II

- Elisa!

- Oi querido!

- Já pôs o Sr. Bigode na mala da Brenda, amor?

- Foi a primeira coisa que coloquei! Imagine o que seria dessa viagem se a Brenda descobrisse que seu gatinho de pelúcia favorito foi deixado em casa? – escuta-se apenas a voz da mulher seguida de risos, vinda do quarto de cima da casa.

- Ouviu a mamãe, querida? O Sr. Bigode já está lá descansando na sua mala. – o homem, que aparenta ter seus trinta e poucos anos de idade, fala para sua filha, uma garotinha loira de seis anos, enquanto fecha uma mala de viagem enorme. – Agora é só esperar sua mãe acabar de arrumar sua irmã para partirmos.

Após um bom tempo de espera, a mulher desce as escadas com sua filha de três anos segurando sua mão.

- Nós tivemos duas filhas lindas. – fala o homem após um abraço e um beijo sutil em sua esposa.

- Sua mãe vai adorar ver como as duas cresceram! Da última vez que a visitamos, a Sofia era apenas um bebê! E olha ela agora, com três anos e sua irmã com seis. William, como eu amo nossa família! – os dois se beijam novamente.

- Ah, e queridas... Quando chegarmos lá não se esqueçam de darem um abraço bem forte na vovó, está bem? – ajoelhado, William fala às suas filhas com um leve sorriso estampado em seu rosto, abraçando-as logo em seguida.

Após uma longa viajem de carro, William e sua família chegam ao seu destino: a grande fazenda herdada de seu pai, onde agora vivem sua mãe e duas amigas de longa data que também eram viúvas. Ao abrir o carro, as duas meninas correm de braços abertos em direção a uma senhora de 72 anos de idade.

- Vovóóóóó!

- Oh minhas netinhas! Vocês crescem mesmo muito rápido. – fala Ângela recebendo os abraços fervorosos de suas netas.

- Oh meu Deus, meu filho cada vez que vejo você está cada vez mais lindo – Ângela abraça o filho e o beija na bochecha.

- Mãe, como é bom revê-la! Está maravilhosamente linda e simpática como sempre! Sinto-me honrado de poder reunir toda a família novamente.

– E você, Elisa, minha amável nora! Esse garoto não está lhe dando muito trabalho não, está? – risos procedem a fala de Ângela.

- Ás vezes Dona Ângela. Mas é só dar umas palmadinhas nele que logo ele se ajeita – As duas riem incansavelmente enquanto William ri da asneira das duas.

Depois de passado o fervor dos risos, todos entram na casa e desfazem as malas, pois será uma semana de pura confraternização em família. Enquanto William brinca no balanço do laguinho com suas filhas ele se recorda de seus bons momentos de infância nessa fazenda com seu pai. Das subidas no pé de manga que deixavam Ângela com os “nervos á flor da pele”, das instigantes cavalgadas nos cavalos com seu pai e das inúmeras vezes que tentou, sem sucesso, ordenhar uma vaca. Eram boas recordações, que só as lembranças o fariam reviver tudo isso novamente. Mas, por um amargo momento, lembranças de sua vida na casa do Sr. Damasco o fizeram derramar lágrimas de ódio.

- Está tudo bem querido? – Pergunta Elisa ao ver as lágrimas escorrerem a face de William.

- Sim, não é nada. São apenas lembranças de um passado que eu prefiro esquecer. – William enxuga suas lágrimas e abraça sua esposa.

- Está tudo bem. Coisas tristes ficam no passado. Mas agora o que realmente importa é o nosso futuro ao lado de nossas lindas filhas. – Consola Elisa, acariciando a nuca de William e beijando-o sutilmente.

Os dias seguem, e William nunca esteve em tão bons momentos como esses em sua vida. Enquanto brincava com suas filhas, mostrando os animais e o que fazia quando criança, Elisa se divertia ora aprendendo novas receitas com Dona Ângela, ora rindo com as histórias cômicas da vida das duas senhoras que lá também viviam. O tempo passa como brisa no outono e William desfruta de sua última noite na fazenda e faz questão de beijar sua mãe e filhas enquanto dormiam. “Eu te amo papai.” Brenda entregara essas palavras enquanto William saía sutilmente de seu quarto.

Boa noite querido... – sussurrou Elisa no ouvido esquerdo de William que acabara de deitar-se na cama. – Amanhã farei uma surpresa a você! – ela sorri e abraça William sem dar mais nenhuma palavra, deixando-o ansioso com o que seria.

Deitado de bruços para cima, William relembra os bons momentos que viveu naquela casa quando seu pai ainda estava vivo, enquanto o afável abraço de Elisa lentamente o faz cair no sono... No outro dia, William acorda atônito e ofegante, com aquela sensação de estar caindo em um sonho. Mas não consegue se levantar da cama. Logo percebe que têm tubos respiratórios pressionando sua face e fios introduzidos nas veias de seu braço. O estado agonizante em que ele se encontra é refletido em tremores em seu corpo, respiração ofegante e batidas frenéticas em seu coração.

“- O QUE É ISSO?! É um sonho! Isso... Só pode ser um sonho!” – pensa William enquanto tenta retirar com mãos trêmulas, os fios e o tubo respiratório de seu corpo.

Quando enfim consegue se desfazer desses empecilhos, tenta desesperadamente levantar-se da cama mas tal ação apenas o leva diretamente ao chão. A dor da queda lhe comprova o que ele menos desejava: aquilo não era um sonho. Não bastasse tal desgraça, ele descobrira algo ainda pior: não conseguia mais andar...