After Ever After-Interativa

Chapter XV-Perfeição É Relativa


Raymond James McFrog

Meu pai parecia realmente não entender o conceito de introversão. Muito menos minha mãe, admito. Na realidade, nunca esperei que algum deles entendesse.

Só que parassem de pegar no meu pé. Não que eu achasse de verdade que fosse acontecer, principalmente com os pais que tenho. Quero dizer, é o príncipe que só tomou jeito depois de casar e a mulher feminista numa Louisiana racista. Introversão nem deve existir no dicionário deles.

E ainda assim, cá estou eu. Desafiando todos os conceitos de hereditariedade.

Eu, por sinal, Ray McFrog. Também conhecido simplesmente como "filho da Tiana" ou "cara do ukulele".

Entende agora como genética não funciona em todos os casos?

Bom. A questão é que meus pais, mesmo depois de 16 anos comigo, acham que existe alguma solução para minha introversão. Como se fosse simples pra caramba mudar a personalidade de uma pessoa. O ponto deles? Que, no restaurante, eu não sou calado como na frente de pessoas.

Meu ponto? É diferente. E eu adoro aquele lugar.

Então quando meus pais me perguntam se eu tenho planos para o dia, eu obviamente digo que pretendia ajudar por lá. Eles sorriem entre si, e mergulho em desespero ao perceber que eles de fato estão armando alguma. E não, não é paranoia. Além de eles já terem armado umas e outras pra cima de mim, são dois fracassos em mentir. E, bom, Sherlock Holmes realmente ensina algumas coisas.

De qualquer forma, faço a estupidez de ignorá-los e vou para o restaurante mesmo assim. Depois de algum tempo fazendo sobremesas, minha mãe diz que é hora de trocar: ela cuida da cozinha e eu fico de garçom. Claro que isso é algo rotineiro, porque nenhum de nós dois realmente aguenta ficar em um só durante um turno inteiro, mas tem algo diferente no sorriso dela. Percebo onde ela quer chegar no momento que diz:

–Seu pai quer que você conheça alguns amigos.

Ótimo. Muito obrigado, mãe, por tentar me forçar mais uma vez a conhecer pessoas. Mesmo quando eu sou expressamente contra e simplesmente não quero.

Não me entenda mal, eu estou bem onde estou. Eu tenho alguns amigos- Moony Willd, os irmãos Smith, Scarlet Beasty –e eles são ótimos. Mais do que o suficiente pra mim, na verdade. É incrível o bastante que eu tenha conseguido me entrosar com eles, e não sei como meus pais têm a coragem de exigir mais.

Mas, claro, eles exigem de qualquer jeito.

Mais uma vez, não me entenda mal. Eles não fazem por mal, nunca fizeram. Só querem que seu filho único seja feliz. E acham que, para isso, ele tem de ter um círculo de amigos amplo.

Uma palavra: denecessário.

Não me surpreendo com meu pai logo do outro lado da porta que vai para a cozinha. Ele toca seu ukulele distraídamente, balanceando a cabeça de um lado para o outro, e para quando me vê.

–Ray!- ele quase grita, com sua cara de animação habitual –Vem comigo, filho. Tem um pessoal que-

–eu queria que você conhecesse– eu faço uma caricatura de sua voz –Eu sei. A mamãe já me contou.

–Tiana. Sempre estragando as surpresas- ele murmura.

–Pode poupar seu fôlego, pai. Quem é, dessa vez?- jogo, na lata –E, por favor, me diz que não são os Hook de novo.

–Eu sei que os Hook foram um erro, Raymond, não precisa me lembrar disso- meu pai brincou, passando a mão no meu cabelo -Dessa vez, eu trouxe coisa melhor. Por favor, meu filho, conheça os Haddock.

Vi que tínhamos parado em frente à uma mesa com cinco pessoas em volta. Cinco branquelos, três cabelos castanhos dois ruivos. Todos com um sorriso divertido na cara.

E eu ali, em pé com as mãos pra trás e uma cara de sem-jeito.

–Esse, Merida- meu pai andou até quem parecia ser a mãe -, é meu menino. Ray, essa aqui é Merida DunBroch.

Eu engoli em seco e assenti, sem poder falar. É isso que acontece quando você é introvertido e seu pai tenta te forçar a conhecer pessoas: você trava. Tenta fazer com que as palavras saiam mas é como se elas ficassem entaladas na garganta.

Então, em vez de falar, em timidamente aperto a mão da ruiva.

–Você parece meio quieto- a outra ruiva, que parece ser a mais nova, diz -Há algum problema?

Eu balanço a cabeça com veemência, e meu pai tem de assumir.

–Ray não é de falar muito- ele explica, e a garota faz uma cara de quem não entende.

–Como assim, não é de falar?

–Lanna, não é porque você não consegue calar a boca que todo mundo seja assim- o garoto, que deve ser seu irmão, diz.

–Ainda não entendo- a que parece se chamar Lanna ou algo do tipo se recosta na cadeira -Mas, se algum dia mudar de ideia, eu estou sempre por aí. Alanna Haddock, e o prazer é todo meu.

Ela não estende a mão, graças ao bom pai, e os outros rapidamente se apresentam. Quando acabam, eu rapidamente arranjo uma desculpa e volto para dentro da cozinha. Antes de entrar, porém, consigo ouvir um pedaço da conversa.

–Ele é sempre quieto assim, Naveen?- o pai, Hiccup, pergunta; mas seu tom não é deboche ou algo assim.

–Mais ou menos- meu pai admite.

–Com pais como você e Tiana?- a mãe se surpreende.

–Parece que nem tudo se passa de pai pra filho- ele suspira, parecendo triste, e se despede.

Entro na cozinha e me encosto na parede, escorregando até me sentar. Será que eu algum dia conseguiria ser o filho que eles queriam? Será que eu conseguiria ser o menino extrovertido e cheio de amigos que meus pais queriam? Que sempre quiseram?

Como eu faria aquilo? Mudar o jeito de uma pessoa é difícil demais, e eu me sentia bastante confortável em minha posição. Mas não era suficiente para meus pais. Enquanto eu não fosse como um deles, eles não iriam me deixar em paz. Nunca. Eu tinha plena consciência disso.

Suspiro, enfiando a cabeça entre as mãos. Dentre todos no Mundo Encantado, por que eu? Por que justo o quieto introvertido tinha de ser filho dos meus pais? Por que não puderam dar a eles a criança que eles sempre sonharam de uma vez, em vez de submeter todos nós a essa tortura?

Algo como um minuto depois de eu me sentar, minha mãe repara que estou ali no canto. Ela sorri de leve e bate as mãos uma contra a outra, limpando o que parece ser farinha, e se senta ao meu lado.

Cavando mais, até o fundo- ela cantarola -James, James. O que houve dessa vez?

Balanço a cabeça e engulo em seco.

–Os Haddock- eu digo, simplesmente -Eu travei de novo.

Minha mãe sorriu, tenra.

–Até mesmo com os Haddock?

Dou de ombros.

–Parece que não tem uma exceção.

–E os Smith, Moony e Scarlet?- ela me devolve, colocando a mão em meu ombro -Eles são exceções.

–Funciona de um jeito diferente, mãe- eu explico -Eles são diferentes. E, bom, não vou me casar com nenhum deles. Eu não tenho solução.

Ela fez sua melhor cara cética.

–Tem sim, James. Todos temos- diz, séria -Todos nós acharemos o que precisamos. Você só precisa cav-

–cavar mais até o fundo- eu a completo -Eu sei, mãe.

Ela suspira, minimamente feliz, e se põe de pé novamente.

–Então você está no caminho certo. Vai achar ela- concluiu -Enquanto espera, porém, esses pratos não vão se servir sozinhos.

–Certo- me ponho de pé junto com ela -Pode deixar comigo, mãe.

Ela bagunça meu cabelo, embora quase não alcance minha cabeça por causa da altura.

–Meu garoto- deposita um beijo na minha bochecha -Ratatouille na mesa 12, rapidinho.

Rio.

–Pode deixar, madame.

–Vá se catar, Ray- ela revira os olhos, voltando ao seu fogão -Mas, antes, sirva eles.

–Você é impossível.

–Também te amo, filho.