À medida que crescia, eu notava cada vez mais que era diferente. Essa noção era ainda maior quando me comparava com os meus irmãos, todos eles eram tão focados e tinham um dom especial. Mas o que mais me doía era que meu pai era outro com eles. Mais dócil, carinhoso, orgulhoso. Não parecia ser... Veja só, eu nunca apanhei do meu pai, mas também não me lembro de ter havido um abraço.

Eu nunca vou me esquecer do campeonato de beisebol que Yonji fazia parte e de como meu pai vibrou ao ver seu precioso filho rebatendo a bola com o taco e levando o time a vitória.

Eu não era bom em nada. Na verdade, vivia à deriva. Só depois de conhecer o velhote de merda que me interessei pela cozinha.

Zeff fez com que eu ganhasse foco e lembro até hoje a maneira que ele me persuadiu.

"Se você reencontrasse seus irmãos agora mesmo, do jeito que está, ficaria feliz em saber que continuaria sendo a fruta podre entre eles?"

Eram palavras duras que minha mãe nunca diria a mim, na verdade, nem meu pai. Mas Zeff foi quem me acudiu, porque nem mesmo minha mãe, a pessoa que mais amava no mundo, sabia dos conflitos que tomavam o meu coração. Zeff me deu a oportunidade de mandar tudo pra fora. É óbvio que virar cozinheiro não me equiparia ao um jogador exímio de beisebol, porque parece coisa de mulher. Mas com o tempo eu fui ganhando foco e me imergindo mais no mundo gastronômico, até que um dia já não pensava mais nos meus irmãos e nem no meu pai. Eu só pensava que amava o que fazia, pensava em mim mesmo.

Às vezes me pergunto se Zeff sabia desde o início que isso fosse acontecer. Ele deve ter tido a brilhante ideia de me instigar com revanchismo pra depois me ver mudando de concepção.

Eu amo Zeff.

Quando vi Luffy fechando a porta da geladeira com força por ter ouvido o meu berro, tudo ficou escuro e não me importei de pegar uma vassoura de não sei daonde para enfiar no seu cu. Eu só acordei do transe quando Usopp apareceu e me tirou de cima de Luffy.

— Usopp!! Saia da frente!! — Eu ainda tinha a vassoura em mãos, mas Usopp ficava protegendo Luffy, estando na sua frente. — É ele que está comendo a comida toda!!!

Eu pensei que se dissesse isso, Usopp mudaria de time na hora e me ajudaria a matar Luffy, mas ele continuou o protegendo e pedindo pra me acalmar.

— Sanji, isso não me é uma surpresa. — Ele soltou um suspiro. — Já imaginava que Luffy fosse o ladrão de comida...

— Por que nunca me avisou?!

— Eu não tinha provas. — Ele respondeu como se eu me importasse com provas, minha dignidade já havia sumido desde que o breu apareceu. Depois girou o seu corpo para fitar os olhos de Luffy. — Luffy, me prometa que não vai comer mais a comida escondido?

Antes de Luffy responder, ele dirigiu os seus olhos amuados em mim e depois voltou a encarar Usopp. — Sim... Mas, então, Sanji não pode me bater mais. — Cruzou os braços com o nariz em pé.

"Ele estava propondo um acordo?"

— Seu desgraçado!!

Avancei, mas Usopp me barrou novamente. — Bora, Sanji, aja como homem!

Eu bufei e soltei a vassoura. Luffy sorriu de orelha a orelha. — Prometo não comer mais nada escondido. Me desculpa, Sandro!

— É Sanji.

— Luffy, por que não vai dormir?

Luffy enrugou a testa com essa fala de Usopp. — Não precisa falar de um modo como se eu fosse criança, se quer ficar a sós com Sanji, apenas fala!

Ele deixou a cozinha com passos pesados e, quando não sentia mais sua presença, me virei para Usopp e disse: — Não sabia que vocês dois fossem amigos.

— Não somos.

Eu pisquei os olhos. — Sério?! Mas você me pareceu preocupado e ele te obedeceu direitinho.

— Luffy faria a promessa com qualquer um, ele sabia que poderia continuar com isso só até quando fosse pego. — Usopp respondeu cético, se escorando num dos balcões da cozinha.

— Ham? Isso que você acabou de me dizer reforçou a ideia de que você o conhece muito bem. Tem certeza que não são amigos?

— A história é longa, mas pedi para ficarmos a sós justamente por isso... Veja só, o Luffy sempre carrega aquele chapéu de palha na cabeça, certo?

— Sim, ouvi por aí que é o maior tesouro dele.

— Você também já deve ter ouvido que ele é doido.

— Sim. Mas ele é, não? — Perguntei confuso, tentando entender onde aquele papo queria chegar.

Usopp soltou mais um suspiro e depois coçou a sobrancelha com os olhos fitando um ponto qualquer. — Eu tenho uma teoria de que Luffy se faz de doido...

— Baseado em que?

"— Você sabe que Luffy é da mesma sala que a minha, certo? Eu estudo com ele desde o primeiro ano e é no primeiro ano que entramos numa escola nova, onde não conhecemos absolutamente ninguém. Eu, por conta da minha aparência, e Luffy, por conta de seu jeito, sofríamos bullying juntos. Mas pra ele era ainda pior, porque ele tentou se aproximar de mim e eu não quis ser amigo de um lunático e nem formar a dupla dos excluídos... Com o tempo, os bullyings que sofria diminuíram porque finalmemte souberam que eu era um aluno inteligente e comecei a vender colas. Isso agravou para o lado de Luffy, porque quem me perseguia passou a perseguir ele. Um dia alguém deixou vazar que eu estava vendendo colas e até trabalhos que a escola resolveu me chamar. Eu lembro até hoje como estava uma pilha de nervos e a expulsão era certa. Mas quando fui até a diretoria, eles disseram que Luffy confessou que me pressionava a vender gabaritos que ele mesmo arrumava. Foi uma história muito mal contada que o diretor obviamente não acreditou, mas ele se comoveu com o pedido de Luffy para que fosse expulso no meu lugar e, por isso, resolveu me dar uma segunda chance. O fato de eu ser um gênio também influenciou nessa decisão. Eu procurei Luffy pra saber por que ele fez isso e ele simplesmente disse que a escola precisava de mim e que não repudiava as minhas ações mesmo se não tivessem nenhum motivo nobre por trás (e não havia mesmo nenhum, só queria uma grana pra ter um computador que rodasse LOL). Só que durante esse diálogo, eu percebi o quanto o tom dele foi maduro, sabe? E desde então passei a acreditar que ele finge ser lunático. Pensando agora... Ele me parece estar pregando uma peça muito maior do que eu preguei e que por isso rir da cara de todos aqueles que o chamam de doido quando está sozinho no seu quarto."

— Hum... O seu relato me fez pensar bastante... Mas, Usopp, será que não é só porque ele gosta de você?

— Como assim?

— Pelo que você disse, ele tentou se aproximar de você, mas você se afastou. E depois ele se responsabilizou por seus erros e agora ele te ouve e obedece numa boa.

— Você tá querendo me dizer que ele é mesmo lunático?

— O que eu quero te dizer é que ele te vê como amigo.