I

“Não, eu não estou louco. Mas garanto que já estou bem perto disso. Desde que meu pai morreu, eu e minha mãe temos vivido dias cada vez mais difíceis e eu sei que algum dia irei encontrar um método de acabar com todo o seu sofrimento. Tudo começou quando ela conheceu o ambicioso Sr. Damasco, que amparou suas dores e esteve presente nos momentos mais difíceis logo após a morte de meu pai. Mas eu sempre soube que toda essa dissimulação tinha apenas um objetivo: Os bens que meu pai acabara de passar para ela. Não demorou muito para que a recém viúva se casasse com o Sr. Damasco, e junto com ele tentasse constituir novamente uma família. Pobre mulher. Mal sabia ela que seu novo marido era um covarde oportunista que a faria sofrer todos os dias. Não bastasse tamanha desgraça, o Sr. Damasco trouxe consigo o Gregório e a Aline, seus dois filhos sociopatas. Nossa vida está um verdadeiro inferno, e ainda tenho que dissimular para a sociedade que tenho um ótimo padrasto e ótimos irmãos. Caso contrário, o Sr. Damasco prometeu que faria minha mãe conhecer o verdadeiro sofrimento. Mas esses dias estão para mudar. Não posso mais aturar todas as humilhações que ela sofre e ficar de braços cruzados. Já é hora desse cachorro miserável e suas duas crias repugnan...”

- O que é isso?! – indagou rispidamente o Sr. Damasco, arrancando o caderno das mãos do garoto, impedindo-o de terminar suas anotações. – Está tramando uma ofensiva contra mim, garoto estúpido?! – fala aumentando o tom de voz enquanto desliza seus olhos pelas últimas frases escritas no caderno.

- Devolva meu caderno seu desgraçado! – o garoto exclama correndo em direção ao Sr. Damasco e é parado com um soco no lado direito de sua face.

- Escuta aqui guri, da próxima vez que você tentar fazer algo contra mim, não será apenas um soco que lhe darei de presente...

Presenciando a cena estão Aline e Gregório, sentados na escada e rindo ironicamente. O garoto fica imóvel, curvado, olhando para o chão, e enche seu punho direito, ainda com a caneta entre os dedos, com todo seu ódio acumulado.

- Por todo esse tempo eu suportei suas humilhações, Sr. Damasco. Vi minha mãe ser usada como escrava, obrigando a fazer tudo para você e seus filhos e não tive coragem de confrontá-lo. Fingi para todos que aqui chegavam que éramos uma ótima família e que estava muito feliz de ter você como padrasto. – uma lágrima escorre pelo rosto do garoto e cai no chão frígido daquela sala. – Agora já chega. Chega de ser aquele garoto covarde. EU VOU TE MATAR SEU MISERÁVEL!!!

Seu ódio é deferido com uma caneta cravada no ombro esquerdo do Sr. Damasco, próxima ao pescoço, seguido de vários socos em sua face. Ao ver o pai ser machucado, Gregório desce as escadas para defendê-lo e imobiliza o garoto com uma chave de pescoço. O barulho da confusão atrai Ângela, a mãe do garoto, que estava na cozinha realizando seu amargo trabalho de todos os dias.

- Seu merda! Olha o que você fez! – Damasco retira a caneta de seu ombro, trincando seus dentes de dor. – Você quer brincar de escrever não é? Então vamos brincar de caneta no pescoço da mamãe. – violentamente, Damasco puxa Ângela pelos cabelos e põe a ponta da caneta em seu pescoço insinuando perfurá-lo.

- Nã-ão! Por fa-vor... Não a... Mate... Mã-ãe... – a fala ofegante do garoto fica cada vez mais incompreensível enquanto Gregório o mantém imobilizado com a chave de pescoço.

- William... Solte o William, por favor! Deixe meu filho vivo! – implora Ângela a Gregório que parece se divertir enquanto aperta gradativamente o pescoço do garoto.

- Veja as conseqüências de seus atos, moleque! Veja a vadia de sua mãe morrer bem na sua frente! – Damasco puxa os cabelos de Ângela para trás, expondo o seu pescoço para ser perfurado pela caneta empunhada em sua outra mão.

William sente sua vista escurecer. Os sons do ambiente estão ficando cada vez mais distantes. Até que involuntariamente seus olhos se fecham para nunca mais abrirem... Nunca mais se abrirem naquela casa.

- Onde estou? Que lugar é esse?! Quem é você?! Aqui... Aqui é um hospital?!

- Calma, querido. Está tudo bem agora, pode ficar tranqüilo. – a enfermeira, dona de um sorriso suntuoso, tenta acalmar a euforia de William com sua serenidade. – Você sofreu apenas um desmaio devido à lesão no seu pescoço, mas agora já está bem.

- E minha mãe?! Cadê ela?! Por favor, me diga que ela está viv...

- Sim, eu estou viva meu filho! – Ângela surge ao lado da cama com um sorriso tão sublime que há muito tempo William não via.

- Ai meu Deus, como é ótimo saber que a senhora não morreu! Mas o que aconteceu com aquele bando de sádicos inescrupulosos?

- Estão todos presos, filho. Aliás, nunca mais vamos ter que nos preocupar com eles. A partir de agora, teremos o devido recomeço de nossas vidas.

- Presos?! Mas como isso foi possível? Quem nos ajudou? Estávamos imobilizados. Não tinha como escaparmos vivos dali.

- Pra quê tantas perguntas William? O que importa é que estamos vivos, e juntos vamos aproveitar cada momento perdido de nossas vidas. Sem sofrimento... Sem humilhações... Seremos felizes a partir de agora. – um abraço de Ângela faz escorrer lágrimas em William. Lágrimas de felicidade...