Valerie Westerna

Já faz uma semana que Charles se foi. Ainda que eu saiba que ele estará de volta a Lisboa em breve, meu coração sangra ao relembrar ao recordar a última vez que o vi, que eu o senti, que nos abraçamos sob o luar logo abaixo da videira de minha janela.

Escrevo-lhe todos os dias, mas sei que minha mãe não permite que eu entregue essas cartas para que elas cheguem até ele, então as guardo em uma caixa de madeira embaixo de minha cama. Cartas que exalam saudades sem destinatário.

Certas noites, eu acendo uma vela sobre a sacada e queimo uma ou duas cartas nas quais eu prometo amar-lhe para sempre. Se minhas palavras não conseguem chegar até ele, eu espero que a chama queime a ausência e que o vento carregue minhas palavras, reduzidas em cinzas, até ele.

Alguns dias atrás, encontrei Lucy. A bela jovem de cabelos negros como a noite estava caída após uma colisão da carruagem com uma rocha, sendo a única sobrevivente do acidente, embora os outros tenham morrido de forma bastante misteriosa. Lembro-me de como ela agonizava enquanto o sol matinal batia em sua pele pálida, eu me desesperei e gritei por ajuda, como ninguém conseguiu me ouvir eu arrastei-me com ela até minha casa.

Lucy ficou alguns dias deitada, repousando. Sua pele estava bastante irritada, cheia de bolhas e queimaduras, seus lábios estavam rachados como a terra racha sem água, seus olhos estavam avermelhado e sua beleza se esvaia e ela parecia uma flor murcha, sem vida.

Sua recuperação foi muito rápida, sua pele voltou ao normal em menos de cinco dias, e embora ela parecesse frágil e debilitada, ela ainda parecia ter um aspecto saudável.

Lucy tem sido minha companhia desde que Charles se foi. Ela tem passado tardes comigo conversando sobre algumas coisas, sobre os lugares e as histórias que viveu. Ela é uma jovem extremamente carinhosa, uma vez ou outra me cobre de abraços e me trata com um apreço enorme, me cobrindo de carinhos, mimos e beijos.

A jovem estava em uma viagem e como sua carruagem havia sido despedaçada, ela disse que sua família mandaria a buscar em breve, em duas semanas talvez. Ela ficaria hospedada em minha casa enquanto sua carruagem não estava a caminho.

Não posso negar que ela tem hábitos estranhos. Ela sempre acorda um pouco depois da tardezinha e só comparece ao jantar, ainda assim ela se nega a comer, afirma que comera assim que acordara. Perguntei aos empregados e eles nada disseram sobre vê-la se alimentando.

De qualquer forma, é Lucy que me acompanha nas tarefas diárias, que me oferece um porto seguro enquanto a aflição de saber que meu noivo partira em uma jornada e que passeia comigo enquanto estou entediada ao ficar observando as paredes de minha casa.

Tarde da noite, ela veio até mim.

—Valerie... — voz sussurra meu nome— Valerie, acorde!

Abro lentamente meus olhos e me deparo com Lucy em suas vestes de dormir, apoiada em minha cama com sua mão em minha cintura, seu cabelo está solto e desce em belos cachos embaraçados ao longo de seus ombros.

—Lucy? —Tento olhar para sua face enquanto minha visão começa a se adaptar para enxergar melhor — O que fazes aqui?

—Estou com insônia, —ela respira fundo—Pensei em darmos um passeio pela floresta.

—Estou tão cansada. —Viro-me de lado — Podemos fazer um passeio amanhã —Volto a fechar os olhos e ela passa sua mão sobre meu ombro remexendo-o.

—Valerie, levante-se! É importante! —Ela continua mexendo meu ombro —Podemos sair só hoje para vislumbrar o céu estrelado? — Escuto o som da respiração e uma breve pausa —A lua está cheia, o clima está tão agradável.

—Como pretende sair daqui sem chamar atenção de ninguém? —Apoio-me e me sento na cama. —Meus pais ou os empregados ouvirão. É uma péssima ideia.

—Valerie... Podermos ir pela videira, venha comigo! —balanço com a cabeça indicando um ‘não’ e encosto-me no travesseiro. —Estou indo ter uma aventura na floresta, me perder sob o luar e ouvir o som misterioso das criaturas noturnas. Se quiser me acompanhar, venha! Mas, estarei partindo agora.

Lucy foi em direção à minha janela e abriu as janelas de vidro, atravessou e percorreu a sacada e subiu nela. Ao ver seus cabelos dançarem ao vento e suas vestes brancas se banharem no luar, eu podia jurar que ela fosse pular, então corri até ela. Ela me olhou e desceu pela videira, e em seguida eu a acompanhei.

Percorremos um longo trecho pela floresta, dando risadas e correndo entre as árvores. Havia diversos morcegos no céu. O barulho das folhas secas que se despedaçavam sob nossos pés era reconfortante. Galhos constantemente batiam em nossos braços e nossas pernas, algumas teias de arranha se embaraçavam em nossos rostos e nossas roupas começaram a tocar o orvalho que repousava suavemente sobre as folhas.

Chegamos em uma colina. Às vezes, quando passava de carruagem, eu podia observar como aquela colina era bela, era admirável pelo seu formato redondo e coberto de grandes árvores com troncos grossos e alguns cipós que se desvencilhavam dos ramos.

—Por trás daquelas árvores grossas existe um lago, dizem que as águas são quentes, pois são termais—Lucy se aproximou de meu ouvido. Embora eu nunca tivesse ouvido sobre tal lago, eu a segui.

Havia, de fato, um lago. Uma breve névoa pairava acima dele e Lucy disse que era o vapor resultante da temperatura do lago.

Lucy tirou sua camisola e ficou parada bem em frente a mim, nua. Ela me encarava e como era linda sob o luar. Seus seios eram esbeltos e seu corpo era definido, eu fiquei paralisada.

—Vamos tomar um banho. —Ela me observava. Coloquei minhas mãos segurando forte minha roupa e agarrei como se achasse que fossem ser arrancadas a qualquer momento. —Sua boba. Está com Vergonha? —Ela riu e se aproximou. —Dê-me sua mão.

Ela agarrou minha mão e deslizou sobre seus seios, depois desceu minha mão e passou sobre sua cintura e, em seguida, colocou minha mão entre suas pernas. Por algum motivo aquilo me deixava excitada. Entrar em contato com o corpo de uma outra pessoa era uma explosão lasciva que desencadeava dentro de mim.

—Não há nada que não tenha visto ou sentido antes. Nunca se olhou no Espelho? Sequer se tocou ou se descobriu? —Ela riu e, aos poucos, baixei minha guarda. Ela retirou minha roupa lentamente e fiquei exposta sob a noite e sob seus olhos vorazes.

Ela ficou atrás de mim, e colocou a mão sobre meu corpo e me disse para entrar na água, e, assim, eu fiz. Ela entrou junto comigo, apoiada em minhas costas e logo ficou em minha frente. A noite estava tão bela, ela era tão bela. Poderia ficar ali por milhares de anos, observando seu rosto.

Minha visão estava turva, meus pensamentos confusos. Eu amava Charles, mas Lucy me atraia como se fosse a força da gravidade e eu fosse uma maçã se soltando de um galho, prestes a cair e ser lançada ao chão. Eu estava caindo, poderia me machucar?

Fui caminhando em direção a ela, e me aproximei, aos poucos de Lucy. Eu queria beijá-la, senti-la, tocá-la. Antes que eu o fizesse, algo prendeu em meu pé e, com o pequeno susto que tive, parece que meus pensamentos haviam se dissipado e eu já não estava mais seguindo em direção a Lucy.

—Algo prendeu em meu pé. —Falei e sua expressão mudou. Ela parecia levemente irritada.

—Rumores diziam que algumas pessoas jogavam estátuas quebradas ou danificadas aqui. —Ela falou. Ela já não me encarava mais.

Tentei levantar meu pé e agarrar o que havia se prendido nele. Para minha surpresa, parecia uma mão, talvez fosse uma mão de uma estátua. Observei bem os dedos e pareciam unhas.

Dei um pequeno mergulho na água e tentei enxergar algo nas profundezas do lago. Agarrei uma coisa redonda, que era fácil de ser levantada e fui à superfície com ela. Ao abrir os olhos, vi que eu segurava uma cabeça de uma mulher.

Soltei e imediatamente corri, aos berros, para fora do lago. Agarrei minha roupa e atravessei a floresta, sem ter realmente a noção de onde eu estava indo.

Não parei. Não olhei para trás. Não vi se Lucy me seguia correndo também. Eu só lembro do medo percorrendo minhas veias e um desejo desesperado de chegar em meu lar, no casarão.