Estava sentado debaixo de uma árvore no quintal da minha antiga casa. Julie sentava entre minhas pernas, ficava encostada no meu peito trocando mensagens com a Bia, meus pensamentos estavam longe e eu mal compreendia o que ela falava.

— Daniel! – chamou um pouco mais alto virando para me olhar.

— Hum?

— Estou falando com você, prestou atenção pelo menos?

— Desculpa Jú. - a abracei mais forte e beijei sua bochecha. - Só estou pensando.

— Em quê?

— Em você. – vi suas bochechas ficarem vermelhas.

— 10 reais pelos seus verdadeiros pensamentos...

— Oferta tentadora. - sorri. - Mas não dessa vez.

— Conta. - insistiu pegando minha mão e entrelaçando nossos dedos.

— Tem muita coisa acontecendo né? - me olhou com dúvida então decidi continuar. - Nós, a banda...

— É... Mas isso é bom. - sorriu.

— Uhuum.

— Não parece feliz. - acariciou minhas bochechas.

— Estou um pouco cansado.

— É só isso mesmo?

Beijei sua bochecha como resposta. - O que você estava falando antes?

— A Bia postou nosso videoclipe, ela quer que eu passe na casa dela mais tarde para ajudar a responder os comentários e pensar em uma nova música.

— Nova? Não vai usar a que eu escrevi?

— Podemos usar ela?

— Claro!

— Ótimo, vou falar pra ela. - voltou a mexer em seu celular.

— Ela... h-um... Já sabe?

— O que? - perguntou concentrada nas suas mensagens

— De nós... - com essas duas palavrinhas consegui toda sua atenção.

— Ainda não. - suspirou. - Tenho medo que ela não aceite.

— Você liga pra isso?

— Bom, ela é minha melhor amiga, e a única pessoa que vou poder contar sobre nós. - abaixei a cabeça. - Então eu me importo com o que ela pensa.

Julie viu que eu fiquei um pouco calado depois de seu comentário então me deu um selinho. - Por que? - perguntou apertando meu queixo.

— Se ela não "aprovasse", terminaria comigo?

— Não. - disse rápido demais. - Daniel, entenda. Eu te amo muito, e estou completamente feliz com você. É claro que ficaria melhor com a aceitação dela, afinal, é minha melhor amiga, mas se ela não aprovar vamos continuar, ela não manda em mim ou em meus sentimentos. - fiquei mais tranquilo com suas palavras. Apoiei minha cabeça em seu ombro e rocei minha bochecha na sua.

Confesso que estava com medo de Beatriz achar nosso relacionamento errado, - por mais que ela esteja certa, dói pensar nisso, e dói mais ainda pensar que talvez, isso faça Julie mudar de ideia.

— Se quiser ir à casa dela antes de anoitecer precisamos ir agora.

— Precisamos mesmo? – perguntou se acomodando melhor em meu colo com uma carinha sapeca.

— Hum, acho que não. – sorri torto e a puxei fazendo-a ficar de frente para mim. Julie encostou nossas testas e eu fechei meus olhos sentindo seu cheiro tão perto. Ficamos assim por uns minutos, cada um perdido em seus pensamentos. Até que senti minha boca sendo esmagada pelos seus lábios quentes e macio. Apertei mais seu corpo contra o meu e retribuí o beijo na mesma hora.

...

— Não precisava me acompanhar até a casa da Bia.

— Eu não ligo. Até gosto.

— Sério? Por que? – me olhou

— Porque assim eu passo mais tempo com você. – pude ver um sorriso formando em seu rosto e logo em seguida ela segurou minha mão entrelaçando nossos dedos.

— Julie... – ia protestar, mas assim que virei meu rosto vi uma sombra se escondendo entre os muros de algumas casas.

— Hum? – a puxei para mais perto abraçando-a de lado e acelerei nossos passos. – Ei, que pressa é essa? – perguntou rindo.

— H-uh. – engoli seco, não queria deixar ela preocupada. – Já está escurecendo, e eu não quero que ninguém veja você sozinha assim na rua, além do mais estamos de mãos dadas, quem vir essa cena com certeza não vai achar normal, e... o que vão pensar de você? – não era totalmente mentira.

— Eu nem me importo mais. – escondi um sorriso.

— Mas eu me importo. – faltava apenas mais uma quadra para chegar à casa de Bia, e nesse pequeno percurso não falamos mais nada.

— Está entregue. – sorri fraco.

— Não vai ficar aqui comigo?

— Não. Vou deixar vocês conversarem. Mas se quiser volto para te buscar.

— Tudo bem, não precisa, eu volto sozinha.

— Mesmo? – fiquei preocupado, não estava com um pressentimento bom.

— Sim, acho que não demoro muito.

— Hum. – acho que vou ficar por aqui. Não vale a pena voltar para a edícula e não quero atrapalhar a conversa delas. – Não vai entrar? – me dei conta que ela ainda me olhava.

— Vou... – esperei ela tocar campainha, mas Julie não o fez.

— Não vai tocar?

— ...

— Ei, está me ouvindo? – perguntei calmamente tocando seu rosto.

— Estou.

— Não vai chamar ela?

— Vou.

— Por que só diz isso?

— Porque se eu entrar ou falar tchau você vai embora. – ri fraco da sua resposta.

— Deixa disso. – a puxei pela cintura e roubei um selinho. – Daqui a pouco nós vamos nos ver de novo boba. Você vai até enjoar de mim.

— Hum. – escondeu o sorriso, mas nem se mexeu.

— 10 reais pelos seus pensamentos. – pedi encostando nossas testas.

Demorou um pouco mas respondeu. – Tenho medo de como a Bia vai agir quando souber de nós dois. – suspirou.

— Ela é sua melhor amiga, tem que entender seu lado. Mas caso não entenda, nós damos um jeito. – Dei um beijo em sua bochecha e a soltei indo em direção à campainha. Toquei.

— Espero que sim.

— Relaxa. – sorri tentando passar conforto.

— Vai pra edícula?

— Acho que não, tenho que resolver uma coisa antes.

— O que?

— Nada demais, não esquenta com isso. – vi Beatriz vindo em nossa direção. – Amo você. – fiquei invisível para as duas, mas continuei ali até ter certeza que Juliana tinha entrado.

Me virei a tempo de ver um borrão no outro lado da calçada. Levantei uma sobrancelha e segui até o parque que ficava a algumas quadras dali. Vi o balanço se mexer mesmo sem vento e poucos segundo depois uma voz ecoou atrás de mim.

— Oi Daniel. Está procurando alguém? – reconheceria aquela voz de qualquer lugar.

— Não. – respondi me virando. – E você, está procurando alguém Demétrius?

— Para ser sincero sim. – sorriu. – Estou procurando um fantasma que faz de tudo para me irritar, não segue as regras, e o melhor de tudo: tem um relacionamento com uma viva.

Dei de ombros. – Ok, quanto eu encontrar te aviso.

— Ah Daniel, não se faça de idiota, nós dois sabemos que você não é.

— Um elogio? Que lindo, admito que não esperava por essa. – sorri ironicamente.

— Estou falando sério.

— O que você veio fazer aqui? Sabe que ainda temos aquelas provas e podemos te denunciar a qualquer momento.

— Sim, eu sei disso. Mas uma coisa que eu acho que você não sabe, é que não existe apenas um fantasma trabalhando na Polícia Espectral. Você pode até conseguir me chantagear um pouco, mas isso não significa que não esteja correndo alguns riscos.

— Eu sei que você pode dar um jeito nisso.

— É aí que você se engana. – sorriu cinicamente me encarando. – Posso até tentar esconder seu segredinho, mas não por muito tempo. É um delito muito grave e você deve saber disso. Se nossa principal regra é não aparecer para os vivos, imagina o que significa manter um relacionamento com uma.

— Dê seu jeito. – cruzei os braços.

— Não seja teimoso... Hum, pensando bem... Continue assim Daniel, desobedeça a todas as regras, cave cada vez mais sua cova, assim aumenta sua pena e eu consigo me livrar de você por mais tempo.

— Vai me prender?

— Se continuar assim, eles vão. Acha que as notícias já não chegaram aos ouvidos dos outros policiais?

— Fofoqueiros. – resmunguei.

— O que disse?

— Nada.

— Sabe que está com a corda no pescoço, não sabe?

— E.... s-e e-eu t-erm-in-ar com ela...? – tentei não esboçar insegurança, mas falhei. Essa seria a última coisa que eu teria coragem de fazer no momento.

— Se eles derem importância pra isso sua pena vai ser relativamente menor. Você já quebrou milhares de regras, acha mesmo que não vai sofrer as consequências?

— Mas você pode me ajudar! – gritei. – N-nós temos provas contra você, podemos usar e.... e.... você vai sofrer também. Tem que ter um jeito! – fiquei desesperado, não poderia me afastar dela de jeito nenhum.

— Quem avisa, amigo é. Essa é minha ajuda, eu não tinha a obrigação de te avisar, mas decidi que ia ser melhor assim.

— E se eles não derem importância pra isso?

— Eu acho que seria impossível, mas caso, por algum milagre, eles não deem importância para seus atos, eu recomendaria que você ficasse quieto por um tempo. Sem contato com os vivos, seguindo as regras. - enfatizou a palavra. - Mas isso vindo de você Daniel, há, eu duvido muito.

— Esse milagre tem nome, não? – perguntei sugestivamente.

— Não. Não me coloque nessa, eu já fiz tudo o que podia, escondi ao máximo, mas parece que você não dá valor à morte.

— Você também não dava, diz que eu tenho que seguir as regras, mas você mesmo não seguia.

— Isso foi no passado, e não devemos nos prender a isso. Bom, meu aviso está dado.

— Tá. – dei de ombros.

— Se eu fosse você não ficaria tão tranquilo assim, e nem pense em me denunciar com aquelas provas. A minha parte está feita... – se aproximou mais. - Mas que isso fique entre nós, como imaginava que isso iria funcionar? Digo, seu relacionamento com a garota... Se a polícia não intervisse, iria continuar com esse namoro até quando? – o encarei, não entendi onde queria chegar. – Por favor Daniel, você não imaginou que isso fosse dar certo né? Vai apresentá-la para seus pais? Vai conhecer os dela? – abaixei a cabeça, odiava quando esfregavam isso na minha cara. – Você já levou a levou em um encontro num restaurante?

— Já chega! – falei entredentes.

— Pode demonstrar seu afeto em público sem que olhem estranho para a garota? Acha que isso seria justo para ela?

— Isso não é problema seu.

— Qual seria o próximo passo? – fingiu pensar colocando a mão no queixo. – Casar com ela? Ter filhos? – começou a rir.

— Já deu seu recado. – rosnei.

— Faça o que achar melhor, mas sinceramente, ela não merece isso. – me olhou dos pés até a cabeça com desprezo. – Nem você... Se cuida Daniel.

— Demétrius. – chamei antes de desaparecer. Esperei ele me olhar para continuar. – Até eles me procurarem... t-enho quanto tempo?

Vi um sorriso nascer em seu rosto. – Uma semana, no máximo. Boa sorte. – sumiu.

Decidi ir embora, estava decepcionado. Eu sabia que uma hora Demétrius ia me procurar, mas não esperava que fosse tão cedo. Não sei como contar isso para Julie. Droga, os meninos sempre me disseram que ia dar errado, mas eu não dei ouvidos. Fui muito precipitado e decidi seguir a emoção e não a razão.

Mas para ser sincero não me arrependo nem um pouco, por mais que esteja correndo alguns riscos, esses foram os dias mais felizes da minha morte. Pelo menos, se algo der errado eu vou poder dizer que tentei e que lutei pelo meu amor. Isso! Até o último segundo que eu puder estar ao lado de Julie vou lutar por ela, como prometi.

Faltavam menos de dois quarteirões para chegar à edícula e de longe consegui ver Julie correndo no escuro para a casa dela.

— Julie?! – gritei.

Ela não me respondeu, apenas olhou para trás e parou. Pude ver algumas lágrimas grossas manchando seu rosto. Comecei a correr o mais rápido possível para alcançá-la.

— Ei o que aconteceu? – perguntei assim que poucos metros nos distanciavam.

— Daniel! – choramingou e veio me abraçar. Retribuí com vontade ao mesmo tempo em que analisava seu corpo.

— Você se machucou? Tá tudo bem? – ela não respondeu, senti algumas lágrimas molhando meu ombro. – Me fala, só assim vou poder te ajudar. Por favor. – estava desesperado por uma resposta que não veio. Juliana apenas se afastou um pouco, focou nossos olhos e me beijou. De início não retribuí, estava preocupado demais para isso, mas assim que lembrei que esse pode ser um dos nossos últimos momentos juntos, um dos nossos últimos beijos, me entreguei ao máximo às minhas emoções. Pedi passagem com a língua logo de cara, na mesma hora ela aceitou. Era um beijo desesperado e eu não queria parar. Nunca. Só de imaginar minha “vida” sem ela eu sentia um vazio, me sentia frio, como se não pudesse sorrir nunca mais. A agarrei mais forte, ela se assustou um pouco, mas não parou com o beijo. Segurava sua cintura com força tentando colar cada vez mais nossos corpos, mas chegou uma hora que isso se tornou impossível.

Novamente veio um desespero, pensar em perdê-la me doía muito. Pela primeira vez em muito tempo tive vontade chorar de tristeza. Chorar para ver se todos os meus problemas iriam embora com minhas lágrimas. Pela primeira vez senti falta de um carinho de verdade, uma saudade de ter alguém me aconselhando e dizendo que vai ficar tudo bem. Senti meus olhos ficando marejados, mas como sempre, as lágrimas não caíram, nunca mais vão.

Percebi que Julie já estava com falta de ar então parei com o beijo quase que no mesmo instante que a abracei. Afundei meu rosto em seu pescoço e inalei seu cheiro doce e maravilhoso. Tinha certeza que nunca me esqueceria dele.

Olhei para os lados e vi que já estava bem escuro.

— Vamos pra casa amor. – sussurrei no seu ouvido.

— A-a-mor? – sorriu, mas não foi retribuída, estava triste demais para isso. Peguei sua mão e voltamos a caminhar. – Seus olhos estão vermelhos. – comentou com certo espanto depois de me analisar.

— Sim...

— Por que?

— Nada.

— Está triste?

— Não. – menti e logo em seguida sorri tentando convencê-la.

— Está sim.

— Como sabe?

— Eu te conheço... – sorri de verdade dessa vez, suas simples palavras me lembraram o porquê de amá-la tanto. Puxei ela de lado, a abracei e dei um beijo em seus cabelos.

— Promete nunca se esquecer de mim? – pedi.

— Por que tá falando isso?

— Promete? – insisti.

— Eu já prometi isso várias vezes. – sorriu. – Mas se isso irá te tranquilizar: Prometo nunca me esquecer de você. – falou me olhando.

Seguimos mais alguns metros. Já estávamos quase em frente sua casa quando ela acabou com o silêncio:

— Vai me contar?

— O que?

— Por que está triste?

— Depois falamos sobre isso.

Bufou. – É importante?

— Huh, não. – menti.

— Sabe que pode me contar tudo né?

— Sei. – sorri. – Mas não é nada que você tenha que se preocupar.

— Mesmo?

— Por que você estava chorando? – mudei de assunto.

Suspirou. – Eu e a Bia nos desentendemos.

— Você contou sobre nós?

— Sim.

— E ela?

— Não concordou... Bem, nós discutimos e eu fui embora.

— Te fiz perder sua melhor amiga duas vezes... – comentei baixo.

— Tudo bem. – sorriu e me olhou calma. – Amigos brigam, grandes amigos fazem as pazes.

— Melhor resolver isso logo. – Não quero deixar ela sozinha quando eu for.

— Como assim?

— Fala com ela sobre isso, digo, se resolvam.

— Vou dar um tempo, ela precisa aceitar.

— Não...

— Não?

— É errado Julie. – parei de andar.

— Como assim?

— Nosso relacionamento... Ele não pode continuar.