Outra noite que não conseguia dormir, estava encostado no sofá fitando o teto tentando organizar meus pensamentos entre o ronco do Martim. Estava começando a me sentir sufocado na edícula e decido a sair na rua espairecer.

...

Começo a observar a noite, tão engraçado, quando se está apaixonado a lua, estrelas, já não são nada. O brilho, que antes tanto me encantavam, agora nem se comparavam aos dos olhos de Julie.

Me sento na calçada e fico reparando nas lâmpadas do poste que ficam piscando, não muito tempo depois vejo uma sombra se escondendo entre os intervalos de árvores no outro lado da calçada. Deve ser só o Humberto – o fantasma que gosta de pregar peças nos outros - tentando assustar os humanos... Mas não tem nenhum por aqui. Me aproximo do local, porém não tem mais nenhum sinal de vida, ou movimento. Estranho...

— Daniel? - alguém toca meu ombro.

— Huh? Ah, oi Félix. - digo me virando.

— Não consegue dormir?

— Não, estou com um pressentimento ruim... - digo pensativo. - E você, por que não está dormindo?

— Não é fácil pegar no sono com o ronco do Martim. - reclamou.

— Achei que já estivesse acostumado.

— Não. Estamos sempre juntos, mas isso não significa que esteja acostumado com suas peculiaridades.

— É.... juntos até demais. - resmungo.

— Como?

— Acha que eu não percebi que essa semana vocês dois não deixaram eu e a Julie a sós?

— Não me culpe, isso é coisa do Martim. - se defendeu.

— Coisa do Martim? O que ele está aprontando?

— Ah, sei lá, ele tá todo estranho... Mas como vão vocês dois? - mudou de assunto.

— Como assim?

— Você e a Julie... Sabe... Estão namorando? - engasguei. Por que ele perguntaria isso? Eu não contei para nenhum dos dois que nós estamos ficando, ou melhor, não contei para ninguém...

— Não, claro que não. Por que a pergunta?

— Conta outra Daniel, não é mais segredo que você gosta dela, ainda mais agora que o Nicolas está fora do caminho, você deve ter aproveitado para se declarar.

— Mas um relacionamento entre uma viva e um fantasma não daria certo, está nas regras. - comecei a estranhar sua atitude então resolvi testá-lo.

— E você liga pra isso? Nunca seguiu as regras e agora tá preocupado. - dei de ombros. - Fala sério, vai me dizer que nunca beijou ela.

— Sim, eu nunca beijei a Julie. - menti.

— Tá bom então, vou fingir que acredito.

— Por que? Não confia em mim?

— C-onfio - gaguejou.

— Tá sabendo de alguma coisa?

— N-não. - o encarei por alguns segundos. - Talvez eu tenha visto vocês dois juntos, mas...

— Quando?

— Daniel, isso realmente não é mais segredo, até o Pedrinho perguntou sobre os dois.

— Mas nós não estamos juntos.

— Sério? - parecia surpreso.

— Sim.

— Estranho... Bom, não sou bom com conselhos, mas acho que não custa nada tentar.... Eu nunca fui de me apaixonar, ou de me apegar às pessoas, sabe por quê? O amor não é fácil Daniel, ainda mais hoje em dia, aproveita enquanto tem tempo, porque se você esperar muito, pode acabar perdendo ela por ser tarde demais.

— Vo-você tá me apoiando? – Estranhei, Félix que sempre seguiu as regras, foi o primeiro a dizer para eu me afastar da Julie estava me dando forças? O que está acontecendo?

— É.... parece que sim.

— Por que?

— Porque você passou por cima do seu orgulho e finalmente abriu seu coração pra alguém. – tentei não me ofender com o comentário - E ainda é retribuído! Aproveita... Só tenta esconder isso melhor para não chegar nos ouvidos de uma certa pessoa.

— Tem razão, não vou esperar mais. - digo confiante e indo em direção à casa.

Me aproximo da porta e vejo uma sombra pela janela. Atravesso rapidamente qualquer parede para ver quem é, mas novamente não tem nenhum rastro da pessoa.

Fico preocupado, alguém invadiu a casa da Julie? Será que ela está bem?

Subo a escada com rapidez quase tropeçando nos degraus e em meus pés, a saudade, a vontade de saber se ela estava bem, o "eu te amo" engasgado na garganta falavam mais alto que qualquer outra coisa.

Entro no seu quarto e a vejo dormindo calmamente, era possível ouvir seu suspiro profundo em intervalos curtos e isso me deixou menos aflito.

Mas ainda estava nervoso com essa "visita", no começo eu até achei que era coisa da minha mente, mas duas vezes na mesma noite é o suficiente para acreditar que alguém indesejado passou por aqui.

Mesmo vendo Julie em seu sono profundo, acho que não vou conseguir dormir sem ter certeza que ela ficará bem o resto da noite.

Me aproximo e tento empurrar ela um pouco para o lado na cama.

— Huh. - resmungou se encolhendo. Continuei ajeitando ela de um modo que coubesse nós dois ali. Quando vou tirar seu braço do espaço que estava vazio na cama ela segura minha mão. - Hum? - coçou os olhos. - Dan-iel? - disse com dificuldade. - Ac-onteceu alguma co-isa?

— Eu posso me deitar ao seu lado? - ignorei sua pergunta.

Vi ela sorrir tímida, mas não muito tempo depois ela se afastou dando espaço para eu deitar. Estávamos virados um para o outro. Como a cama era de solteiro ficamos bem próximos, na verdade, próximos até demais, percebi que ela estava sem jeito, então comecei a fazer carinho com meu polegar em sua bochecha na intenção de tranquiliza-la.

— Por que isso agora?

— O que?

— Pediu para dormir comigo...

— Se quiser eu volto para a edícula.

— Não é que... - senti sua bochecha ficar um pouco quente, e mesmo no escuro consegui ver uma cor avermelhada nascendo em seu rosto. - Eu nunca dormi com um garoto do meu lado antes. - sussurrou.

— Já disse que posso ir embora caso esteja incomodada. - sussurrei de volta meio contrariado, a verdade é que eu não queria sair dali por nada.

— Não! - disse rápido demais. - É meio estranho só.

— Estranho?

— Sim, eu... quer dizer, nós nem... se-i l-á.... est-amos... - gaguejou. - Esquece.

— Ah. - acho que entendi. - Esse é o problema? Posso resolver isso agora. - falei sorrindo torto enquanto Julie me olhava um pouco espantada.

Juntei nossas testas e segurei suas mãozinhas entre as minhas. Me lembrei do que o Félix disse:

"O amor não é fácil Daniel, ainda mais hoje em dia, aproveita enquanto tem tempo, porque se você acabar perdendo ela, pode ser tarde demais."

Rocei meu nariz no dela e senti sua respiração pesar. - Acho que esperei tempo demais para isso, um tempo que eu não tenho, nunca tive para ser sincero. A vida, ou morte, sei lá, é curta demais para ficar pensando nos atos e consequências das coisas. E só percebi isso agora, porque nos últimos dias o que eu mais fiz foi pensar em nós dois. E pensar nas consequências que isso traria no seu futuro... E cheguei à conclusão de que, se não tentarmos, como vamos ter certeza que realmente não daria certo? – vi um sorriso brotar no seu rosto, o que me deu forças para continuar. – Acho que prefiro arriscar agora do que me arrepender mais tarde. – seu sorriso aumentava a cada palavra que eu dizia. – Bem, eu demorei demais para criar coragem de te perguntar isso porque, para ser sincero, tinha medo de acabar recebendo outro não e te perder de novo para o pan.... Enfim, ainda tenho medo, mas prefiro arriscar. – beijei suas mãos com carinho. – Peço desculpas por não planejar algo mais decente que isso, mas eu estou realmente decidido a não perder mais tempo. Julie... – pausei, não estava totalmente seguro, mas precisava fazer isso. – Juliana, você me permite fazer parte da sua história.... do seu futuro? – sorri torto ao ver seus olhos brilhando. – Digo, você quer ser minha namorada?

— Quero Daniel, quero muito! – sussurrou com dificuldade alguns longos segundos depois, de início não entendi o porquê, mas assim que nossos lábios se juntaram como dois ímãs e eu passei a mão pelo seu rosto puxando-a para mais perto de mim, senti algumas lágrimas escorrerem.

— Boba, não precisa chorar. – comentei rindo depois do breve selinho. Percebi que mais algumas lágrimas caíram e aos poucos fui parando de rir. – Ei, para... – limpei algumas delas com as costas da minha mão. – Era pra você ficar feliz, poxa.

— E-eu tô-o. – sorriu fraco.

— Ach-- - ia protestar mas ela me calou com um beijo, não retribuí de imediato pois me assustei, mas assim que percebi seu gesto aproveitei para mostrar todo meu amor. Minha língua invadiu sua boca e começamos uma batalha lenta e gostosa por espaço. Senti o gosto salgado de algumas de suas lágrimas que invadiram nossas bocas, mas não me importei muito, naquele momento a única coisa que me importava era mostrar todo o sentimento que guardei ao longo desses meses. Como ainda estávamos deitados o beijo estava um pouco desajeitado, então levantei um pouco meu corpo para ter mais espaço para explorá-la, Julie agarrou minha nuca com vontade enquanto eu, cada vez mais ia para cima dela. Mordi seu lábio inferior levemente e o puxei enquanto minha garota sorria. Ela já estava totalmente por baixo de mim, enquanto eu apoiava meu peso em meus braços para não machucá-la. Terminamos o beijo com um selinho molhado, mas não nos afastamos. Juliana brincava com meu cabelo enquanto nos encarávamos como completos desconhecidos, até que ao mesmo tempo, sorrimos. Alguns raios solares passaram pela janela naquele momento iluminando seu rosto e mostrando suas covinhas perfeitas. Dei mais alguns selinhos enquanto Julie ainda sorria. Finalizei beijando sua testa e voltei a me deitar ao seu lado.

— Já está amanhecendo, mas ainda dá tempo de você dormir mais um pouco... – sussurrei próximo ao seu ouvido depois de ver o relógio.

— Prefiro ficar com você. – me olhou com uma certa dúvida.

— Prometo não sair daqui até você acordar. – ela sorriu satisfeita e se virou para o outro lado se ajeitando melhor nos meus braços.

— Eu te amo Julie. – sussurrei com os lábios roçando sua orelha.

— Eu também te amo, muito. - disse sorrindo.

A abracei por trás e juntei nossas mãos em frente sua barriga. Ela brincou de entrelaçar nossos dedos por alguns minutos até cair no sono. A apertei ainda mais contra meu corpo – como se isso fosse possível – e afundei meu rosto em seus cabelos. Respirei fundo inalando seu cheiro doce e marcante que nunca saia da minha cabeça.

Finalmente as coisas estão dando certo para mim, estava sentindo uma felicidade que não sentia a muito tempo. Não parava de sorrir, e não era um desses sorrisos bobos, era um daqueles que ia de orelha a orelha e não saia mais. Acho que nem se eu quisesse pararia de sorrir agora, era como uma tatuagem, já estava grudado em minha pele, fazia parte de mim. Tenho tudo dando certo, uma banda ótima, uma garota perfeita, e o resto da eternidade...

Me sentia mais leve, como se tivesse tirado um peso das costas, acho que “esconder” seu amor por alguém só piora as coisas. Pela primeira vez sinto que estou fazendo a coisa certa mesmo sendo errado. Sim, errado, namorar a Julie era contra as regras, e isso me causaria alguns problemas, mas por ela eu enfrentaria todos com prazer.

Isso me fez lembrar do visitante indesejado que passou aqui mais cedo, preciso resolver esse problema o mais depressa possível. Já até tenho uma ideia de quem seja, mas ele não seria tão burro de arriscar, ou seria? Acho que amanhã mesmo vou atrás dele, antes que descubram alguma coisa sobre meu novo relacionamento. Não posso colocar a Julie em perigo por minha causa...

Com esses pensamentos acabei dormindo já relaxado afinal, minha garota estava em meus braços onde tinha a absoluta certeza de que ela ficaria bem e estaria segura durante seu sono.