Tris acordou de um profundo sono, quando ouviu um barulho vindo da varanda da casa da avó. Foi até a janela, mas não havia nada lá fora. Depois avançou para o quarto da avó, checar se estava tudo bem. Será que alguém tinha entrado? Viu a avó deitada de costas,Tris balançou levemente o ombro dela e a chamou com uma voz doce para não assustá-la.

– Vovó...? - A figura deitada deu um gemido e levantou-se, Tris sobressaltou com a mão no peito. – Ai meu Deus vovó... Você me assustou.

Com um suspiro de alívio, Tris viu que a avó estava rindo de sua reação. Após deixar o quarto da avó para que ela pudesse se arrumar, foi para a mesa onde havia um jarro de água e pão de trigo, pegou um pedaço do pão e um pouco da água. Colocando a capa no pescoço, foi para aporta do quarto da avó e gritou:

– Vovó! Estou indo pra casa.

– Claro querida, já comeu alguma coisa?!

– Sim!

Então saiu de sua casa para voltar á aldeia, a essa hora, os homens já devem ter voltado, será que conseguiram? Quem será que voltou? Tris não podia parar de pensar no pior.

***

– Mãe? – chamou ao entrar na sua cabana.

Natalie levantou o olhar que antes estava fixado na lareira, um olhar frio e angustiado. O coração de Tris parou, ela devia ter esperado os homens voltarem aqui , com sua mãe.

– Al está...? – ela não conseguiu dizer a palavra, no momento em que pensou, sentiu seu coração espremer contra seu peito.

– Ele está bem. – disse – Beatrice, você não pode ser amiga dele, esse garoto é perigoso.

– Como assim mamãe? Que mal ele fez? – disse, as palavras saindo estranguladas da boca, ela não podia fazer isso, não, depois de tanto tempo...

– Ele é um assassino minha querida, já perdi uma filha, não posso arriscar perder a outra. – disse com os olhos cheios de lágrimas, porém, sua voz era firme, Tris sabia que não seria fácil convencê-la do contrário.

– Sim mamãe. – disse engolindo todos os argumentos que tinha contra.

Christina sempre foi a filha obediente, bonita, inteligente, madura, mas ela não estava aqui, não mais, Tris devia este lugar pela sua mãe, pois até onde sabe, ela que elevara a fúria do lobo. Virando de costas, para subir ao sótão, sentiu uma mão pegar-lhe pelo braço.

– Você está muito bonita. – disse Natalie notando sua nova capa.

– Obrigado mamãe.

E assim, dando as costas para a mãe, andou em direção ao sótão. O lugar estava uma bagunça, havia caixas por todos os lugares, panos grandes e sujos cobrindo as pequenas janelas que ali havia, um punhado de poeira estava acumulado num dos cantinhos em que costumava ficar. Uma súbita saudade percorreu pelo corpo de Tris. Aqui costumava ser limpo, pensou. E a imagem dos cabelos castanhos e sedosos, o sorriso sincero e caloroso, o corpo que deixaria qualquer princesa com inveja passaram pela sua cabeça, Ela costumava limpar tudo. Caminhou para a pequena janela e tirou com uma força desnecessária o pano que havia ali, o ato fez com que a poeira que ali descansava, voasse. Levantando a janela para que algum ar entrasse, ela ouviu gritos, não gritos de horror, mas comemorações.

Descendo rapidamente, ela viu que sua mãe já não estava ali, então saiu como que para ir á taberna.

Os homens tendo voltado do monte Grimmoor sem antes parar em casa, exalavam um cheiro acre de terra e suor. Tris caminhou ao limite da multidão e recostou-se á parede para escutar. Alguns aldeões reparavam nela - sua capa vermelha se destacava, mas ela gostava disso – Sentia-se segura na cor vermelha, a partir de agora, sempre a usaria.

A taberna era um sítio arqueológico que na sua sujeira, continha a história da aldeia. As paredes com as iniciais dos homens que a levantaram. Uriah, um garoto que para Tris, não era doente, mas diferente das pessoas, estava ao seu lado tentando ver pelas pessoas e sendo empurrado para todos os lados. As vezes as pessoas o chamavam de louco, idiota, retardado. Tris não conseguia pensar em como ele se sentia, deve ser horrível, porém, ele nunca pareceu se importar. Ele nunca se importava com nada do que diziam, isso era o que Tris mais admirava. Trazendo-o ao seu encontro para cessar as cotoveladas que recebia, colocou-o na sua frente e começou a empurrar os adultos que antes o empurravam, depois de uns minutos, conseguiram entrar na taberna.

As almofadas sobre o banco estavam sujas, proporcionando conforto a muitos homens diferentes. Os crânios de veados, pendurados ao longo da parede mais distante, pareciam estar sorrindo na morte, como se tivessem levado um torturante segredo com eles. Ela atravessou o salão ainda segurando a mãe de Uriah, que de vez em quando, esbarrava em alguém, ou alguém esbarrava nele. Chegando numa mesa ao lado da janela, procurou os rostos conhecidos: Amah, Will, David – um lenhador robusto e inteligente – e... Al. Uma onda de alívio atravessou o corpo de Tris.

George estava sentado á cabeceira da mesa, cercado por admiradores; a cabeça do lobo estava espetada em uma lança do lado dele. Ele estava contando toda a história, as mulheres se animavam, admiradas. Vendo seu sorriso de satisfação, Tris se encheu de desprezo. As mulheres penduravam-se em seu pescoço, elogiando-o pela abnegação e por vingar a pobre moça – quando na verdade, aquilo não tinha nada a ver com isso.

O dono da taverna observava em transe, enquanto sua mulher – uma garçonete – escutava com muita atenção enquanto servia os homens.

Enquanto o George recontava seu triunfo, a aldeia parecia se alegrar, um casal dividia a bebida da mesma caneca, e dois jovens sentavam no mesmo banco maixo perto da lareira, desfrutando o calor compartilhado. Alguém estava destripando o lobo diante da taberna. As crianças observavam com uma alegria horrorizada, chocadas com a sua boa sorte;seus pais se sentia complacentes demais para lembrá-los de manter distância.

O sol subiu alto e brilhou radiante, mesmo quando flocos de neve continuavam a cair, e a morte de Christina parecia quase justificadas pela liberdade que os aldeões sentiam agora. Um movimento fora da janela chamou a atenção de Tris: Uma carruagem semelhante á de uma realeza se movimentava em direção a praça principal. Os aldeões que antes escutavam George e sua história de como matara o lobo, saiam da taberna para ver quem teria chegado.

Tris foi em direção a praça e viu dois soldados descendo da carruagem, cada um abriu uma das portas da carruagem, um homem robusto e de aparência profissional saiu da carruagem, ele tinha várias tatuagens, uma vestimenta que só pessoas de fora tinham o luxo de ter.

Então do meio da multidão, Father Marcus saiu e pegou a mão do homem.

– Seja bem vindo senhor. – disse com muito orgulho.

Então era este o lendário: Father Eric.

Um espasmo de terror passou pelo coração de Tris quando viu o segundo homem que saia da carruagem.