Era uma tarde calorosa de dezembro. Os raios do crepúsculo atravessavam as cortinas e iluminavam algumas partes do quarto trazendo um clima lúgubre e agonizante que para aquele tenebroso lugar. Eu estava deitado de bruços quando ouvi um suspiro próximo ao meus ouvidos e arregalei meus olhos, me deparando com o mar branco dos lençóis. Não ousei me virar para conferir o que havia suspirado próximo a meus ouvidos.

Um frio percorreu minha espinha, senti um dedo grosso, talvez o indicador, pressionando sobre minha coxa, que logo percorreu lentamente pelo meu corpo parando próximo à minha cintura. Meus pelos ouriçaram e por um pequeno momento eu pude ouvir uma voz áspera sussurrar meu nome.

— Charles... Charles...

Eu não tinha dúvidas, era ele!

Virei-me procurando sua imagem, meus olhos percorreram todas as dimensões possíveis, mas em nenhum canto daquele lugar desprezível ele se encontrava. Eu devia saber que não devia ter confiado nele, desde o primeiro momento que pisei naquele lugar eu sabia que não seria mais a mesma pessoa.

Já havia o visto algumas vezes durante vários dias, mas em nenhum momento eu sabia que estava lúcido. Ainda continuava sentindo sua presença em todo lugar que era capaz de ir dentro daquele manicômio e mesmo nos momentos em que invadiam meu quarto para me dar sedativos e algumas drogas para que eu pudesse me acalmar, eu sabia que ele estava me observando com um olhar sádico, mas ao mesmo tempo penoso. (*)

O relógio bate, são 19 horas, é a hora de minha sessão na psiquiatra. Ela era uma jovem loira e não tão arrogante como as outras que já passaram por ali.

— Charles Louis Marsh, 23 anos, Solicitador. Relatado com uma doença ainda não identificada, provavelmente esquizofrenia com transtorno bipolar. Foi encontrado em uma praia desprovido de vestes, com diversos hematomas pelo corpo... — Eu ouvia silenciosamente cada palavra que aquela bela mulher pronunciava, ela continuava a ler, mas minha mente se perdeu em um labirinto com outros pensamentos, e como um labirinto, por mais que eu tentasse fugir, eu não conseguia. No fim, percebi que, por mais que eu evitasse, meus pensamentos sempre terminavam nos olhos negros dele fixando-se nos meus. Mas esse tornado de pensamentos se dissolve quando Mrs. Keating chama minha atenção – Então, Sr. Marsh...

Assim que ela começou a falar, senti uma breve sonolência, e comecei a me perder de novo minha concentração. Infelizmente ela insistiu em saber o que estava ocorrendo e chamou minha atenção. Pelas breves palavras que pude ouvir, ela queria que eu relatasse algo, provavelmente o que eu sonhava, pois ela chegou a citar que durante a noite minha inquietação chamava a atenção dos guardas e diversas vezes eles precisavam me dopar para que eu conseguisse ter o controle de mim mesmo.

— Então você quer saber sobre meus sonhos? — Ela afirmou com a cabeça que sim e gesticulou com a mão para que eu prosseguisse e relatasse todos os detalhes possíveis.

— O que eu consigo me lembrar é que os sonhos sempre começam em um castelo. Um castelo com paredes de pedras enormes e cinzas, do lado de fora possui uma cerca viva que é um labirinto. O jogo começa comigo. Eu correndo, ofegante e desesperado, cambaleante enquanto fujo de algo que me assusta, que eu nunca lembro do que exatamente estou fugindo. Eu corro até que em um determinado ponto eu paro de fugir, pois sob o luar eu vejo seus olhos negros sendo lançados diretamente para mim. Ele é gentil, desliza a mão sobre o meu rosto e me pede para deitar, e me despe inteiramente. E começa a me beijar, e aos poucos ele desce seus beijos sobre a extensão do meu corpo e os mesmos começam a ficar mais intensos. E eu acordo.

Paro de falar com um olhar perdido. É um sonho erótico e não aceito pela sociedade. Penso que provavelmente tentarão me passar pela terapia de aversão, e terei que ficar acompanhado de um balde de vômito enquanto diversas fotos de homens despidos passam sobre o projetor e uma substância é aplicada diretamente em meu corpo para me causar enjoo e vertigem, criando uma aversão à anatomia masculina.

O curioso é que não sinto-me atraído por nenhum homem, e não vejo algo que possa me assegurar a gostar de anatomia masculina. Mas algo em meus sonhos me remete a esse vulto masculino de olhos negros que me persegue e que me enche de um prazer culpado. Culpado, sim, não deveria ter esses tipos de sonhos. Entretanto, era prazeroso, cheguei a ter três poluções noturnas em uma noite só, apenas com o mesmo sonho.

Gostaria de saber se há algo que eu tenha feito pra me fazer sentir assim. Eu me encontrava em algumas noites me esperneando e chorando no chão, eu arranhava as paredes e bagunçava a cama, e destruía os três móveis que haviam dentro do meu quarto, que era na verdade um cubículo para aprisionar pessoas mentalmente instáveis.

— Bem, nos seus registros contam que antes de você ser encontrado despido na parte costeira, você havia ido resolver um pequeno caso de herança de família para James Karnstein. Esse foi seu último paradeiro, lembra mais de algo? — Com essas frases, a psiquiatra me remete ao nome do vulto de olhos negros, e minha memória que estava embaçada tem uma pequena clareada. — Então, lembra de algo? — Embora eu começasse a ter pequenas e falhas lembranças, eu me neguei a responder.

***

A sessão havia acabado, e agora eu me encarava de frente ao espelho. Havia roubado uma faca da cozinha e consegui escondê-la em meu travesseiro até a hora de dormir. Já era tarde da noite e nenhum guarda estava me vigiando, provavelmente acharam que eu havia me comportado.

Desci, friccionando a lâmina sobre o meu antebraço e observei o líquido espesso e viscoso sair pulsado de minhas veias. Eu apenas fechei os olhos e senti uma respiração se aproximar de mim e seus lábios delicadamente cobriam o ferimento e me sugava até um ponto que o sangue pudesse cessar um pouco, porém ainda não havia estancado.

— Por que estás fazendo isso consigo mesmo? Não achei que fosse mostrar tua fraqueza tão rapidamente. — A voz que ecoava pela sala era do Sr. Karnstein, e ele demostrava pelo seu tom um ar de deboche, mas ainda assim de preocupação.

— Eu fiz porque sabia que você viria... Não abriria mão de sua vítima tão fácil assim, não é? — Eu abri meus olhos e pelo meu tom, eu demonstrava finalmente ter um pouco de confiança, mas o sentimento que mais predominava era o de raiva. E no fundo eu sentia um pouco de prazer de finalmente não vê-lo em minhas memórias embaçadas, mas pessoalmente.

— Não posso abrir mão de você... Você é meu. — Sinto que ele me pressiona contra parede e me beija, logo após me jogando sobre a cama, descendo seus beijos fervorosos até a parte mais prazerosa do corpo humano. Ah... Isso eu ansiava por diversos dias. Mas algo estranho ocorreu, ele parecia morder meu órgão.

E mais uma vez, tudo se dissolve, e eu estou coberto em meu próprio esperma e tudo que havia ocorrido não passava de mais um sonho.

Corri até o canto da parede e me encolhi, chorei e me esperneei, mas dessa vez nenhum guarda veio me sedar. Cessei meu choro e ergui minha cabeça, e mais uma vez eu o vi.

— Por que choras, meu doce garoto? — Ele encosta sua testa sobre a minha e aponta para a janela, que se encontrava sem grades e completamente aberta. — Venha até mim, mais uma vez.

Eu sabia que não devia, mas meu coração palpitava e pedia para que eu fosse, eu pegaria a primeira embarcação ao amanhecer e fugiria para onde isso tudo começou.