After Ever After-Interativa

Chapter XXXIV - Domingos de ressaca


Maximilliam O’Crown

No momento em que abri os olhos, minha cabeça inteira quis explodir. Eu havia esquecido de fechar as cortinas quando chegara na madrugada anterior, como sempre, e a ressaca persistiria em me atacar até mesmo se eu só tivesse molhado os lábios com álcool. (O que provavelmente não foi o caso, mas eu não estava em condições de me lembrar).

Ainda deitado, estendi a mão para meu criado mudo, tateando em busca dos comprimidos para dor de cabeça que eu sempre deixava ali, ao lado das barras de cereal. Achando estas primeiro, peguei uma e engoli de uma vez só - mais pela necessidade de ter algo no estômago para tomar o remédio do que pela fome - e engoli a pequena pílula logo em seguida.

Ela não teve efeito instantâneo – quem me dera – mas eu me senti um pouco melhor depois de mais dois minutos deitado. Pus-me de pé então, e me dirigi até o banheiro do meu quarto, na intenção de tomar um banho. A imagem de meu rosto no espelho me deixou um pouco espantado, e eu estreitei os olhos para ter certeza do que via – aquilo era batom rosa? Havia um arranhão em meu nariz ou era só impressão? Meus olhos realmente estavam tão inchados?

Depois de concluir que ainda tinha a mente demasiado enevoada para tentar reconstruir os eventos na noite passada, desisti de me inspecionar no espelho. Entrando no Box, deixei a água quente simplesmente cair em minhas costas por algum tempo. Era relaxante. Antes de colocar a cabeça debaixo d’água, passei minha mão por meu cabelo e levei-a ao meu nariz: até meu cabelo cheirava a álcool.

Eu precisava ligar para Destiny e descobrir o que acontecera, mas até lá, tinha uma certeza: a noite anterior tinha sido completamente selvagem.

Esfreguei meu rosto com uma esponja e sabão até que o batom saísse, depois fiz o processo de passar shampoo no cabelo duas vezes seguidas. Não era mistério para ninguém em casa o que eu havia passado a noite fazendo mas, se eu não quisesse ouvir minha mãe me enchendo logo quando eu acordasse, era melhor que eu estivesse impecável. Além do mais, eu não era completamente alheio ao que acontecia debaixo do meu teto. A família inteira iria sair hoje: os Montgomery tinham convidado a todos nós para um almoço em sua casa. Como em basicamente todo início de ano. E, se eu estava prestes a ver Rosie Montgomery, não podia me parecer com um cara que passou a noite bebendo e estava de ressaca – muito embora eu fosse um.

As más notícias eram que, dentro desse todos nós, o ser que dizem ser meu irmão gêmeo estava incluso. Mas, nobre como só William conseguiria fingir ser, ele provavelmente arranjaria outra coisa para fazer e me deixaria conversar com Rosemarie em paz. Se não isso, William ficaria com dó e simplesmente sairia de perto. Embora eu não me orgulhe disso, conheço-o bem o suficiente para saber como ele funciona. Nós compartilhamos um útero por nove meses, afinal de contas – ou pelo menos é isso que os rumores dizem.

Quando saio do chuveiro, coloco uma calça jeans limpa com uma blusa qualquer. Lembro-me, enquanto estou me vestindo, de não usar nenhuma pólo, já que William com certeza o faria e a última coisa da qual eu precisava era que alguém me confundisse com ele em voz alta. Charlotte Montgomery era ótima em fazer isso, então eu com certeza faria questão de me sentar logo à frente dela no almoço. Depois de sacudir meu cabelo até que o excesso de água realmente se vá e os fios fiquem soltos, saio do meu quarto. Por coincidência, Festus está passando no corredor, e sorri para mim.

— E eu achando que a filha da Bela Adormecida era a Rosie – ele brinca, e eu levanto as sobrancelhas.

— Que horas são? – pergunto secamente, já que não me lembrei de pensar nisso antes.

— Eu sei que você não gosta do William, mas que tal pegar emprestado um pouco da educação dele? Vai fazer bem para os dois – Festus debocha, e eu inclino meu rosto para o lado.

— Desde quando você é tão atrevido, Festus? Está me deixando quase orgulhoso – eu digo, ainda seco, e ele suspira impaciente com o meu tom. – Que horas são, pirralho?

— Eu não deveria dizer. Só por causa do pirralho.

— Anda logo.

— Meio dia e vinte – ele libera, e eu levanto as sobrancelhas. – Sim, você acordou cedo hoje, mas ainda estamos atrasados. O almoço estava marcado para meio-dia, mas só Will, Royal e mamãe ficaram prontos na hora. Papai e eu acabamos agora, então estávamos só te esperando para ir.

— Bem, eu estou pronto – replico, me englobando em um gesto enquanto meu irmão mais novo rola os olhos. – Podemos ir agora?

— Olha, os Montgomery já gostam mais do Will do que de você. Faça-se um favor e se arruma direito. Pelo menos daí você consegue parecer menos com alguém de ressaca – Festus diz, e me empurra de volta para dentro do meu quarto.

— O que foi que aconteceu contigo? – pergunto mais uma vez quando ele começa a andar para qualquer outro lugar. – Você era um bebê chorão até ontem.

— Cala a boca, Maximilliam.

— Ah, espera. É uma menina, não é?

Ele não se vira, mas quase tropeça em seus próprios pés no meio do corredor.

— Me deixa em paz, Max.

— Só saiba que meus conselhos são muito mais eficientes do que os da Royal e os do William juntos! – eu gritei, por fim, o que foi o suficiente para que Festus bufasse qualquer xingo leve e entrasse no quarto de nossos pais, provavelmente para pegar alguma coisa. Sinto um sorriso cafajeste se esgueirar pelo canto esquerdo da minha boca. Quase não havia nada melhor do que tirar Festus O’Crown do sério logo após acordar.

***

Meia hora depois, meu pai para o carro em frente à mansão dos Montgomery. Eu estou prestes a abrir a porta quando ele toca meu braço, chamando-me.

— Max.

Me solto e encaro-o, com minha melhor expressão impaciente.

— Quê foi?

Ele recolhe o braço, não intimidado, muito menos chocado. Verifica então se já não há ninguém que esteja a ouvir a nossa conversa. Dentre os membros da minha família, depois de Royal, Thomas realmente é quem sabe lidar melhor comigo. E com isso, é claro, eu quero dizer que os dois tinham o mínimo bom-senso de não esperarem gentilezas. Se bem que, por outro lado, William me aguentava de um jeito muito mais eficiente: me ignorando.

— Se comporte. Não faça nenhuma grosseria, nem pense em trazer qualquer assunto desconfortável à tona. Se disser que não gostou de qualquer coisa, sua mesada vai cair significativamente. Estamos entendidos?

Rolo os olhos. Eu sabia bem o quão frágil e complicada era a relação O’Crown-Montgomery. Desde o início dos tempos, as duas famílias tinham essa rixa. Toda aquela porcaria sobre qual fada foi a melhor e como uma história imita a outra, até que a guerra civil em Wonderland estourou e Encantia, nosso reino, resolveu interferir. Foi então que o país inteiro foi acusado de hipocrisia, por causa do pedido de união no território deles quando nós sequer conseguíamos superar uma rixa histórica. Nessa ocasião, minha família e os Montgomery resolveram tomar a pior decisão possível – atar duas crianças em casamento. O resto da história você já conhece.

Que foi? Eu presto atenção no noticiário às vezes.

Principalmente se as notícias eram sobre mim.

O ponto é: era importante que nossa relação com eles fosse a melhor possível. Minha mãe morreria por isso. Meu pai se importava o suficiente para me ameaçar. E dentro da casa dos O’Crown, isso é muito.

— Que seja – eu devolvo, simplesmente, e descemos do carro.

Apesar de não ser de noite, e não estarmos prestes a entrar numa festa de aniversário à la Montgomery, o cenário não deixa de ser impressionante. Tudo na mansão está impecavelmente limpo e reluzente como sempre. Sinceramente, não consigo evitar pensar que é mais uma das tentativas de Aurora para se mostrar superior aos O’Crown. Afinal, qual das duas é a melhor nas tarefas de casa, Aurora ou Cinderella?! O de sempre.

No entanto, os meus pensamentos afastam-se da competição de faxinas assim que a família anfitriã entra em cena. Mais precisamente assim que pouso os olhos em Rosie, que descia as escadas depressa fazendo a sua blusa florida esvoaçar. Praticamente não estive com ela durante toda a semana por isso não consigo deixar prender a respiração ao vê-la. Há também o fato de ela estar a usar umas skinny jeans.

No entanto, não é a mim que ela se dirige primeiro. Cumprimenta os meus pais de forma delicada, como uma verdadeira princesa. Depois William, que recebe um abraço e um beijo carinhoso na bochecha. A seguir Royal, a quem tenta cumprimentar da mesma forma, mas é obrigada a limitar-se a um aperto de mão (consigo sentir Rosie revirar os olhos internamente). Festus ganha um aperto das bochechas que o deixa totalmente furioso, e por fim dirige-se a mim, com um…’’olá’’.

— Olá? Só isso? — Pergunto falando baixo. Não que alguém nos estivesse a prestar atenção. Festus estava a rir-se de algo que Charlotte Montgomery lhe contava, e Will e Royal falavam distraidamente com Richard. Os meus pais já tinham desaparecido com Aurora e Philip.

— O que é que esperavas? — Replica Rosie, também a sussurrar, mas visivelmente chateada.

— Algo mais caloroso. Tipo isto — dou um passo em sua direção e beijo-lhe o canto do lábio. Ela recua.

— Devias aprender a limpar primeiro o batom das outras antes de me vires cobrar beijos. — Diz zangada, e afasta-se, indo na direção de seu irmão e William. Xingo-me internamente, esfregando a bochecha com força. Será que eu ainda havia deixado qualquer resquício ali?

Porém, como bom e persistente O’Crown que sou, ando rapidamente atrás dela e emparelho-me. Ela não vira o rosto para mim, mas posso ver uma expressão tão zangada que parece ser mais própria de minha irmã. Sabia que me arrependeria disso mais tarde, mas acabo por dizer mesmo assim:

— Sabe Rosie, isso tudo mudaria se eu tivesse uma namorada — sugiro, sem fazer qualquer esforço por esconder as minhas intenções. Eu sou Max O’Crown, afinal de contas. Meu irmão pode ficar com as cortesias só para ele.

Ela levanta as duas sobrancelhas, porém.

— Situação engraçada, não é mesmo? — Pergunta-me, e então aperta o passo para se livrar de mim. Eu desacelero. Se Rosemarie não queria ficar perto de mim, eu não a forçaria. Acho que não conseguiria nem se quisesse muito.

A verdade é que Rosemarie Montgomery me afeta mais do que eu gostaria de admitir. Eu sempre fui algo como a ovelha negra dos O’Crown, agindo sem me importar com a opinião da maior parte das pessoas ou com a imagem pública da família, pelo que minha mãe sempre me crucificou. É crucial mantermos uma boa imagem pelo reino, ou o conto dela cairia em infama e desgraça.

É quase irônico que, com isso tudo, ela tenha eu e Royal como filhos.

Entretanto, mesmo que eu desafie meus pais e trate mal a maior parte das pessoas no geral, é diferente com Rosie. Eu não conseguia não me importar com o quê ela pensa, principalmente sobre mim. É como se eu começasse a orbitar tudo o que eu digo ou faço em torno de sua atenção sempre que estamos na mesma sala. E isso não é nem perto do bom para minha reputação de badboy como todos dizem.

Continuo a andar, indo até uma das grandes janelas de vidro da sala, que me dá uma visão ampla do jardim. Meus pais e os Montgomery conversavam educadamente, sentados em uma pequena mesa de jardim, enquanto Richard e Charlotte pareciam ouvir algo que Festus contava.

William e Rosie estavam perto da grande cerca viva que dava entrada para o labirinto. Seus lábios se mexiam como se ela estivesse cantando qualquer coisa enquanto ele a rodava. Os dois sorriam largamente, parecendo se divertir, o que me faz suspirar e franzir as sobrancelhas. Os olhos de meu irmão brilhavam — tal como os meus segundo Festus - enquanto olhava para ela. Os dois, no meio das duas famílias, pareciam se enquadrar no cenário. Muito mais que eu me enquadraria.

— Um caso perdido, se quer saber — ouço uma voz atrás de mim, e não preciso olhar para saber que é de Royal. Ela, tal como eu, não se encaixava ali. — Qualquer um com olhos diria que Will é a escolha certa.

Eu sorrio, sarcástico.

— E é exatamente aí, irmãzinha — forço o termo afetivo, e ela rola os olhos com tanta violência que tive medo que saíssem das órbitas que mora minha esperança.

— Esperança de quê?

— Obviamente, de que ele não seja.