A Última Mordida

A Lua dos Amantes é Eterna


Tudo começou em uma noite de agosto, uma noite densa na qual os ventos uivavam e eram cortantes, quando a velha porta de madeira da casa de Charles bateu. O estafeta deixara um maço de cartas pela porta negrume enroladas em um barbante e logo as cartas começaram a ser pegas uma por uma.

Charles começou a passar as cartas e verificar o assunto de tais cartas que surgiram em sua porta. “Contas”, ele passava a primeira carta. “Contas” era o conteúdo da segunda carta. “Aviso de funeral de um parente que não cheguei a conhecer”. O rosto de Charles esvaecia com o passar de tais cartas. Na última, seus olhos brilharam e seu rosto corou, interiormente ele estava explodindo de êxtase e de felicidade.

Charles estava desempregado durante um bom tempo. Embora fosse um bom solicitador, aquela cidade estava tão cheia de profissionais do mesmo ramo que se assemelhava com um esgoto infestado de ratos procurando comida, matando um ao outro para garantir a própria sobrevivência.

Ele decidiu abrir a própria carta e leu silenciosamente e com um alvoroço enorme. Suas expressões começaram a dançar em seu rosto, entretanto ao fim da carta uma nuvem de incerteza e surpresa pairava sobre sua cabeça.

Charles sentiu a necessidade de conversar com sua noiva e ver o que ela achava de tal carta. Eles estavam próximos de se unirem através do matrimônio, mas havia um grande receio da parte da família de Valerie para que fosse permitido o cortejo entre os dois. Charles era um jovem humilde que havia estudado para que conseguisse um bom futuro, mas até então estava praticamente condenado a uma vida infortuna e de miséria, fazendo assim com que a Srta. Westenra tivesse o mesmo destino.

O jovem Marsh foi às pressas para a casa de sua nubente. Como sabia que não podia ser bem vindo naquela casa até que ele pudesse ser digno de oferecer uma vida promissora para a jovem herdeira dos Westenra, ele se posicionou de frente à sua janela e atirou algumas pedras no intuito de atrair a atenção da jovem.

Uma luz iluminou o quarto e uma sombra se posicionou diante da janela. Valerie decidiu atravessar a sacada e descer pela videira que havia pendurada sobre sua parede, se apoiando nos velhos tijolos cinzas que erguiam sua casa.

Ao se deparar com a imagem de Valerie Westenra, os olhos dele se iluminavam. Ela era esbelta, tinha um cabelo claro, de tons que pareciam com os raios de sol durante o amanhecer, seu rosto tinha formato em coração, seus olhos eram verdes e sua boca era rosada como camélias.

Os dois se beijaram sob o luar e suas bocas estavam se entrelaçando em um contíguo beijo, seus corpos trocavam toques e calor. Ao se separarem, ele subitamente disparou a grande notícia sobre a carta e de como estava feliz por ter conseguido uma proposta com um bom rendimento financeiro.

Ele pausou e tremeu um pouco ao falar que embora a proposta fosse boa, ele sabia que estava entrando em um negócio arriscado. Nos termos da carta, ficavam claros que ele serviria em exclusiva dedicação para seu contratador, ele estaria assinando praticamente sua carta para condução de sua escravatura.

— Charles, não quero que sofra ou se escravize para que possa garantir uma forma de entrarmos em uma união matrimonial. — Valerie suspirou e fez uma expressão triste. —Deverá haver outro jeito, e se não houver, podemos fugir. Eu e você. E nos casaremos em uma outra cidade próxima daqui.

— Meu amor, e de que sobreviveríamos se não consigo arrumar um outro emprego? — Charles segurou a mão de sua noiva.

— Não me subestime, eu sou uma boa escritora. Posso fazer algo, vender minhas poesias, livros, ou trabalhar em um escritório de impressão de jornal... Maneiras para sobrevivermos não faltará!

— Ainda assim, seria muito pouco para nos sustentar, precisamos sobreviver por um bom tempo. Preciso ir mais rápido possível. O contratador mora em uma ilha ao norte, ilha que eu nem sabia que existia. Ele me pagará uma boa quantia por dia para que eu faça a transferência de alguns documentos de suas propriedades e que eu possa fazer a transferência de sua herança.

— Então está bem — Valerie ficou cabisbaixa e ele colocou a mão em seu queixo e o levantou.

— Espere por mim. Voltarei em breve e teremos um promissor início de vida conjugal.

Ela sorriu para ele, e ele entregou a carta para ela para que ela pudesse pegar o endereço e enviar cartas enquanto ele embarcava para uma jornada em uma ilha ao norte de Portugal.

Na noite seguinte, ele arrumou suas bagagens e seguiu em direção ao navio que seguia rumo ao norte e passaria próximo à ilha. O capitão do navio se chamava Renthfield Corody, era um homem que aparentava ter uns 50 anos, alto e forte, postura ereta e uma expressão terrivelmente assombrosa, seus cabelos negros roçavam levemente à altura de seu escápula.

O mar negro e vinho estava tormentoso, uma breve tempestade se aproximava. Os ventos eram indomáveis e brincavam com o navio, jogando-o de um lado para o outro. Era necessário vários ajudantes para que fosse possível estabilizar o navio em alto mar. Os raios rasgavam o céu e a chuva era densa.

Charles ficou apreensivo, mas Renthfield era capaz de controlar seu próprio navio.

Depois de três horas, a tempestade cessou e o capitão foi até a direção de Charles e comentou:

— Deverás ter muito cuidado nessa viagem. Para onde vais, pode ser um caminho sem volta.

— Como assim? O que tem a dizer? — Charles se mostrou preocupado com as palavras do capitão.

— A ilha que pretende ir é um pouco perigosa. Existem boatos de que é assombrada e que diversos navios naufragaram naquelas águas escuras. Muitos que conseguiram desembarcar na ilha, sequer voltaram. Talvez sua viagem seja apenas de ida. — O capitão colocou sua mão no bolso e retirou um amuleto e jogou para Charles. — Para te proteger. — Então virou-se e saiu para o convés do navio.

***

Em casa, após a partida de Charles, Valerie, sentada em um banco do pátio de seu casarão, resolveu abrir a carta para verificar o endereço. Curiosa pelo símbolo e pelo papel da carta, ela decide abrir o envelope e ler a carta que estava dentro.

Caro Sr. Marsh

Venho ofertar-te um serviço que possa ser útil.

Necessito resolver alguns problemas com a nomeação e legalização de algumas propriedades pertencentes a minha família que se localizam em Lisboa e para isso necessito de um solicitador eficaz e que possa me atender de forma agradável e que esteja disponível para se locomover até meu castelo para fazer a transferência e legalização dos documentos oficiais.

Lisboa dispõe de diversos solicitadores e tenho certeza que vários são extremamente capazes de cumprir essa simples tarefa.

Ainda assim rumores, chegaram até os meus ouvidos de que o Sr. oferece um dos melhores atendimentos com os clientes, embora tenha tido poucos até então, e dispõe de um acordo sigiloso para não vazarem informações sobre o processo de transferência, além de ser extremamente hábil para agilizar alguns processos considerados difíceis.

Necessito de alguém de confiança e que possa me fornecer um serviço completo para assegurar o estado legal de minhas propriedades, porém necessito de algumas demandas especiais, dentre elas, quero que guarde em sigilo todo o processo que aqui será feito e que não possa espalhar os detalhes da transação monetária da herança de minha família, e tudo que ver, ouvir e presenciar dentro da minha propriedade será guardado e não será revelado para ninguém.

Enquanto estiver aqui obedecerá as minhas ordens, não importa quais sejam, mesmo que divirjam com as suas funções e com o serviço ofertado.

Estou disposto a oferecer uma boa quantidade de ouro por seus serviços e para que se locomova até a ilha do Corvo, ao norte de Portugal, para realizar o processo.

Caso esteja interessado na proposta, responda-me imediatamente ou venha direto para a ilha

Espero notícias

J. Karnstein

Valerie ficou um pouco preocupada, mas esperava que nada pudesse acontecer com seu querido Charles.

Seus pensamentos foram interrompidos por um solavanco e o relinchar dos cavalos de uma carruagem que passava descontrolada por ali, que seguiu diante até passar por trás de algumas árvores. Escutou-se um grande barulho após a carruagem desaparecer. Valerie correu até a origem de tais barulho para verificar o que havia acontecido.

Ao encontrar a carruagem, viu que ela tinha colidido com umas rochas grandes que se encontravam por ali. Impressionantemente, os cavalos estavam se debatendo e sangrando, mas sem aparentarem sinais de terem colidido com a rocha. Os cavaleiros estavam mortos, e jorravam sangue pelo corpo, ela tinha uma leve impressão que eles tinham quebrado o pescoço, pois pareciam um pouco tortos.

Valerie resolve abrir a carruagem e se depara com uma bela moça que se encontrava deitada e exausta.

— Ajude-me — sua voz soava fraca e desesperada.

Valerie tentou tirar a moça para fora da carruagem, e não deixou de reparar nos traços da moça. Ela tinha cabelos negros até as costelas, olhos azuis que levemente tendiam para o violeta, tinha uma pele branca e lábios vermelhos.

— Qual é o seu nome? — Valerie tenta questionar a moça que repousava sobre seus braços.

— Mersault… — ela engoliu seco — Condessa Mersault.

Valerie ficava sem reação. Não podia deixar a moça ali sozinha enquanto buscava algum tipo de ajuda. Precisava permanecer ali.

— Pode me chamar de Lucy...

— Tudo bem. Fique calma, Lucy. Vai dar tudo certo. — Valerie respirava desesperada e estava ofegante, mas tentava se conter.

— Eu acredito em você, poderia morrer em seus braços. Que o destino impeça isto, preciso conhecer o anjo que salvou minha vida.

Valerie esboçou um sorriso amarelo e tentava procurar com os olhos algum tipo de ajuda. Ambas permaneceram ali até o sol começar a iluminar as duas e Lucy começar a agonizar. Valerie tentava arrastá-la para a sombra, mantendo a esperança que alguém apareceria.