Tris andou pela aldeia tranquila, silenciada pela queda de neve e a tristeza pairando no ar. Will e Al estava na sua casa repousando, os dois já melhoraram, Tris se perguntou pra onde Al iria depois que melhorasse? Sua mãe não permitiria que seu amigo ficasse lá... Tris balançou a cabeça recusando-se a pensar em Al quando sua irmã está falecida, ela precisava superar isso.. Bom, ela não podia superar a morte da irmã, mas podia aprender a conviver com a dor. Foi isso que Christina fez com seu pai, não superou a dor, mas deu um jeito para aprender a conviver.

Ela já estava na praça principal quando viu que os aldeões estavam reunidos perto da fonte, observando atentamente o que Father Marcus tinha a dizer, Tris muito longe para saber o que era, se aproximou para saber o que o padre Marcus tinha a dizer – pois até onde sabia, tinha uma curiosidade fora do normal.

– Convoquei ajuda. – disse Marcus. Ele tinha uma aparência forte e determinada, mas sempre demonstrava-se um padre sensível á palavra do Senhor. – De alguém mais próximo de Deus. Father Eric.

A multidão silenciou. Father Eric. Ele era o lendário padre: Caçador de lobisomens, já havia matado bruxas por todo o reino, era corajoso e determinado, nunca desistia. Ouve boatos de que seu grupo de guerreiros viam de muitos lugares.

– O quê? Quem lhe deu a autoridade para fazer tal ato? – Amah, pai de Will, se pôs diante dele.

– Deus, a autoridade máxima.

– Você não pode traçar planos para esta vida. – George, amigo fiel de Amah, elevou a voz. – Este é um problema da aldeia, vamos resolvê-los sozinho.

– Eric nos privaria de nossa vingança. – completou Amah e os demais aldeões concordaram.

– Está disposto a perder mais homens do que já perdeu na sua primeira tentativa de vingança? Sendo que há outras pessoas dispostas a fazer isso por você?

– Esta é nossa aldeia, - disse Amah. – Nós devemos resolver nossos próprios problemas, estamos aqui agora para caçar o lobo, eles não.

– Talvez Padre Marcus esteja certo, devíamos esperar Padre Eric. – disse Will aparecendo de surpresa na praça.

Tris se assustou com o som de sua voz, achou que eles ainda estivessem descansando, mas algo na sua voz dizia que ele estava bem acordado, porém pertubado. Não deixou de pensar se Al não estava lá também, procurou pelo amigo tentando parecer sutil, mas sabia que não estava tendo muito sucesso. Logo encontrou seu olhar do outro lado da praça com os braços cruzados sobre o peito, estava com uma blusa de manga, preta, uma calça jeans que ficava colada nas suas coxas – deixando-o mais sexy -, ele sorriu e desviou o olhar percebendo que Tris o estava avaliando.

Houve algumas risadas na praça e Will se encolheu.

– Talvez meu filho, - disse Amah – Você devesse encontrar sua coragem.

Will deu um suspiro aflito.

– Tudo bem, - disse estreitando os olhos – se voe quer caçar o lobo, vamos caçá-lo.

– Vamos matar aquele maldito lobo! – gritou George tirando sua adaga de prata do cinto e empunhando no ar.

– Esperem! – gritou Marcus para as pessoas que saiam da praça em frenesi a fim de pegar suprimentos e sair em sua caçada. – Vocês devem esperar Father Eric!

E como resposta, George pegou um balde d’água e jogou na cabeça do padre dando fim á discussão.

***

Beatrice olhou para Will que estava na frente de uma cabaça perto da praça quase vazia. Eles se entreolharam, Tris pensando em sua coragem de desafiar o pai e covardia em não ter seguido sua própria ideia, desprezando sua opinião como lixo. Pondo fim naquilo, alguém o chamou quebrando seu contato visual.

A neve caia pesada trazendo o inverno pleno mais cedo que o habitual, os homens estavam apressados e barulhentos, as mulheres correndo de um lado ao outro trazendo tudo que seus maridos precisam para caçar. “Serei eu”, era o que todo homem estava pensando naquele momento, “Serei eu a pegar o lobo”. Mal viram suas mulheres e filhos, para não ter de encarar os olhares vazios e preocupados.

Dispersando-se do barulho da multidão, Tris varreu o lugar atrás de Al, logo o encontrou perto do bar, precisava dizer alguma coisa á ele, um adeus talvez? Boa sorte?

– Al! – chamou.

O mesmo veio em sua direção e a envolveu num abraço caloroso, ali, Tris podia sentir o cheiro do amigo: Pinha e algumas folhas amassadas. Al apertou mais o abraço fazendo Tris sufocar-se.

– Al, preciso de ar...

Ele a soltou e Tris deu uma grande fungada no ar, sorrindo, Al apertou seus ombros e deu-lhe um beijo. Tris não tentou recuar, o que fez o garoto continuar mais profundamente agora. Os joelhos de Tris amoleceram e ela se viu caindo, mas Al a segurou, Tris envolveu seus braços no pescoço dele, agora, ele estava segurando sua cintura, puxando-a mais pra perto.

Por fim, Al deu um selinho nela e se afastou hesitante indo em direção aos homens que iam para a floresta. Tris o observou e não aguentou ficar ali parada esperando seus cavaleiros voltarem, ela foi junto.

Ouvindo alguns passos pela floresta, Marlene sabia que os homens estavam chegando, foi para o alpendre esperar . Logo ali estavam eles, olhando para a avó como se fosse uma deusa assustadora, as chamas das tochas ondulando as feições dela, seu rosto belo, porém estava envelhecido pelos anos, por tristezas... Havia algumas lágrimas em seu rosto, mas nenhuma ruga, não era de se admirar que acusavam ela de ser uma bruxa. Ela desceu trazendo uma pequena vela de canela para iluminar seus passos.

– Amah, tome cuidado, lembre-se que perdi meu filho para esse Lobo. Não quero que seu melhor amigo vá na mesma direção, seja esperto. – ordenou.

– Claro, senhora. – respondeu curvando a cabeça em respeito.

Marlene subiu as escadas para entrar em sua casa novamente com o coração pesado, lembrando-se do olhar paternal do filho assim que soube do nascimento de Christina, balançou a cabeça livrando-se das memórias tristes. Observando o grupo se afastar, Marlene viu que o último da fila vinha em sua direção, ela sabia que não era ele, e sim ela, pois reconheceria a capa que fizera de qualquer lugar. Tris.

– Querida, minha querida... O que faz aqui? – disse abaixando o capuz da neta e fazendo lhe um carinho no rosto liso como mármore.

– Por que não devo ir com eles? - disse aflita. – Ela era minha irmã...

A avó suspirou e a tomou nos braços.

– Acalme-se querida, quer um pouco de chá?

O chá de Marlene era reconhecido por dar sono, era uma mistura de ervas que Tris desconhecia. Ela assentiu para a avó e juntas foram para a casa. Tris se animou um pouco por estar na casa da árvore selvagem da avó, ela deixou seus olhos vagarem pelo seu pequeno interior, havia uma almofada de alfinetes incrustadas com madrepérola e uma garra de abutre. Uma chaleira enorme de chá tremia no fogão.

Tris amava o estilo de vida da avó, embora ela fosse assunto do folclore local e ridicularizada pelos aldeões.

– Você precisa de seu sono. – disse Marlene dando uma xícara do chá milagroso que fazia dormir.

Tris pegou a xícara e se pôs na janela, enquanto observava a neve espessa que se formava no chão não deixou de se perguntar. Quem vai voltar? Será que algum deles vai voltar? A realidade era inevitável, mas já estava tudo certo.

Christina partira.

Ela podia sentir a ausência da beleza.

Cansada de pensar em alguém que estava além de seu sótão, além da aldeia, um não lugar, Tris deu um gole no chá da avó, sentiu seu corpo relaxando, deu outro gole, e seus olhos já estavam pesando, por fim, bebeu tudo e deitou no colo da avó antes que seu corpo perdesse os movimentos. Ela caiu num sono tranquilo.

***

Dentro da montanha, a excitação que havia na praça, cedera um lugar para um silêncio ansioso.

– Por aqui, homens. – Will ouviu George sussurrar quando chegara á bifurcação, apontando para um túnel que conduzia a um antro de escuridão. George virara-se para encarar os homens que o seguiam com Will e Al em cada lado como suporte de livros. Mesmo com a luz das tochas ali, o rosto dos homens pareciam nublados nas trevas da caverna. O ar parecia coagulado, espesso e amargo.

– Não podemos seguir por aí, não é seguro. – murmurou um dos trabalhadores. – Não dá para ver o que há além da curva.

– Vamos tomar outro caminho. – Al afirmou convicto, apontando para a outra metade do grupo.

Will olhou para o pai. Eles não queria admitir, mas sabiam que Al estava certo, um grupo de vinte homens é grande demais para ser manobrado na caverna escura. Will com inveja, desejou ter falado isso primeiro.

– Sim – disse só para acrescentar mais alguma coisa -, acho que deveríamos nos separar.

– Como você quiser. – disse George arrogante enquanto escolhia seu caminho sozinho enquanto os outros homens decidiam para que lado ir.

Al, Will e Amah, aqueles que não queriam ser liderados e sim liderar foram embaraçosamente deixados por si. Will desejava que seu pai deixasse tudo sob sua responsabilidade, mas Amah, vendo o grupo reunido, assumiu o controle. Os lenhadores tentaram manter o passo leves, mas eram grandes e rudes, por isso não conseguiram andar na ponta dos pés.

Will juntou-se a Al assustando-o.

– É possível que fique perigoso aqui embaixo. É melhor você tomar cuidado. – disse Will.

– Tome cuidado você.

– Certo. – respondeu Will assentindo.

Antes que a briga pudesse continuar, chegaram á mais uma bifurcação. Um caminho era mais ameaçador que o outro, todos escuros como breu.

– Precisamos vasculhar cada canto. – Al fez sinais para os lenhadores se separarem novamente. – Nós vamos tomar o caminho mais íngreme.

– Não. – Interrompeu Will, ansioso por discordar e evitar que Al tomasse mais uma decisão por eles. – Devemos ficar juntos agora.

– Talvez você devesse ir para casa e esperar por Father Eric. – disse Al olhando para trás e andando em direção ao trajeto que iria seguir.

Com as palavras conflitantes dos rapazes, os lenhadores trocaram olhares. Será que eles deviam confiar suas vidas a um jovem arrogante? Olharam para a silhueta de Will e Amah, indecisos, então seguiram – ainda hesitando – Al. Will pôde sentir o olhar do pai sobre ele.

Al, sorriu pra si mesmo, satisfeito por ter ganhado. O grupo que havia decidido segui-lo, estava logo atrás; a luz de sua tocha iluminando qualquer sinal de movimento. Avançando por uma passagem mais estreita, os lenhadores ficaram com medo, colocando um pé cauteloso na frente do outro, esperando o lobo saltar sobre eles, aguardando cair na escuridão da morte. Alguns momentos depois, um lenhador, assustado por uma enorme rocha saliente, deixou cair seu arco, o que fez ecoar um ruído metálico por todos os túneis. Os homens foram tomados por um medo irracional, mas felizmente, Al pensava por eles. Ande, ele pensou. Aguarde a mudança do ar, para sentir aquele momento de calma que antecede um movimento a ser feito.

O ar mudou em um instante esmagador, uma rajada forte de vento afligiu a caverna, transportando ele e seus homens para o caos do nada.

Will longe dali, viu as paredes se fechando, como num casulo de escuridão tomado pelo pânico quando o vendaval as atingiu, agitando pedaços de terra e jogando areia em seus olhos. Tudo o que ouviu foram gritos agudos e altos. Pés corriam.

Sua tocha apagou.

***

George foi o primeiro a ver a pegada do lobo, seus homens fazendo um círculo para ter a chance de ver também, quando de repende, ouviu-se um grito distante.

– Corram! – ele disse, já preparando-se para dar de cara com a fera.

Alguns dos homens obedeceu, outros correram para longe dos gritos, em direção á boca da caverna, seus gritos ecoavam por toda a distância. Dando ordens para si mesmo, foi para o lugar onde havia começado os gritos, sua respiração estava acelerada e seus passos ressoavam alto, mal podia esperar para enfiar sua adaga de prata no pescoço da fera e pendurar a cabeça em cima de sua lareira.

Então ele viu a abertura, seus homens estavam espalhados atrás dele. A neve tingida de vermelho pelo luar, rodopiava a partir de uma fenda nas rochas lá no alto. Esquadrinhando o perímetro do lugar, seu olhar pousou sobre formas torcidas e gigantescas.

Formações rochosas?

Aproximando-se para observar melhor - e ainda assim mantendo um olho atento no que acontecia na sala – viu que aquilo não era rochas.

Ossos, ossos humanos. Empilhados até uns três metros. Eram tão intensamente brancos que quase pareciam pintados. George estava ali, diante da torre, sentindo-se castigado. Olhou pra cima, onde estaria o lobo? Ele não poderia ter saído, pensou. Os olhos vazios dos crânios os encaravam, com suas bocas esticadas em um sorriso, zombando de sua situação, mas sem oferecer qualquer resposta.

Ocupado em imaginar como teria sido aquelas mortes, ouviu-se um rosnar baixo atrás de si.

Ele virou e viu-se cara a cara com uma boca cheia de dentes furiosos. Saliva acumulando nos cantos. Caninos enormes brilhantes. Sem saber como isso acontecera, George viu a própria adaga na sua mão á frente. O pelo do pescoço do animal se eriçou, e a barba nociva de sua boca horrível pingava em grande quantidade no chão da caverna. Seus olhos se encontraram. O tempo parou. Então o monstro saltou, formando um arco em direção de sua vítima.