A Última Chance

Parte I - Capítulo 17 - Perigo


Capitulo 17

Perigo

Corríamos pelo corredor como se nossa vida dependesse desse ato. E, na realidade, dependia.

Carl, Daryl e eu atirávamos sem parar, e eu temia que a munição acabasse. As flechas de Daryl, mesmo com ele pegando todas de volta depois de atiradas, já não eram o suficiente, então tive de lhe emprestar End, que já tinha sido recarregada duas vezes. Virávamos corredores sem ao menos nos dar ao trabalho de saber para onde nos levavam e, para nossa sorte – ou a falta dela – acabamos no berçário. Fechamos a porta e arrastamos um grande armário para a porta e encostei-me a ele, sentindo-o sendo empurrado.

- E agora? – Carl perguntou, claramente tentando manter a calma.

Ia sugerir que quebrássemos o vidro que separava o berçário do corredor e saíssemos por ele, mas não precisávamos fazer isso; os zumbis já faziam esse trabalho por nós. Fechei os olhos tentando pensar numa ideia plausível, mas antes que conseguisse tirar algo de minha mente atordoada, um estardalhaço pôde ser ouvido do lado de fora e a maioria dos zumbis pararam de bater no vidro e foram se arrastando para o outro lado.

Aproveitando a chance, Daryl pegou uma cadeira de ferro no canto do berçário e bateu contra o vidro, fazendo-o quebrar no mesmo momento. Ele pulou para o outro lado e me ajudou a passar para que eu não precisasse usar minha mão machucada. Olhei para trás para ver se Carl precisava de ajuda, mas ele estava parado, olhando para um dos berços. Eu não havia reparado antes, mas, dos berços, saiam barulhos estranhos, parecidos com o barulho feito por uma pessoa asmática.

- Carl? – o chamei, esperando que ele desviasse sua atenção daquilo. – Carl, vamos logo, antes que os outros voltem!

Quando o garoto não veio, Daryl pulou novamente ali e puxou Carl pela blusa, fazendo-o sair dali á força.

- Vamos, está tudo bem. – segurei sua mão e o puxei pelo corredor.

Depois de alguns tiros – de Daryl com suas flechas, para não chamarmos a atenção -, conseguimos chegar ás escadas, mas muitas das coisas já estavam nos perseguindo novamente. Abri a porta apressada e empurrei Carl na frente, iluminando o lugar minimamente com uma lanterna fraca que Daryl tinha.

- Se apresse, Carl! Eu não quero virar lanche de zumbi! – praticamente gritei, ouvindo os grunhidos ecoando pelo espaço pequeno.

Admito que me senti mal por gritar com ele, mas estava muito ocupada tentando me livrar de uma numerosa quantidade de criaturas que adorariam tirar um pedacinho de mim. Me arrepiei com o pensamento e passei á frente de Carl, apalpando a parede em busca de um porta. Abri a primeira que encontrei, que dava para um corredor onde havia vários corpos jogados obscenamente pelo chão e o cheiro de putrefação fazia meu nariz arder.

Coloquei a mão sobre o nariz, sentindo uma horrível tontura. Aquela visão, somada ao cheiro, era insuportável, e eu queria sair dali o mais rápido possível. Senti uma acidez subindo pela minha garganta, e sabia que não aguentaria por muito tempo.

- Vamos sair logo daqui. – pedi com a voz engasgada.

Seguimos pelo corredor até achar outra escada. Descemos ela rapidamente – apesar de maus tropeços constantes – e acabamos por encontrar, finalmente, a saída. Que estava bloqueada pelos zumbis que entravam, provavelmente atraídos pelos tiros.

Eu não sabia se ficava indignada, com raiva, chorava pela falta de esperança que se abatia sobre mim, se me sentia culpada por levar Carl ou se ria por como minha vida estava ficando ridícula. Simplesmente optei por calar a boca e atirar nas coisas.

Depois de um tempo atirando, aquilo estava se tornando tão natural que ás vezes nem percebia que tinha atirado, e como consequência nem percebi quando minha munição acabou. Após resmungar muitos palavrões – que eu esperava que Carl não tivesse ouvido – coloquei a arma no coldre e direcionei toda a minha atenção ao trabalho de procurar algo que servisse para enfiar na cabeça daqueles zumbis.

- Pegue isso! – Daryl me chamou, jogando uma barra de ferro para mim, da qual me desviei veemente um segundo antes dela me atingir. Ele revirou os olhos, voltando a atirar.

Sem hesitar, peguei o ferro no chão e dei alguns passos á frente, para que pudesse acertar as coisas antes delas chegarem perto dos outros dois.

•••

- Me desculpe. – Carl pediu pela milionésima vez.

Pressionei o pano com um pouco mais de força no ombro, fazendo-o doer mais. Porque, é claro, eu não poderia ficar apenas com a mão provavelmente quebrada. Lógico que não. Pelo menos não sendo eu. Carl tinha que erra o tiro que, graças á minha sorte, passou de raspão por meu ombro, deixando um corte profundo em minha pele e um rasgo em minha jaqueta, que se olhasse bem parecia ter sido feito por uma minúscula pá.

- Está tudo bem. Não tem problema. – falei respirando fundo, ignorando a dor latejante em minha mão e ombro. – Passe pela interestadual, assim não vamos pelo mesmo caminho de antes e podemos despistar se algum zumbi nos seguiu. – apontei á esquerda, e Daryl virou o carro.

- Acho melhor lavar essa ferida. – ele falou, olhando pelo para-brisa. – Acho que ninguém quer que isso infeccione.

Daryl parou o carro no acostamento – como se outro carro fosse passar por ali – e abriu sua porta. Fiquei um pouco confusa, mas o segui para fora.

- Garoto, me passe àquela garrafa d’água. – ele pediu á Carl, que lhe entregou a garrafa que estava pela metade.

Daryl caminhou até mim com seus típicos passos duros e estendeu a mão.

- Me dê o pano.

Tirei relutante o pano cheio de sangue da ferida e lhe entreguei.

- Agora desça a blusa.

Eu já ia fazer o que ele pediu, mas quando realmente pensei no que ele havia pedido, olhei-o com uma expressão indignada, sentindo meu rosto tão quente que com certeza estava extremamente vermelho.

- O que? – pedi com a voz esganiçada.

- Fica tranquila, já vi coisas piores. – ele falou sério, e eu sentia minha cabeça latejar pela raiva que queimava em mim no momento.

- Imbecil! – o falei mal entredentes.

- Cala a boca e anda logo, não temos todo o tempo do mundo. – ele já estava impaciente. – Ah não ser que queira voltar lá e pegar antibióticos e anti-inflamatório para quando isso ai infeccionar, e quem sabe anestésicos, se tiver de amputar.

Arregalei os olhos e abaixei a cabeça, ponderando por alguns segundos o que fazer. Por fim, suspirei e olhei para o carro para conferir se Carl estava olhando. Relutante, abri os primeiros e únicos botões da blusa e a desci, deixando meu ombro e um lado do meu sutiã expostos. Tentei não demonstrar a minha total humilhação me concentrando na dor ardente que sentia quando a água batia na ferida, mas não acho que tenha dado muito certo.

Daryl jogou o resto da água e me entregou um pano limpo me instruindo a colocar sobre a ferida e fazer pressão em volta dela, e então voltou para o carro sem dizer nada. Fiz o mesmo e logo estávamos virando a estrada de terra que levava á casa.

- Você vai contar pros meus pais sobre o tiro? – perguntou Carl, quebrando o silêncio quando estávamos no portão.

Identifiquei-me ali, antes de responder, e quando me virei para ele para responder, fui interrompida por um barulho alto e oco, que fez meu sangue gelar.

Um tiro.

Abri a porta do carro sem nem mesmo esperar Daryl estacioná-lo direito e fui correndo para a casa, e foi quando outro tiro foi disparado. Aumentei a velocidade e entrei na casa, que estava um caos.

Lori parecia estar passando mal; sua pele estava extremamente pálida e um pouco suada, e Carol a confortava, dizendo que aquilo não faria bem para o bebê. No canto da sala, Savannah parecia tentar acalmar Gael e Kalem que tinham olhares assustados e chorosos, assim como Savannah. Do andar de cima podia-se ouvir claramente muitas vozes, que pareciam discutir.

- O que aconteceu? – perguntei com o coração batendo tão forte que me dava tontura. – Porque os tiros?

- Você devia saber. – Lori falou com a voz cortante. – Não foi você que colocou eles lá?

- Do que está falando? – pedi não entendendo nada.

- Suba e veja por si mesma.

Fiz o que Lori disse e fui para o segundo andar, mas não havia ninguém ali. Subi o segundo lance de escadas, para o terceiro andar, onde eu nunca ia por lá só ter o quarto dos meus pai e o escritório. Chegando lá, fiquei assustada com a enorme confusão armada no lugar.

- Agora explique direitinho porque não nos contou sobre isso! – Rick praticamente gritava, a arma preparada.

- O que está acontecendo aqui? – perguntei, e toda a atenção foi virada á mim.

- Ah, chegou quem faltava. – T-Dog falou com uma ironia cortante. – Não se faça de idiota.

- Tudo bem, vamos nos acalmar. – Rick falou lentamente, passando a mão pelos cabelos.

- Nos acalmar? – Maggie perguntou sarcástica. – É claro que vamos nos acalmar com dois zumbis aqui dentro.

- Dois zumbis que já foram mortos. – acrescentou Glenn, abraçando-a.

- Do que estão falando? – perguntei já impaciente.

- Estamos falando dos zumbis que estavam presos neste quarto. – falou Rick, apontando para a porta aberta do quarto. – Dos mesmos zumbis que morderam Emma.

- Do que você está falando? – perguntei, os olhos já marejados, o ar fugindo dos meus pulmões.

Andei até a porta do quarto e havia dois corpos jogados no chão e me apoiei no batente da porta para não cair. Senti braços me rodeando e pelo perfume almiscarado sabia que era Ethan. Joguei-me em seus braços me obrigando a não ver aquilo.

- Por favor, Ethan, me diz que não são eles. – consegui falar entre as lágrimas.

- Me desculpe. – ele pediu como se aquilo fosse culpa dele.

Olhei novamente e me desvencilhei de seus braços, indo até os corpos. No pescoço da garota havia um colar com a letra C rosa. Embora metade do cabelo não estivesse mais ali, podia muito bem ver que um dia foram louros e enormes.

- Charity. – me ajoelhei ao seu lado passando a mão em seu rosto de pele em decomposição. Olhei para o corpo ao lado, vendo o outro rosto conhecido. – Leonard.

Ethan me tirou do chão e me puxou pelo corredor até o primeiro andar.

- Onde está Emma? – perguntei engasgada.

- Está no quarto dela com Herschel. – respondeu Carol, com um olhar de pena.

- Eu não posso perder ela também. – falei e minha voz saiu rouca pelo choro que estava preso em minha garganta.

Levantei-me decidida e, mesmo um pouco tonta, fui para o quarto dela. Adentrei o lugar sem me importar com nada e sentei na beirada da cama. No ombro de Emma era possível ver a mancha vermelha de seu sangue pela blusa clara. Seus olhos estavam desfocados e sua pele pálida, brilhante pelo suor.

- Ah, Deus. Emma, por favor, não me deixa. – eu pedi, mesmo sabendo que provavelmente não estava me escutando. – Eu preciso de você aqui. É você que tem a mente mais sensata aqui, que nos faz ver as coisas pelo lado bom... Você é minha segunda mãe. Eu preciso de você aqui. Nós precisamos.

Agora eu chorava compulsivamente, acariciando o rosto febril de Emma. Seus olhos se fixaram em mim, ainda parecendo desfocados.

- Fico feliz de ser tão importante, apesar de achar que nunca servi para nada por ser tão medrosa. – ela falou, dando uma risada rouca. – Nunca se esqueça que eu te amo. Você é como uma filha para mim. Assim como Gael, Kalem, Ethan... Pude até me sentir parte da família por um tempo.

- Não diga isso como se fosse um adeus. Por favor. Eu não vou aguentar sem você. – minha voz se mantinha entrecortada. – Como vou fazer tudo dar certo sem você? E você não é covarde. É uma das pessoas mais corajosas que já conheci.

- Você não sabe o que diz, querida. E, sabe, nunca tive medo da morte. Ela chega para todos. Hoje sou eu, amanhã será outro. É a única coisa que nunca irá acabar. Não importa se forem zumbis, todos morrem um dia. E devemos aprender com nossas perdas.

Sem conseguir dizer mais nada, deitei sobre seu peito, ouvindo a batida acelerada de seu coração e sua respiração que fazia parecer ter água em seu pulmão. A febre só aumentava.

Perdi a noção do tempo que permaneci ali, e eu realmente não me importava, mas quando seu coração parou, me levantei, a respiração presa na garganta, e esperei pelo que pareceu uma eternidade.

A pele de Emma estava numa cor acinzentada e seu peito já não fazia o movimento que fazia pela respiração. Peguei minha arma e a preparei, apontando-a para a cabeça. E finalmente os olhos se abriram, nas mesmas íris brancas que faziam minha pele se arrepiar todas as vezes que a via. O ruído horrível e seco saia de sua garganta.

- Eu te amo, Emma. – murmurei, e atirei sem hesitar.

Encostei-me na parede ás minha costas e deslizei por ela até me encontrar com o chão. Fiquei ali, sentada, sem me mover, deixando as lágrimas escorrerem por minhas bochechas.

- Acho que ela está em choque. – ouvi uma voz, e uma luz forte e amarela iluminou meus olhos, mas não me incomodei nem mesmo em piscar.

- De novo? – outra voz perguntou, desdenhosa.

- A culpa é dela, por ter mantido aquelas coisas aqui dentro. – falou outra pessoa.

- Ethan já disse que nenhum dos dois fez isso.

- Da para pararem? Ela acabou de perder dois irmãos e Emma.

As vozes pararam e senti meu corpo deixar o chão, e eu não fiz nada para impedir. E porque faria isso? Naquele momento poderia até me jogar para os zumbis que não me importaria.

O único movimento que fiz então foi fechar os olhos, e minha esperança nunca mais abri-los.



Emma: http://www.freewords.com.br/wp-content/gallery/natalie-portman-uma-grande-atriz/natalie-portman-uma-grande-atriz-filmes-oscar2.jpg