Senti uma dor tremenda descendo da minha garganta inflamada até o meu estômago. Não podia acreditar no que estava ouvindo. Imediatamente peguei na mão do Sr. Carl e fui até ele para dentro do carro.

“Morrendo? Me explique isso!” – perguntei perplexo

“Eu fiz uns exames há poucos dias atrás, estou com câncer no pulmão, Noah” – disse ele num tom tão culpado quanto desesperador.

Liguei o carro e bati com a cabeça do volante, não acreditando no que estava ouvindo. O Sr. Carl tinha um vício, ele fumava escondido de sua família antes de dormir, embora todos soubessem. Agora aqueles cigarros patéticos estavam matando o único homem que me ajudou quando eu mais precisei. Liguei o carro e fui levando-o pra casa enquanto continuava conversando.

“Foram aqueles malditos cigarros, não?” – perguntei gritando.

“Sim.” – respondeu ele em um tom triste, culpado e de certa forma surpreso porque eu nunca havia gritado com ele.

“Quando vai começar o tratamento?” – a essa altura eu já estava me contendo, tentando controlar minha raiva ou qualquer lágrima.

“Não vai haver tratamento.” – respondeu ele – “eu apenas tenho 6 meses de vida.”

Pensei que a nossa conversa não pudesse ficar pior. Eu literalmente não sabia o que pensar, não sabia o que fazer. Notei que ele estava chorando ao meu lado, não reagi, apenas fiquei em silêncio durante toda a nossa viagem. Ele quebrou o silêncio assim que chegamos à sua casa:

“A minha família já sabe, não se preocupe.” – disse ele sem mesmo olhar nos meus olhos.

“Está bem. Se precisar de algo é só me avisar.” – disse eu tentando controlar os sentimentos.

Ele saiu do carro e se retirou ainda sem olhar nos meus olhos. Pela primeira vez em um bom tempo, eu chorei. Chorei durante todo o caminho até chegar em casa. Estacionei o carro e desci dele correndo. Abri a porta de casa e vi que todos estavam à mesa surpresos por me ver chegando no início da tarde. Subi as escadas correndo para que não me vissem chorando e me tranquei no quarto. Deitei, pus o rosto do travesseiro e chorei. Já havia perdido uma pessoa importante, e agora estava prestes a perder a segunda. Todas as minhas frustrações começaram a assombrar a minha cabeça, ao ponto de me deixar tonto; foi aí que adormeci.

Abri os olhos e olhei para o relógio, eram 7 da noite. Ainda estava com a mesma roupa que usava desde a manhã, estava me sentindo muito mal, mas de certa forma conformado. Tomei banho, me arrumei um pouco e desci as escadas. Nesse momento minha mãe saiu da frente da televisão onde estava com meus irmãos e me seguiu até a cozinha.

“Noah, eu soube do que aconteceu.” – disse minha mãe

Não respondi.

“Eu só quero que você saiba que estarei aqui sempre que precisar. Você sempre foi meu porto seguro, ainda mais depois de todas as perdas que tivemos. Vamos passar por mais essa e você ficará bem.” – continuou.

Abri a geladeira enquanto ela falava, fechei com força e fui me aproximando até ela. Alí eu a abracei e chorei em seu ombro. Não aguentava mais.

“Mãe...” – disse trêmulo – “Eu só... eu só quero um tempo pra pensar. Por favor?” – enxuguei as lágrimas em minha longa camisa.

Minha mãe se afastou.

Peguei as chaves do carro e saí de casa. Fui até um posto de gasolina. Estava totalmente frustrado, portanto, achei que pelo menos naquele único momento eu poderia fazer o que quisesse. Comprei uma cerveja, pus no banco do carona e voltei até minha casa. Ao chegar lá eu estacionei o carro, peguei a garrafa e sentei no banco onde costumava vigiar meus irmãos. Pus a garrafa ao meu lado enquanto olhava para as árvores. Abri a garrafa e dei o primeiro gole. Desde antes do colegial eu não bebia. De certa forma aquilo me trouxe conforto, e ao mesmo tempo um sentimento de culpa terrível. Estava completamente cansado.

“Isso não tem nada com o Noah que conheci” – disse uma voz perto de mim.

Era Anna. Como ela tinha chegado alí? Por quê?

“O que você sabe sobre mim?” – perguntei dando outro gole sem olhar para ela.

Ela sentou-se ao meu lado e respondeu, “não muito eu diria, mas sei que é um rapaz forte, não precisa se apoiar em qualquer besteira para aliviar algum tipo de sofrimento. Você é um homem de verdade, então, cabe a você encarar o problema face-a-face.”

Suas palavras soaram como um verdadeiro sermão pra mim, o que me fez jogar a garrafa no chão.

“Eu senti que fui um pouco grossa com você hoje de manhã, e resolvi te visitar pra me desculpar. Foi fácil encontrar a sua casa de novo, ainda consegui dar um oi para a sua mãe.” – disse ela com sua voz, aquela inesquecível voz.

“Mas é uma pena que a sua mãe não tenha recebido uma coisa tão fantástica quanto essa” – disse ela abrindo uma cesta cheia de doces – “Eu espero que você goste”.

Havia pedaços de torta de maçã, cupcakes e alguns amendoins.

“Olha, eu sei que é muito, mas fiz com a intenção de dividir com alguém, então...”

“Obrigado, Anna.”

“É o mínimo que posso fazer” – disse ela

“Minha mãe contou o que houve, certo?” – eu já estava de certa forma consolado, pelo menos por aquele momento.

“Sim, ela contou.”

Não fiquei chateado em ouvir isso. Apenas ficamos em silêncio por um tempo.

“Sabe o que é fantástico?” – perguntou ela, quebrando o silêncio – “Eu saí de Pittsburgh jurando que não faria nada demais aqui. Conhecer você e a sua família foi demais pra mim. Eu sei que fui um pouco insensível, mas quero começar de novo, quero te conhecer melhor, Noah. Eu sei o quanto dói perder alguém ou ficar longe de quem se gosta, mas a vida sempre vai nos mandar alguém para nos fazer companhia, para cuidar de nós. Demorei um tempo pra aprender isso, e confesso que não aprendi totalmente, apenas espero que um dia você entenda o que eu esteja falando.”

“É. A vida é cheia de surpresas.” – falei.

Olhei para Anna, ela me olhou de volta e nos abraçamos. Contei à Anna sobre os últimos anos de minha vida, sobre a perda do meu pai, a criação dos meus irmãos, o trabalho e todas essas pequenas frustrações que esses problemas haviam me trazido e que eu não conseguia resolver. Ela me ouviu pacientemente, e fiquei surpreso pela enorme confiança que ela me passava, sentia como se tivesse conhecido Anna há vários anos. Passamos um bom tempo falando sobre mim, sobre a vida; mas ela me falara pouco sobre ela. Ela estava absolutamente linda, usava um vestido de ceda com uma tiara, me lembrava muito àquelas princesas de filme.

A madrugada já havia chegado e nossas conversas e risadas já haviam dado lugar a bocejos de sono. De longe notei que todas as luzes da minha casa estavam apagadas.

“Anna, obrigado por tudo.” – eu disse

“Não tem o que agradecer. Eu que agradeço por você ter aceitado as minhas desculpas. Eu realmente não sabia o que fazer.”

Anna agora fazia parte da minha vida, e acho que já está na hora de confessar... Eu estava completamente apaixonado por ela.