Charles Louis Marsh

O som das ondas batendo na costa rochosa ficava ecoando na minha mente. O vento marítimo bagunçava meu cabelo que se emaranhava, formando uma floresta de fios acobreados longos e trançados. Minha barba crescia conforme o tempo e minhas olheiras ficavam cada vez mais fundas.

Apoio-me na janela que dava uma bela vista para o mar, e, sobre ela, havia uma garrafa com uma vela acesa dentro para iluminar o ambiente. O vento sacudia a chama sem que a apagasse e me dava a sensação de estar sempre à deriva da luz e da escuridão.

Dias atrás eu havia chegado naquela ilha, sentido o pavor percorrer a minha pele e meu sangue congelara. O homem que eu devia servir acabou me atraindo e deixando preso ali, como um camundongo em uma ratoeira, prestes a morrer.

Eu o amava, por mais tóxico que nossa relação fosse, eu o amava. Sinto que era de minha responsabilidade contar a Valerie que eu havia caído nos braços de um homem. Ouviria de minha amada, cuja eu abandonei, palavras ácidas, ásperas me chamando de aberração, doente.

Talvez fosse doença. Não o fato de dois homens se apaixonarem, mas pelo próprio fato de amar. Amor, de qualquer forma, tem os mesmos sintomas que uma doença. Chega nas pontas dos pés, sorrateiramente, sem que perceba e, quando menos se espera, tu se encontrarás rastejando e se rasgando por dentro, orando por uma mísera cura e, sem solução, espera-se a morte em teu leito.

Eu havia provado todos os horrores que James havia me mostrado e, por mais que eu o odiasse, eu o amava. Teu lado sombrio era ofuscado por seu magnífico espírito e todas às vezes que ele havia me resgatado.

Senti-o perto de mim. Sua barba rala roçava meu pescoço e suas mãos me cercavam como se fossem uma cobra prestes a prensar os ossos de sua vítima.

—O que andas pensando tanto avistando o mar? —Perguntou-me com uma voz rouca, cansada.

—Avisto apenas o que eu deixei para trás — Suspiro e fixo meu olhar para o vazio. — De como eu vim parar aqui e as consequências de não voltar.

—O que afirma com isso? Que queres voltar para Valerie? Para aquela vidinha de merda e miserável que tinhas? Vai abandonar o homem que te ama e qual tu jurou submissão para governar as trevas?

— James, o que pretendes governando as trevas? — Disse eu com uma cara duvidosa, instigante.

— Transformar todas as pestes humanas em criaturas da noite. Minhas criaturas!

— Isso só espalhará a morte e o desastre. — James virou-se e ficou de costas para mim. —Por que eu, James? — Senti-o virar e agarrar meu pescoço com vigor.

— Porque eu arrisquei minha vida por você. Porque fui condenado a viver como um parasita. Isolado. Cruelmente tachado como violento. Mas tudo o que me tomaram um dia será devolvido. Para isso, só o teu sangue me dá forças para resistir e lutar. Eu te tenho aqui, porque te necessito.

Soltei-me do braço dele e o praguejei.

—Tu não é digno de governar o mundo. Tu não me ama. Tolo fui eu, que achei que o que guardavas em teu peito era amor, mas é apenas posse. Tu me quer, porque não é nada sem mim, e, sem mim, tu continuaria sendo esse parasita.

Saí caminhando dali, enquanto vislumbrava alguns vultos me cercando.

—Se tu me deixar, apenas o horror te aguarda.

***

Corri para a praia.

Agarrei algumas flores que achei no caminho e fiquei desprendendo suas pétalas e jogando-as na espuma que batia na areia, sentindo também a água fria molhando os meus pés descalços.

Meus pensamentos voltavam-se para Valerie. Como ela estava? O que havia feito nos últimos dias?

Sentei-me na praia e observei o mar, sentindo a água molhar minhas coxas, nádegas e virilha. Existia uma sensação de torpor tão forte em mim, que era incapaz de sentir alguma coisa.

Em minha visão periférica, vejo o vulto de uma moça se aproximando de mim.

—Charles Louis Marsh. Que honra enorme finalmente o conhecer! — Virei-me e vi uma mulher pálida, de cabelos negros e vestes negras. Encarei-a e questionei-me de onde nos conhecíamos.

—Quem és tu? — Levantei-me sentindo o seu olhar denso acompanhando meus movimentos.

—Já ouvistes falar de mim, assim, como Valerie. —Ela soltou um sorriso no canto da boca.

—Como conhece ela? —Respiro ofegante — Quem é você?

— Meu nome é Condessa Camilla Bellona Duvessa LeFay Witchita. Nascida das noites mais escuras. A bruxa que salvou a vida de teu amado para que a sua fosse poupada. As vidas de vocês estão em minhas mãos como marionetes presas em cordas. Só basta que eu tenha agora a tua alma.

—E o que queres com ela? — Medo e raiva me percorriam.

—Valerie saberá. —Ela riu com desdém.

—Diga-me o que houve com ela. Diga-me —Peguei-a pelos braços e a sacudi rápido.

Senti sua mão agarrando meu pescoço e me mandando parar. Seu olhar furioso caiu sobre mim.

—Escuta-me mortal desprezível, não há mais nada lá para ti. Valerie será queimada em praça pública por bruxaria e tu não poderá fazer nada. O preço de submeter a meus caprichos é que eu tenho que tirar algo que te é precioso, e Valerie é o bem mais precioso para ti. Somente a alma de James é escura o suficiente para libertar a escuridão na Terra e ela só se tornará negra o suficiente por tua causa, por teu sofrimento. Assim que as trevas forem libertadas, meu mestre sairá para o mundo e eu governarei ao lado dele, mas ele precisa de um receptáculo. James é o que eu preciso. Dei-me a tua alma e será poupado.

Antes que eu pudesse dizer algo, faltou-me oxigênio e tudo escureceu.

***

Valerie Westerna

Fui acusada de bruxaria pelo assassinato de algumas garotas, que eu sequer conhecia. Boatos que encontraram alguns objetos cujo pertenciam à praticantes de bruxaria no quarto de minha mãe, me acusando, assim, de assassinato e prática de bruxaria. Algumas partes de animais foram encontrados em minha casa: patas, dentes, orelhas, olhos. Tudo o que encontraram em minha casa serviria de provas para meu julgamento, que ocorreria em sete dias. Orei para que Charles estivesse ali, mas, ao invés disso, Lucy me apareceu.

—Não chores, querida. Tudo acabará logo. —Senti suas mãos atravessando as grades para me tocar. Enfurecida eu retruquei:

—O que você fez comigo, sua vadia?

— Eu sou uma bruxa... E você descobriria que, no fundo, você teria capacidade de ser também. Preciso de sacrifícios, e, principalmente, do sacrifício de Charles, mas para que isso ocorra, você deve ir antes. É tudo parte da profecia.

— Que profecia? — Perguntei chorando e agarrando os braços dela.

— Você saberá... Quem sabe um dia, não é?

Comecei a bater nela, enquanto eu gritava enfurecida, ouvia suas risadas cheias de êxtase. Em fração de segundos, ela havia desaparecido e os guardas chegaram para jogar água fervente para que eu me acalmasse.

***

Charles Louis Marsh

Acordei em um quarto escuro do castelo, despido e suado. Havia correntes e cordas me cercando para que eu não pudesse fugir. A condessa se aproximou de mim e me zombou.

—Vejo agora porque James caiu de amores por um pobre mortal. —Eu estava amordaçado e não podia dizer absolutamente nada para ela. —Visitei Valerie. —Disse ela circulando ao redor de mim.

Ela parou e me fitou.

—Ela será julgada em sete dias. Apenas sete dias para que ela morra e nosso sacrifício comece.

Ela desviou o olhar para o lado e eu vi diversas lanças penduradas na parede.

—Lindas, não são? —Sorriu com certo deboche. — Teremos um jardim de rosas, rosas de sangue. Milhares de pessoas empaladas servindo de alimento para o meu mestre. — Ela se aproximou de meu ouvido. — Eles o mataram uma vez, mas eu o trarei de volta. Seu nome é Drácula! —E riu mais uma vez.

James apareceu na porta e se aproximou, e começou a me acariciar, cheio de felicidade e ainda com um vigor.

Senti sua mão roçando meu corpo e me excitando, enquanto suas presas iam em direção a meu pescoço. Tentei gritar, estava amordaçado. Deixei que ele me sugasse e percebesse o que havia de errado ali. A condessa saiu e nos deixou a sós. James percebeu que havia algo de errado e tirou minha mordaça.

—James! —Disse eu com uma voz aflita. — Ela. Ela não vai cumprir com o que te prometeu. Você foi enganado.

Ele me encarou e eu pude ver seu olhar de dúvida.

— Solte-me rápido. Ela vai matar Valerie, para que eu sinta a dor. Vai me matar para que meu sangue seja o sacrifício a ser dado para o receptáculo do mestre dela, que florescerá sob tua pele. Tu és apenas uma carcaça. — Senti suas mãos tentando me soltar e vi que ela havia voltado para o quarto escuro.

James não esperou e nem planejou, confrontou-a diretamente.

—Como pôde? Todos esses anos e você mentiu pra mim.

— Cachorrinhos deveriam ficar calados. —Desafiou-me com um olhar.

James, furioso, agarrou ela pelo pescoço.

—Você vai perecer no inferno, sua... —Ela sacou uma faca e abriu uma fenda na barriga de James, que gritou.

—Não se preocupe, James, isso não vai te matar. —Ela enfiou a mão e puxou as entranhas de James para fora. — Você só morrerá se atingido no coração.

Vi James caído no chão, suas vísceras expostas, enquanto ela se dirigia a mim.

—Você devia calar essa boca.

Minhas mãos estavam soltas, agarrei a faca e direcionei-a diversas vezes contra os olhos de Camilla. Ela gritava várias vezes, tentando me agarrar pelo braço.

Soltei-me completamente e dei-a um soco no rosto, fazendo-a ficar apoiada apenas nos joelhos e mãos. Aproveitei e perpassei uma estaca entre seu ânus, que percorreu seu corpo, de forma que saísse na sua clavícula esquerda, após atravessar o coração, enquanto ela gritava e berrava.

—Você será a primeira rosa de sangue e a última.

Uma janela estava aberta, e eu a joguei por ela, vendo-a se despedaçar nos rochedos.

Deixei James ali, no chão, exposto.

Corri pela praia, enquanto uma tempestade se aproximava, e era perseguido por vários lobos. Na chuva, corri deles até encontrar um bote, que me levaria para fora da ilha. Senti um dos lobos morder minha coxa e, por sorte, acertei-o com um remo e entrei em alto mar.

Durante a tempestade, tive a enorme sorte de encontrar o navio de Renthfield Corody, o mesmo que havia me levado até a ilha. Este me levou até próximo à Lisboa, quando, acidentalmente e misteriosamente, o navio naufragou. Acordei despido no meio da praia. Não sei quantos dias levaram para que eu fugisse do castelo e chegasse até ali, mas eu tinha que salvar Valerie.

Corri para praça pública, completamente nu, e cheguei a tempo de vê-la presa em um tronco. Corri, sinto que havia chegado tarde demais.

***

Valerie Westerna

Fui julgada e condenada como bruxa, presa a uma estaca e mandada para a fogueira por crimes que não cometi. Julgaram-me culpada pelo assassinato de várias garotas e pela morte de meus pais, o que não era verdade. De qualquer forma, eu estava ali.

Senti jogarem em mim combustível e atearam fogo. Em um dos meus últimos momentos, eu avistei o rosto de Charles gritando por mim.

***

Charles Louis Marsh

Divaguei pela cidade, sem ser visto e desmaiei na praia. Acordei em um hospital psiquiátrico, qual eu chamava de a casa de branco. James estava vivo ainda, eu podia senti-lo. Eu podia buscá-lo. Eu podia matá-lo.