próxima e respirou fundo, com o tom de voz e olhar misterioso de Quinn preso na mente.

— Hey, está tudo bem?- Uma voz conhecida perguntou, ela reconheceria a entonação decidida e forte em qualquer lugar.

— Olá, Santana. Está, só tô respirando um pouco.

— Teve a primeira consulta com a Fabray, não é?

A morena arregalou os olhos.

— Sim, como sabe?

— O hospital não fala em outra coisa, inclusive Tina, a menininha parece uma fã psicopata.

Rachel riu levemente no meio do corredor.

— Quinn parece ser a pessoa mais reservada do mundo.

— Eu teria cuidado.- Alertou a latina.- Não vou com a cara dessa cantora, e você sabe que meu terceiro olho mexicano nunca mente.

— Claro, Santana. Obrigada pela preocupação.

— Te encontro mais tarde no estacionamento, vamos pedir pizza hoje!- Rachel sorriu para ela, vendo a sua amiga se afastar, o cabelo escuro e liso preso em um coque. Santana era nutricionista, mas elas dividiam o mesmo apartamento desde que começaram a faculdade e se mudaram para Nova York. Rachel jurava que não podia encontrar uma amizade tão verdadeira quanto a da latina.

...

Naquele mesmo dia, Quinn saía aliviada do hospital. A cantora carregava consigo um par de muletas para ajudar no seu transporte. Sua mãe a acompanhava, de olho nos passos da filha e preparando-se para caso ela caísse.

Assim que saiu do leito, Quinn teve todos os olhos em si. Sentiu-se analisada por todos ali, além de jurar que escutou uma senhora chamando-a de bêbada em um dos corredores. O que a cantora mais queria era sair dali e passar o dia com uma privacidade maior, onde pudesse se entregar por completo à sua saudade e culpa.

Quando estava próxima ao estacionamento, conseguiu escutar os murmúrios do lado de fora e os flashes de diversas câmeras. O dia estava frio e claro, a luz chegou a atrapalhar sua visão e prejudicar sua orientação já ruim. Sua passagem foi interrompida por um dos entrevistadores, que apontou o celular para o rosto da garota. Sua mãe apertou seu braço em desespero.

— Como você está, Quinn Fabray? Pode fazer algum pronunciamento.- Outro flash cegou seus olhos.

— Eu ficarei bem logo.- Um homem de terno preto surgiu, empurrando o antigo.

— Onde estão seus seguranças, Fabray? Os dispensou também ou eles ficaram cansados com suas grosserias?

Quinn fechou os olhos e punhos, xingando baixinho.

— Saia da minha frente, agora.

A mão de Judy agarrou a cantora com mais intensidade. No fundo, um carro preto foi parado à sua espera. Ela começou a empurrar todos para conseguir chegar logo no carro, pedindo "licença" e gritando algumas vezes. Repentinamente, toda a movimentação parou e os paparazzi abriram espaço para um rapaz de moicano aparecer, ele estava imundo e totalmente bêbado.

Quinn não acreditava no que via. "Como Puck teve a coragem de vir vê-la depois de tudo que fez?" Judy continuou andando até o carro enquanto a cantora olhava o homem se aproximar, seus olhos não transmitiam nada além de ódio.

— Quinn!- Noah gritou, ficando finalmente na minha frente. Todas as câmeras se apontavam para nós.- Seu pai me contou, por que não falou nada?!

— Como se você quisesse saber, Puckerman.

— Quinn, por favor...- Puck puxou a blusa escura larga de Quinn.- Você sabe o que ela significava para nós!

— Ela não era nada para você, seu idiota!- Quinn falou, desesperada.-Nunca mais me encoste.- Disse se desvencilhando e tentando sair de perto do garoto.

— Eu te amo!- Gritou para a loira.

Depois daquela exata frase, Quinn acertou um soco no rosto de Puck com toda a força que tinha. O bêbado cambaleou e caiu, a bochecha vermelha com um pouco de sangue, logo ele tentou se levantar com os olhos arregalados de dor. Todos da mídia ao redor gritavam com Quinn, gravando tudo para arruiná-la depois, mas a cantora não ligava e, por isso mesmo, iria investir contra o rapaz.

Se não fosse alguém que a segurou, sussurrando para que se acalmasse.

— Aqui não, Quinn!- Disse a morena, com o olhar preocupado.- Você está quase desmaiando.

Quinn ficou paralisada com Rachel tão perto do seu rosto, piscando diversas vezes até recobrar os sentidos.

— Eu estou bem, me larga!- Quando olhou para o chão novamente tudo o que viu foi a sombra de Puck, que se misturava entre as câmeras e flashes dos homens de terno.

—Feminista!- Um deles gritou, Quinn riu baixinho.

— Me deixe te ajudar- Falou Rachel, seu olhar sustentando o da loira com uma força surpreendente e perigosa para ambas.

— Eu consigo sozinha, pode me soltar agora.

— Você não precisa falar assim.

— E você não precisava ter me ajudado!-Gritou, entre os paparazzis. Vários funcionários do hospital estavam na multidão, tentando separá-la. O carro preto parou bem do lado da cantora, abrindo espaço entre as pessoas. Quinn desviou o olhar da morena, irritada e sentindo dor em todo o seu corpo. Rachel a soltou confusa, deixando-a entrar no carro.

Um homem surgiu carregando uma câmera, ele suava embaixo do Sol, louco por novas informações.

— Senhorita Quinn!- Ele disse, batendo no vidro do carro.- Você e Puckerman terminaram?

A janela do carro abriu-se para mostrar um dedo do meio enquanto Judy tentava fechá-la. Quinn olhou para Rachel enquanto o carro se afastava, a garota confusa presa em sua mente.

— Obrigada por ter nos resgatado, Sam.- Sussurrou a cantora machucada.

— Não tem dê que, Quinn. Espero que esteja melhor.- Falou o motorista, olhando-a pelo retrovisor.

— Eu vou ficar.- Suspirou, olhando sua mãe na parte da frente.- Vá logo, Sam Evans, quero ver minha vó.

...

O caminho para casa nunca pareceu tão longo para a cantora, que já estava louca para descansar o mais rápido possível.

A casa dos Fabray era de longe uma das mais caras da cidade. Afinal, os Russel e Judy Fabray comandavam boa parte da área comercial de Nova York e haviam conquistado um nome poderoso entre os empresários modernos.

Quinn pensou que poderia relaxar quando chegasse, mas em seu primeiro passo desajeitado na sala, viu que estaria errada. No meio do grande e extremamente iluminado recinto, estava seu pai, Russel, sentado com o celular em mãos e o rosto contorcido em desgosto.

— Olá, Quinn. Soube que aprontou muito no hospital. Nem precisa me dizer que está bem, esse vídeo deixa claro!

Ele colocou o grande e moderno aparelho em seu rosto, reproduzindo o soco que a garota tinha dado em Puck.

Quinn sorriu com o vídeo, testando a paciência do homem.

— Ele é um bom garoto.- Ele disse, os olhos exalando uma mágoa falsa.

— Ah, por favor, Russel! Você nunca viu Puckerman pessoalmente!

— Ele é um bom garoto porque tentou mudar sua vida, tentou te dar uma filha e te endireitar, mas tem pra isso você serve!

A loira sentiu sua cabeça rodar, então apoiou-se nas muletas com todas as forças. Judy estava parada atrás dela, sem falar nada, como era sempre que eles discutiam. Quinn deu um passo pra frente e diminuiu o espaço que existia entre eles, colocando a mão na gola da camisa polo que seu pai usava.

— Eu estava bêbada quando me engravidei do Noah, não me lembro de nada!- Falou, com voz bem mais alta do que o normal.- O anjinho que você criou na sua cabeça não existe, e se você, Russel, continuar falando comigo desse jeito, jogarei seus podres na mídia também. Eu não preciso ficar aqui, só fico por causa da minha vó, sua mãe, que você não cuida.

Sue Sylvester estava sobre os cuidados legais de Russel, visto o estágio avançado de Alzheimer. Quinn preferiu ficar com a avó e enfrentar seu pai, que mal ficava em casa.

— Tente sair daqui, Quinn. Com as músicas que você escreve e que custam a entrar em um simples ranking da Billboard.

— Me teste, os advogados daqui costumam aceitar mais facilmente casos com certeza de ganho!

Russel se calou. Os passos de Quinn apressados indo em direção ao seu principal esconderijo, o quarto de sua vó. Onde ela podia ser quem quisesse, mesmo que nem soubesse quem era.

Ela parou na porta do quarto amplo e arejado, as muletas fazendo-lhe companhia. Seus olhos admiravam a figura mais velha, que via televisão sem realmente entender o que estava sendo transmitido. Seus cabelos loiros estavam quase completamente brancos, o corpo frágil e mais magro do que nunca.

— Oi, vovó!- Cumprimentou, enquanto ia até ela.

— Olá, meu bem! Por que você está mancando?- Sue apontou para as muletas.

— Eu bati meu dedinho na porta, acredita?- Falou rindo, com certa tristeza.

— Ah, sinto muito, deve ter doído tanto Judy.- Quinn deu um beijo delicado na testa de sua avó, já nem se incomodava com o troca de nomes. Deixou as muletas de lado e sentou-se na cama próxima à poltrona.

— Como está hoje, vovó?

— Melhor agora que te vi.- Falou vagarosamente, com a voz rouca, não desgrudando os olhos da televisão.- Por que está com essas bengalas?

— Eu bati o dedinho, lembra?

— Ah sim. Hoje estou meio confusa, Judy.- Confessou.

— Tudo bem.- A cantora respondeu, pegando a sua mão da poltrona e fazendo pequenos carinhos.- Eu te amo.

— Amo você.

Enquanto uma mão estava fazendo carinho em sua vó, Quinn fechou o olhos e deixou a outra no ventre, as lágrimas grossas pingando em segredo.