Minha mãe sempre foi uma boa mãe para todos os seus filhos, ela tratou cada um sem alguma distinção ou favoritismo, mas ao separar-se do meu pai, nenhum quis ficar com ela, exceto eu.

Eu não compreendia minha relação com o meu pai e eu amava muito a minha mãe, então obviamente pedi que ela ficasse com minha guarda. Meu pai me visitava assim como ela fazia com meus irmãos, eu dormia na casa do meu pai nos fins de semana e meus irmãos faziam o mesmo na casa da minha mãe.

Mas não fiquei feliz com isso, não fiquei feliz que meu pai exigiu para que me visse, porque pra mim ele continuava ausente. Era sólido feito mercúrio em água, mas a sombra que seu corpo projetava não parecia completa. Passado os anos, hoje acho que era eu que não tinha uma completa.

A morte de minha mãe me pegou de surpresa, apesar de eu ter a visto definhando aos poucos. Desde aquela tarde de primavera em que passávamos no campo sentindo a brisa sob uma árvore, a tarde em que ela vomitara sangue como o primeiro indício de sua doença, já devia entender que ela estava morta.

Zeff ficou com minha guarda e eu nunca mais vi meu pai e meus irmãos. Após 4 meses sem vê-los, Zeff me fez aquela pergunta propondo a me tornar cozinheiro ou pelo menos sair do meu quarto, onde ficava enfurnado por achar que minha vida havia perdido o sentido. Nesse dia eu contei tudo a Zeff, tudo o que se passava no meu coração desde que era uma criança.

O dia que se seguiu depois da madrugada agitada por haver um rato gigante na cozinha comendo salame, eu resolvi mais uma vez deixar o livro Robinson Crusoé de lado pra ajudar Usopp na pesquisa. Estávamos sentados no chão da biblioteca, ao nosso redor havia pilhas de livros e eu não me sentia muito bem. Às vezes não conseguia ler o que estava escrito e tinha certeza que não foi por causa da briga na cozinha durante a madrugada, mas sim porque já fazia 2 dias que não tomava meu remédio e minha crise de abstinência só piorava.

Usopp procurava muito em livros de física que falassem de teorias como um mundo alternativo ou invertido, viagem no tempo ou até mesmo um geek como o metaverso. Nós reuníamos tudo o que aprendíamos na escola, como também na cultura popular. Ele me falou de filmes como Feitiço do Tempo em que o protagonista ficou preso no mesmo dia e só saiu dele depois que se tornou uma pessoa boa. Eu não gostei muito dessa teoria, porque já era um saco sorrir para Luffy e imagina eu começando a me dar bem com alguém de cabelo verde?

Ele também disse da teoria Gato de Schrödinger, em que talvez estaríamos vivomorto. Pelo menos foi isso que entendi e achei essa a mais horrorosa. Eu vivomorto?

— Sanji, suas mãos estão tremendo. — Disse Usopp, vendo-me folheando um livro que não conseguia ler nada. — Tá tudo bem?

Eu não havia falado com ninguém sobre os meus remédios, porque ninguém sabe disso além de Zeff. Se eu falasse que tomava remédio controlado, iriam me perguntar por que e eu teria que falar do meu pai e da morte de minha mãe. Mas, felizmente, Luffy entrou na biblioteca e mudou de assunto quando foi até nós.

— Eu não sou muito inteligente... mas será que posso ajudar? — Ele perguntou meio tímido.

Usopp deu um sorriso. — Você é inteligente e, convenhamos, qualquer ajuda é bem vinda nessa situação que estamos.

Luffy ficou tão contente e eu percebi o quanto estava corado, estava tão meigo que eu até me senti mal por ter tido coragem de batê-lo. Eu também pensei se ele sentia algum tipo de admiração por Usopp.

— A gente tá numa situação inimaginável, certo? — Disse ele, depois de se sentar. — Uma vez eu li na internet um quote que total me identifiquei.

— E o que tem isso? — Disse eu, e ele tentou me matar com os olhos. Acho que era só com Usopp que se tornava um bom menino.

— Era um quote de um físico. Pelos livros que vocês separaram... — Ele olhava em volta. — é física que estão estudando, né?

— Qual é esse quote? — Perguntou Usopp e sua curiosidade era genuína, já eu achava que Luffy falaria outra besteira.

"Tudo que humanos possam imaginar, é uma possibilidade na realidade."

Usopp piscou os olhos e se agitou, tentando falar e a voz só saía entrecortada. — É do físico Willy Karen!!

— Desculpa, eu não sei o nome dele...

— Tudo bem, Luffy, foi de grande ajuda!

— Como isso pode ajudar? — Perguntei.

Usopp parou e levou os dedos até o lábio inferior para apertá-los, depois constatou algo, percebi ao ver um brilho correr em seus olhos. — Talvez estamos aqui porque desejamos isso.

— Quê?! Eu não me lembro em ter desejado ficar preso na escola — logo na escola — com dois estudantes que só ouvia falar e um mal-humorado que não nos dá nem bom dia!

Falei alterado e por isso senti uma tontura, ainda me sentia mal.

— Tá tudo bem, Sanji? — Luffy perguntou preocupado, era a primeira vez que o via meigo comigo e achei fofo.

— Vou tomar um copo d'água. — Levantei-me. — Daqui a pouco, eu volto!

Saí da biblioteca sentindo uma fadiga que só piorava conforme andava a procura de um bebedouro. Definitivamente não estava bem, minha visão ficou toda borrada e eu senti vontade de soltar um barrão. Mas minhas pernas fraquejaram e tudo ficou escuro.

Quando voltei a abrir os olhos, via um teto desconhecido. "Não pode ser! Será que consegui sair da escola?"

Levantei o torso desesperado e olhei em volta, estava numa cama e o cenário parecia de um quarto. Novamente pensei que não estava na escola, na verdade, parecia que fui raptado porque era um quarto bem bagunçado. Ouvi alguém rodando a maçaneta e Zoro entrou no cômodo.

— Você já se sente melhor? — Perguntou.

Eu pisquei os olhos. — Ham? Como assim? Aconteceu algo? Nós estamos ainda na escola?

— Esse é o quarto do zelador, é onde durmo e passo a maior parte do tempo. — Ele se sentou numa cadeira em que tinha uma toalha de corpo molhada — devia feder também. — Quanto a você, te encontrei desacordado no corredor da escola.

Fiquei triste por saber que tudo aquilo não fora um sonho ruim e que não havia saído da escola. Fiz menção de me levantar da cama, mas Zoro me impediu.

— Sobrancelhas, acho melhor você descansar mais. Está com febre alta, além de espasmos.

Meu queixo não parava de bater. Fiz o que ele aconselhou e voltei a deitar a cabeça no travesseiro. Dormi.