Afterlife

Entendo o sobrenatural.


Estive tentando entender os motivos para estar ficando tão louca, a ponto de estar no meu quarto ao lado de Lizz e chamando pelo nome de James Owen Sullivan, Jimmy ou The Rev, sei lá. Tem tantos nomes e apelidos que chega a ser confuso.

Por sorte, Lizz dormiu comigo e já era a terceira vez que nós estamos chamando Jimmy, e Lizz ficava me perguntando se eu ouvia alguma coisa, mas nada.


– Estou ficando com fome. – eu disse, soltando a mão dela e me deitando no chão.


– Loui, você não está levando a sério.


– Qual é Lizz! Não está dando certo. Eu acho que estou ficando é louca.


– Louise, as coisas não são fáceis... Isso é sério!

Revirei os olhos. Já estava cansada de parecer uma louca e isso não estava ajudando em nada.


– Quer saber, eu vou embora. – disse Lizz, se levantado bruscamente. – Você não quer minha ajuda.


– Lizz...


“– Eu vejo você... mas você não quer me ver.”


Senti meus pelos se arrepiarem e parecia que todo o quarto havia escurecido.


– Eu já te expliquei que não adianta fazer uma coisa assim se você não estiver recíproca a receber... Loui... Louise você...


– Ele falou comigo! – a interrompi.


– O que ele disse? – perguntou parecendo assustada e se sentando no chão de frente para mim.

De alguma forma, a mesma intensidade com que Lizz ama o sobrenatural, ela também tem medo.


– Ele disse que me vê, mas eu não o vejo.


“– Na verdade... você não quer me ver.”


Ele soltou uma gargalhada que fez meu corpo todo tremer.


– Eu não quero vê-lo.


– Mas... Se você não quer vê-lo...


– Não, não. Ele disse que eu não quero vê-lo.


– E você não quer?


– Na verdade... Não muito. Além disso, eu não acredito que eu esteja ouvindo certo... Sei lá. – eu realmente me sentia confusa. Ontem, ajuda-lo me parecia tão certo, mas hoje já não era mais.


– Porra, Louise! Perdi todo esse tempo aqui com você por nada.


– Desculpa...


“– Agora eu vou ficar triste por vocês...” – ele disse sarcasticamente.


– Cala a boca.


– Como queira.


– Não você. Ele...

De repente, me senti sufocar e meu corpo subindo com a força que era exercida no meu pescoço. Foi quase que como a sensação de mãos grandes e fortes o apertando. Flashes de uma vida que nunca vivi, passaram pelos meus olhos. Imagens de uma casa com duas meninas e um casal mais velho, que com certeza seriam os pais delas. Sorrisos, choros, uma música alta. Uma multidão que me assustou.


– Loui... Por Deus. O que ele esta fazendo com você?!


“– Agora você acredita que eu existo? Porque eu sinto seu lindo pescoço entre meus dedos!”

Meus joelhos bateram contra o chão e o ar voltou a entrar em meus pulmões.


– Loui, você esta bem?


“– Merda... Eu não deveria ter feito isso.” – a voz dele saiu fraca, quase como um sussurro.

Senti uma corrente de ar sendo sugada do meu quarto, como um alívio e uma sensação de paz, depois do desespero.


– Lizz... Eu... Não... Conseguia respirar. – falei, sentindo o ar entrar rasgando dentro do meu peito.


– Meu Deus, Loui. Seu pescoço está vermelho!

Levantei do chão e parei em frente ao espelho, com toda certeza pela manhã meu pescoço estaria roxo.


– Loui, acho melhor não chamarmos mais ele. Talvez não seja um espírito bom.


– Com certeza ele não é bom... – eu disse sarcasticamente – Mas foi estranho...

Contei a ela sobre as imagens que passaram pela minha cabeça.


– Com toda certeza era ele! – a olhei confusa. – Que era o Jimmy e não um espírito qualquer.


– Qual é Lizz? É claro que era ele.


– Olha, eu tenho que ir agora, mas volto mais tarde. Você vai ficar bem sozinha? – perguntou preocupada.

Tratei de acalmá-la e não demorei a fitar o teto do meu quarto. De alguma forma, todas essas tentativas de comunicação me deixaram cansada e não demorou para minha vista escurecer.


“O Sol escaldante da Califórnia queimava minha pele de uma forma quase sobre-humana. O Mar a frente trazia ondas leves, já que quase não tinha vento e não deveria ser nem duas da tarde. Estiquei minhas pernas e mesmo a quantidade de pelos e tatuagens no meu corpo, não me assustaram. Na verdade, não me importei.


– Hey Rev, não vai cair na água? – perguntou um ser de cabelos negros até os ombros, cobertos por um chapéu.


Nos lábios ele trazia um sorriso amigável e seus olhos estavam cobertos pelos óculos escuros, que ele tratou de tirar, assim como o chapéu e sua camisa. Não deixei de notar sua beleza e me achei um gay por isso. Fitei por alguns segundos aqueles olhos castanhos e logo o sorriso do moreno aumentou.


– Que foi cara? Virou gay agora?


– Tá louco porra?! – minha voz saiu rouca e eu me assustei com a forma rude que respondi.


– Fica aí me olhando com cara de bobo.


– Devem ser os cigarros que você fuma que estão afetando o seu cérebro. – falei sorrindo.


– Engraçado, fumamos o mesmo cigarro. – ele disse pensativo – Agora levanta essa bunda branca daí e vamos nos jogar na água.


– Ih... Depois eu que sou o gay!


Caímos na gargalhada e alguma coisa dentro de mim esquentou, como se ali houvesse uma amizade indestrutível...


Na cena seguinte, me vi dentro da água sentindo as ondas batendo no meu corpo de uma forma que eu nunca senti. Era uma sensação de liberdade.


– Hey cara, você anda pensativo demais... O que ‘tá rolando?


O mesmo garoto moreno me fitava, mas havia algo diferente. Seus cabelos já não eram longos e os traços em seu rosto eram mais maduros, como se anos tivessem passado. Ele estava sentado em cima de uma prancha e alguma coisa havia mudado naqueles olhos castanhos, e mesmo assim ainda continham o mesmo brilho.


– Anda mais gay que o normal Gates... A Chelle ‘tá te deixando na mão, é?


O moreno revirou os olhos e bufou soltando um palavrão.


– É o coração, não é? – ele perguntou me olhando nos olhos.


Tratei de desviar o olhar, mas eu não conseguia esconder. Ele sabia que era.


– Não me diga que anda sentindo dor? – ele falou exaltado.


– Não é nada demais. Só algumas pontadas... Mas você sabe que se eu tomar os remédios direito, logo passa.


Ele me olhou desconfiado e suspirou rendido. No fundo, ele sabia que não adiantava falar sobre esse assunto.


– E a Lea?


– Humf... Sei lá. Agarrando algum ator de filme pornô.


Ambos soltamos uma gargalhada e logo estávamos saindo da água.


– Brian...


Ele virou e me fitou. Em seus braços ele levava sua prancha.


– Se por acaso eu morrer... – ele revirou os olhos. – É sério porra! Se eu morrer, promete não desistir da banda?


– Eu não vou prometer isso... Porque você não vai morrer.


Foram suas únicas palavras antes de virar as costas para mim e bufar irritado, indo em direção ao calçadão...


Era estranho, porque no mesmo momento eu estava em uma grande sala e varias pessoas bebiam e pulavam como loucos. Peguei a primeira garrafa de cerveja que vi e virei o líquido garganta abaixo. Sabia que já tinha bebido demais e usado bem mais que o normal, mas eu não queria parar. Porque eu sabia que se parasse a dor voltaria. E foi só pensar nela e uma pontada aguda atingiu em cheio meu peito...”.


Pulei da cama com aquela dor incomoda no peito e o gosto amargo de cerveja. Sabia que tinha tido mais um sonho idiota com aquele cara,mas se tornavam cada dia mais real e mais intruso em minha vida.


Suspirei ainda esparramada na cama e fechei os olhos, me xingando mentalmente por simplesmente não conseguir esquecer. Assim que meus olhos se abriram, um homem alto estava paradoem pé em um canto mais escuro, onde boa parte do seu corpo era coberto pelas sombras. Em um pulo, me sentei na cama e me encolhi segurando o travesseiro.


“– Você pode me ver?” – ele perguntou com sua voz rouca e deu um passo a frente.


Eu podia sentir meu corpo inteiro tremer e assim como meu coração, que parecia querer sair do meu peito. Eu podia vê-lo melhor, e realmente havia algo há mais ali.


– Eu...vo-você... Não po-pode...


Sua gargalhada ecoou pelo quarto me causando calafrios.


“- Eu não vou machucá-la pirralha, eu quero apenas... conversar” – fechei meus olhos tentando apagar aquela assombração da minha frente.


– Eu estou ficando louca... Isso não é real. Ele está morto e eu estou viva. – abri meus olhos e levei um susto com o ser de olhos extremamente azuis parado bem na minha frente.


“– BÚÚ!” – soltei um grito e acabei caindo de bunda no chão com o pulo que dei.


Mais uma vez ele gargalhou e eu o amaldiçoei internamente.


“– Hey! Saiba que eu consigo ler seus pensamentos.”


Voltei minha atenção ao ser deitado na minha cama e comecei uma discussão interna com meu subconsciente, tentando me convencer de que tudo não passava de uma alucinação.


“– Eu sou real... aqui na sua cama. Se quiser... pode tocar.” – ele tinha um sorriso malicioso e ainda piscou como se fosse à coisa mais normal do mundo. Com certeza meu rosto deveria estar vermelho.


Não importava se era ou não uma alucinação, não deixava de ser uma alucinação linda.


“– Obrigado. Eu sei que sou lindo.” – revirei os olhos e a criatura se inclinou em cima da cama se aproximando de mim de uma forma perigosa. –"Realmente, eu sou muito perigoso... Saiba que eu sempre persegui patos por hobbie, mas era extremamente perigoso. Eu transpiro perigo!” – Ele estreitava os olhos de uma forma ameaçadoramente, fazendo meu coração disparar.


Mantive-me paralisada e esperando que aquele ser na minha frente desaparecesse quando os reabrisse, e grande foi a minha surpresa ao ver que não tinha mais ninguém na minha frente, quando os abri.


Suspirei aliviada e me levantei sentindo minha bunda doendo pela queda. Realmente, eu tenho sérios problemas psicológicos. Se meu pai não me internar, Lizz o fará.


“– Oi.”


Mais um susto e um novo grito ainda mais alto.


Lá estava aquele ser na minha frente. Caí sobre a cama ofegante e ele se aproximou novamente com um sorriso de lado extremamente psicopata.


– O-o que vo-você ‘tá fa-fazendo? – perguntei gaguejando.


Realmente, aquele homem na minha frente era extremamente bonito. Pele branca, pálida ate demais. Lábios finos, mas não tanto, e bem desenhados. Nariz reto e fino, pode se dizer que foi esculpido com muito cuidado. E seus olhos eram assustadoramente azuis, uma azul que transmitia a paz e a guerra. E pareciam ler os melhores e piores segredos da minha alma. Um calafrio percorreu todo o meu corpo ao senti-lo encostar seu corpo ao meu, quase uma onda de choques internos. Seus braços totalmente cobertos por tatuagens estavam apoiados na cama, um em cada lado do meu rosto e seu rosto estava a poucos centímetros do meu, como se quisesse me atormentar com essa aproximação.


“– Você tem medo de mim.” – ele não perguntou, parecia ter certeza disso.


Seu hálito frio e com um perfume que misturava menta e tabaco, bateram contra meu rosto me fazendo arrepiar. Era a pior das minhas alucinações, mas de longe parecia com algo que eu já tenha imaginado.


“– Tem tanto medo de mim... que não controla suas emoções.” – sua mão direita tocou meu braço esquerdo, subindo lentamente até meu ombro e um arrepio ainda maior me atingiu.


Seu toque era totalmente diferente do que eu esperaria de um morto, de um fantasma. Não era frio, pelo contrario, era mais quente do que o toque de uma pessoa viva e esse mesmo calor subiu em meu corpo.

Ele soltou uma leve gargalhada e sorriu abertamente. E por Deus! De onde veio essa vontade louca, de que não fosse apenas um sonho. Porque além dele me assustar, meus sentimentos internos estavam me assustando.


“– Não controla as emoções que “eu” consigo causar em você agora!”


Fechei meus olhos pedindo que tudo realmente não passasse de um pesadelo e que quando os abrisse ele não estivesse mais ali.


“– Não importa o quanto você me queira longe Loui...” – sua voz parecia me atingir em cheio, como se elas ecoassem pela minha cabeça de uma forma pior que um fone de ouvido. “– Eu preciso de você... e você precisa de mim...”


Abri meus olhos bruscamente e ele não estava mais ali. Eu sabia por causa do ar, que parecia menos pesado, que ele não estava mais no quarto ou em qualquer outra parte viva.


Suspirei derrotada imaginando se suas palavras eram reais, assim como sua imagem na minha frente. Mas eu tinha certeza de que ele esteve ali, pelo calor que passava pelo meu corpo e pelo perfume masculino que parecia dominar todo o ambiente.

O sono pesou em meus olhos e sabia que estaria dormindo em um minuto, mesmo com várias perguntas ecoando na minha cabeça. Mesmo seu perfume amadeirado impregnado no meu quarto e mesmo eu me perguntando se eu poderia confiar nele, se ele poderia ser realmente bom ou se era apenas um espírito perturbado e ruim... Meus olhos se fecharam em um sono sem sonhos, quase que automaticamente.