Percebi seus olhos ficarem marejados, isso partiu meu coração, mas precisava continuar.

— Está terminando comigo?

— ... - Não sabia o que responder, era difícil dizer as palavras.

— Você me ama. - falou fraco.

— N-ão, quer dizer... - me enrolei. - isso não vem ao cas--

— Eu estou afirmando. - interrompeu me encarando. Sorri fraco. - Mas você não me respondeu.

— Isso é errado Julie.

— Não! Não é! - levantou a voz.

— Shhh. - coloquei minha mão na sua boca. Vi algumas pessoas do outro lado da rua olhando para ela espantadas, cochicharam alguma coisa e continuaram andando. Me irritei. - Viu? Não quero que passe por isso.

— Eu não me importo.

— Mas eu importo.

— O que tá acontecendo com você? - tocou meu rosto.

— Podemos entrar? - pedi ao ver mais pessoas se aproximando.

— Sim, mas nós ainda vamos conversar. - bufei com sua teimosia, mas concordei, ela precisava saber.

Entramos em silêncio na sala, seu pai estava no sofá assistindo televisão.

— Oi filha, como foi na casa da Bia? - perguntou se virando para Juliana.

— Normal... Tô cansada, vou subir. Boa noite. - respondeu indo para as escadas.

— Mas já? Ainda é cedo. - falou olhando para o relógio que marcava quase oito horas.

— Sim, tenho que fazer dever ainda.

— Tudo bem, boa noite. – Seu Raul voltou a prestar atenção no jornal.

Julie segurou meu braço e me puxou escada acima até chegarmos em seu quarto. Fechou a porta enquanto eu me sentava em sua cama.

— Qual é o problema? Ainda hoje disse que me amava e que estava tudo bem... - perguntou baixo.

— A Bia está certa, é errado.

— Mas você disse que não se importava com isso. Prometeu que ia lutar por mim. - sussurrou as últimas palavras, vi uma lágrima escorrendo pelo seu rosto.

— Eu sei... Mas não quero que viva assim. Não quero que se prive das coisas por minha causa.

— Eu não estou me privando de nada, Daniel, isso é uma escolha minha. – protestou.

— Julie, quando eu estava vivo, além de fazer sucesso meu sonho era ter uma família. - me olhou solidária. - Não precisa ficar com pena de mim. - tentei sorrir, mas não consegui. - Eu acho que essa é a meta da maioria das pessoas... Casar, ter filhos, planejar o futuro deles, ter a sensação de dever cumprido assim que eles saem de casa. E eu sei que você quer isso. - suspirei. - Mas fique ciente que se continuar comigo, vai ter que abrir mão dessas coisas.

— Se eu for continuar com você nada disso vai fazer falta... Nós damos um jeito. - insistiu.

— Não vamos poder nos casar, não vou poder te dar filhos, não vou poder te ajudar a pagar as contas... Nem posso sair com você em público. - me lembrei das palavras do Demétrius.

— Daniel, para. - choramingou. - Por que está falando isso agora? - vi ela começar a chorar e a cada lágrima que caia era como se mil facas me atingissem.

— N-ão chora. Por favor. - pedi fechando os olhos, não suportaria continuar vendo sua dor.

— Então para de tentar me convencer de que você não é bom o suficiente para mim. - falou soluçando. Senti ela se aproximar e assim que abri os olhos Julie se jogou em meu colo procurando consolo de uma tristeza que eu mesmo a proporcionava. Abraçava minha nuca com força. Não queria retribuir, mas esse provavelmente era um dos nossos últimos momentos juntos.

— Não fica chateada comigo. Estou pensando no que é melhor pra você. - falei alisando suas costas.

Não adiantou muito pois ela aumentou o choro e me agarrou mais forte. Se afastou tentando me beijar.... Com muito esforço desviei.

— N-ão fa-ça i-sso co-migo. - implorou. - Nã-o posso p-erder tu-do de um-a só v-ez. - soluçava.

De início pensei que se tratava apenas de sua melhor amiga, mas depois percebi que era mais que isso. Não era sobre mim ou sobre a Bia, Nicolas estava envolvido nisso também. Fazia pouco menos de um mês que ele quebrou o coraçãozinho dela... E agora estou fazendo a mesma coisa.

Meus pensamentos foram interrompidos por fortes batidas na porta.

— Filha o que está acontecendo? - tirei Julie do meu colo e em seguida seu pai entrou no quarto. - Por que está chorando? - se aproximou dela.

Me afastei ficando no canto do quarto. Juliana não respondia, apenas chorava cada vez mais. Puxei meus cachos com força, por que fui fazer isso? Por que fiz ela chorar? Tudo isso a troco de que?

Abri os olhos e vi que agora ela apenas soluçava me encarando preocupada, seu pai estava pegando o celular e procurando o número de alguém.

Pedrinho estava escondido na porta olhando assustado para a cena.

— Pai, eu quero ficar sozinha. - falou com dificuldade.

— Me conta, o que aconteceu? Por que está chorando assim?

— É coisa de menina pai, sai, por favor.

— Tem certeza? Eu posso ligar pra sua mãe. - falou olhando pro celular.

— Não precisa, é normal.

— Filha, chorar desse jeito não é normal.

— Só me deixa sozinha pai.

Com dificuldade ele aceitou e saiu do quarto. Julie se levantou e trancou a porta. Limpava algumas lágrimas com força quando veio em minha direção e me abraçou.

— Shhh, me desculpe. Eu não queria que ficasse assim. - falei a agarrando com força e beijando seus cabelos.

— Ainda me ama? - perguntou com a voz abafada no meu peito.

— Claro que amo.

— Então não faça isso, não me abandone, por favor. - implorou fracamente.

— Eu... Eu só quero o melhor pra você.

— E o melhor pra mim é ficar com você.

Sem pensar duas vezes a beijei. Percebi que isso deixou Julie mais calma. Me abaixei um pouco levando minhas mãos que estavam em sua cintura para as suas coxas sem parar com o beijo. A levantei com cuidado e caminhei até a cama, me encostei na cabeceira e aos poucos parei com o beijo.

Fiz ela deitar em meu peito e comecei a brincar com seus cabelos, eram tão lisos e escuros... Tinham um cheiro muito bom também, tenho certeza de que nunca iria me esquecer do seu aroma.

— Eu te amo. - vi um sorriso se formar em seu rosto.

— Então prometa não me abandonar. - abaixei a cabeça.

— Não posso prometer isso.

Me encarou com os olhos marejados. - Só se promete coisas que pode cumprir, não é? - perguntou triste.

— Se algum dia eu te deixar, vai ser contra minha vontade. - prometi.

— Por que disse isso?

— Não sabemos o dia de amanhã. – não conseguiria contar o verdadeiro motivos

— Mas você vai sempre voltar pra mim. - afirmou convicta.

— É uma promessa?

— Se você quiser que seja.

— Vou me esforçar ao máximo. - beijei seus cabelos.

...

Estava no colégio de Julie, faltavam apenas alguns minutos para o sinal da entrada bater. A observava de longe, estava com uma expressão abatida, mas continuava linda como sempre. Acabou que não resolvemos nada ontem à noite, sei que uma hora vou ter que contar pra ela tudo o que aconteceu e como vai ser daqui pra frente, mas sinceramente, não sei como dizer.

Me virei para o portão novamente e vi quem estava esperando. Beatriz. Fiquei visível, ela me olhou um pouco assustada, mas logo em seguida ignorou e continuou andando. Decidi ir atrás.

— Ei, preciso falar com você. - segurei seu ombro.

— Olha se for a Julie te mandando algum recado nem precisa falar tá? Não perca seu tempo.

— Que? Não é nada disso. - olhei para os lados e vi algumas pessoas cochichando sobre uma aluna falando sozinha. - Vem cá. - segurei seu braço e a arrastei para um lugar isolado.

— Poderia ser menos bruto. - reclamou olhando seu braço que ficou levemente vermelho.

— Me desculpe, mas, é sério, preciso q-- - parei quando vi que ela me encarava com a boca aberta. - O que foi?

— Você me pediu desculpas?

— É... Acho que sim.

— Nossa, por essa eu não esperava. - riu fraco. - Bem que sua namoradinha me disse que você estava mudando.

— Tá brava com ela?

— Com vocês dois.

— Por que?

— Eu sou a última a saber das coisas, e olha que sou a melhor amiga dela.

— Ela não te contou antes por medo de você não aceitar.

— Mas sabe que é errado né?

— Claro que sei. – revirei os olhos.

— E mesmo assim estão juntos?

— É complicado...

— Me fala.

— Eu não posso... Enfim, preciso de um favor seu.

— Não.

— Não? Não o que?

— Não quero te ajudar.

— Mas você não vai me ajudar, vai ajudar a Julie.

— Ela não é mais minha amiga.

— Que bobagem, você ainda se importa com ela que eu sei.

— Tá, mas o que isso tem a ver? - cedeu.

— Preciso que volte a falar com ela.

— Ela te pediu isso?

— Não.

— Por que ela não vem pedir desculpas?

— Porque ela sabe que é questão de tempo.

— Questão de tempo pra que? Pra eu aceitar esse negócio de vocês dois? Olh--

— Não quero que aceite. - interrompi. - Ela vai precisar de você logo.

— De mim?

— É, de você...

— Não sei, ela tem me escondido muitas coisas.

— Por favor Bia, por ela.

— E por que você não vai poder ajudá-la?

— Eu... Eu não posso contar.

— Então não posso te ajudar.

— Não me obrigue a contar isso.

— Se você quer que eu te ajude vou obrigar sim. - Nossa, como ela era difícil.

Bufei. - Nosso relacionamento é errado... Isso está nos colocando em perigo, não posso arriscar.

— Vai terminar com ela? - perguntou surpresa.

— Não sei bem, espero que não. - a vi suspirar aliviada. - Tá feliz com isso? Achei que não aprovasse.

— Daniel, eu aprovar ou não é só um detalhe, a Julie sabe o que fazer com a vida dela. Eu fiquei mais revoltada por ela não me contar nada. É errado, mas você faz minha amiga muito feliz. Gostaria que ela sentisse isso por um outro garoto, talvez um vivo, ou menos grosso. - abaixei a cabeça. - Desculpe. - pediu envergonhada ao ver que falou demais. - Mas ela está muito feliz mesmo, esqueceu o Nicolas em tão pouco tempo, e isso só porque você está com ela.

— Você vai voltar a falar com a Julie?

— Volto. – cedeu. - Mas o que está acontecendo?

— Não posso te contar nada agora, mas se acontecer alguma coisa, diga que eu a amei demais. - abaixei a cabeça, odiava me declarar na frente de outras pessoas. - E diga para ela seguir em frente... Sem pensar em mim.

— Você vai embora?

— Não conte nada pra ela sobre nossa conversa, ok? Preciso ir. – desconversei.

Fiquei invisível antes que ela fizesse mais alguma pergunta.

Decidi não esperar a Julie na escola hoje, preferi ir à edícula pedir ajuda para os meninos, ou melhor, para o Félix, já que nem sempre posso contar com o Martim.

...

— Você o que? Está ficando louco Daniel? A polícia espectral está na sua cola e mesmo assim continua desobedecendo as regras, o que você tem na cabeça?

— Eu sei que é errado, mas ainda podemos tentar chantagear o Demétrius, ele também não vai sair ileso.

— É, mas mesmo assim, sabe que pode ficar anos sem ter contato com os vivos né? – Félix estava ficando desesperado, acho que não foi uma boa ideia pedir ajuda pra ele.

— Demétrius dá um jeito. – respondi dando de ombros.

— Ele mesmo te disse que não é o único que trabalha lá, não confie nisso. – bufei.

— Daniel, o melhor seria se afastar um pouco. A Julie é legal, mas não é a única garota do mundo. – Martim se manifestou colocando a mão no meu ombro. – Vamos ficar um tempo perto dos mortos, pelo menos até a poeira abaixar. Eu te ajudo a achar outra gatinha.

— Eu não preciso de outra garota. – falei entredentes

— Como quiser. – levantou as mãos se defendendo. - Mas quanto antes se afastar, menor será sua pena.

— Vocês não estão ajudando.

— O que você espera que a gente faça? Não podemos lutar contra as regras Daniel, as consequências sempre existiram e você sabia que mais cedo ou mais tarde elas cairiam sobre você. – Félix disse frio.

— Achei que estavam do meu lado. – acusei olhando os dois que tinham uma expressão séria. – Principalmente você Félix, não disse que me apoiaria?

— Apoio sua felicidade, mas você tem que ver o que é melhor para VOCÊ. Vai ser bom se afastar? Não. – explicava. – Mas ser preso, é mil vezes pior.

— Hum. – não deixei que eles continuassem e sai da edícula. Não aguentaria mais nem um segundo daquela falação que sinceramente, não me levaria a lugar nenhum.

Realmente não sei o que esperava que eles fizessem, queria que me dessem conselhos e não um sermão.

O certo seria ir embora agora antes que me procurem, mas não sei se vou conseguir ficar longe da Julie. Vou tentar aproveitar ao máximo esses últimos dias com ela, talvez isso piore tudo mas acho que o Demétrius pode dar um jeito, ainda tenho como chantageá-lo, mas, caso isso não funcione e eu acabe me afundando, tenho certeza que ele vai junto.