Tris estava correndo para o lado escuro do Bosque dos Sonhos, suas pernas estavam ardendo e seus pulmões pediam fôlego, mas tudo o que ela queria era encontrar aquela fera e dar-lhe o que merecia. As imagens do corpo de sua irmã não saia de sua cabeça, a barriga dilacerada, o rosto pálido... Beatrice balançou a cabeça eliminando as imagens que lhe atormentavam. Chegando á uma parte escura e repleta de névoa do Bosque, ela parou e caiu, ficou ali com os joelhos em terra, sua capa vermelho-sangue á sua volta fazendo um meio círculo.

Sentiu uma mão em seu ombro e virou com os olhos assustados, quem viria ali? Quem seria capaz de segui-la? , pensou. Era Will. Ele estava com um traje de batalha e havia uma espada presa no cinto do rapaz.

– O que faz aqui? – perguntou Tris.

Os olhos de Will pareciam desconcertados olhando para todos os lados, Tris podia ver o medo súbito do seu olhar.

– Estamos caçando o Lobo. – respondeu. – Quero dizer, eu e uns aldeões.

– Se sentiram mal pela morte de minha irmã?

– Se sentiram traídos, eles deram as oferendas e você também, não sabem por qual motivo o Lobo resolveu atacar uma menina cujo a família lhe deu oferenda. Ele quebrou a paz. – disse Will.

O coração de Tris apertou, ela sabia o motivo, ou achava que era. Os olhos amarelados como chamas, o pelo macio, os dentes mais afiados que adaga de prata. Um calafrio atravessou o corpo da garota. Will esticou o braço para que ela se apoiasse ali e se levantou limpando a terra da capa vermelha. O garoto dos olhos verdes estava observando sua capa com o olhar curioso, então perguntou:

– Onde arranjou essa capa? – perguntou – Sabe que é diferente do que se usa na nossa aldeia não sabe?

Tris com vontade de estrangulá-lo cerrou os punhos e respondeu tentando controlar sua voz.

– Minha avó me deu. E eu não me importo com o que os aldeões acham, muito menos você. Se está aqui para caçar o lobo, porque não está com os outros?

Ele ficou sem palavras, apenas virou-se e foi embora por onde tinha chegado, Tris o observou enojada, ele era como os outros aldeões, egoístas e preconceituosos. Caminhou mais á fundo do Bosque e decidiu subir em uma árvore-espinho, tirou a capa – para não ter perigo de rasgar – e subiu colocando o pé nos primeiros espinhos e depois no outro e assim foi até que chegasse no topo.

Era a mesma vista, incrível e libertadora, suas pernas estavam ardendo por subir naquela árvore enorme e seus pulmões clamavam por ar, esses fatores não pareceram afetar Tris, ela estava ali para matar o lobo, mas como havia caçadores a poupando de lhe fazer o trabalho sujo. Tris queria apenas pensar naquela paisagem natural e graciosa. Concentrou-se no barulho do vento em seus ouvidos, levando seus cabelos loiros para longe do rosto , se concentrou nos pássaros que voavam para uma das árvores, na corrente do Rio Negro levando tudo que vê pela frente com a mais bruta força. Um raio de sol pousou em sua face, ela ficara ali, absorvendo cada nutriente que a grande bola amarela que comandava os céus pela manhã lhe oferecia, respirou fundo antes de ouvir um grito estridente, num súbito levantou-se com o corpo a cair, antes que tal coisa acontecesse, Tris segurou-se num dos espinhos que a árvore possuía cortando a palma da mão. Seu corpo estava tremendo, será que encontraram o lobo?, pensou em tal possibilidade.

Ouviu-se mais um grito, dessa vez de uma voz reconhecida, Will, ela não podia deixar que nada acontecesse com ele por bem de sua irmã, desceu da árvore o mais rápido que pôde, faltando apenas 2 metros do chão, Tris pulou, sua capa não estava lá.

– Mas o quê... – antes que pudesse completar a frase, um homem apareceu detrás das árvores, ele tinha um cabelo meio castanho e um rosto pálido familiar, seus olhos eram verde musgo e usava veste preta, ele segurava algo em sua mão, minha capa.., pensou. Tris olhou nos olhos daquele menino e lembrou de correr no Bosque com seu amigo ao lado, uma névoa passou por sua cabeça e agora ela se via numa situação delicada, ela estava presa numa armadilha, gritou por seu amigo e ele logo veio para acudi-la, naquela hora, Tris viu os olhos preocupados e os movimentos apressados tentando desamarrar o nó que havia em sua perna.

Balançou a cabeça e olhando para aqueles olhos ela viu, era ele, era Al em sua frente, com sua capa, olhando em seus olhos, estava tão assustado quanto ela. Tris com os olhos cheio de lágrimas não teve tempo de um encontro cortês, ouviu outro grito, dessa vez chamando por ela. Will...

– Venha comigo Al! É bom revê-lo. – e com um sorriso, avançou para onde Will estava, ouviu passos atrás de si e soube, ele estava mesmo ali, não era sonho.

Entrando numa clareira, viu Will e mais dois homens lutando contra o lobo, havia vários caídos. Al passou por Tris afastando-a e se colocou na sua frente em forma de defesa, sua capa agora estava no chão, ela logo pegou e amarrou em volta do pescoço. O lobo estava prestes a atacar quando Al enfiou sua adaga no braço da fera, a mesma rugiu e olhou com os olhos em chamas para seu amigo. Tris se colocou em sua frente e fechou os olhos esperando a morte lhe chegar, mas nada, abriu de novo, Al estava caído com o rosto sangrando, e o lobo ameaçava Will com o olhar, e agora? A garota pegou a adaga do amigo e enfiou nas costas do lobo, ele rugiu e virou-se com os dentes expostos, seu coração estava acelerado, seu sangue fervia, mas não é agora que ela ia ficar com pena de matar um animal, não nessa situação.

Os homens que restavam agora sangravam pela boca sem conseguir respirar, os olhos de Beatrice clamavam por ajuda, o lobo correu em sua direção, Tris empunhou a faca e olhou nos olhos da fera, em sua mente pediu para que parasse, que tivesse piedade, ele matara seu pai, e agora sua irmã.. O lobo levantou seu corpo e silenciosamente Tris caiu de joelhos com sua capa fazendo um meio-círculo, empunhou a adaga que feriu a pata da fera, a mesma rugiu e correu pela floresta.

Tris viu o que fez e correu para Al, sua boca parara de sangrar, mas o coitado estava sem fôlego, Tris pegou a capa e pressionou sobre a barriga do amigo, o mesmo abriu os olhos e sorriu, os dentes manchados de sangue assustando Tris que agora queria vomitar, mas manteve a força. Deixando seu amigo com sua capa ainda pressionada sobre a barriga, cambaleou na direção de Will que estava caído e suado, seu ombro sangrava com a mordida que o lobo havia lhe dado. Olhou para os homens caídos e inertes, pegou um lenço do bolso de um cavalheiro e pressionou na ferida de Will.

***

Chegando á aldeia, carregou os meninos em seus ombros e os Levou para a casa de sua mãe, que era o tipo de mulher que cuidava de todas as feridas daquela aldeia. Chegando em sua casa, não saía de perto do amigo, sua mãe hesitou em fazer o curativo de Al, mas Tris a implorou tanto que ela cedeu.

Certa vez, quando pequenos, Tris e Al estavam correndo pela floresta, tão rápido, que nenhuma garota daquela aldeia seria capaz de acompanhá-la, os dois correram até a praça central da aldeia e deitaram no chão gelado pela neve, o sangue de Tris fervia, a adrenalina lhe dominara, fechou os olhos e abriu ao escutar uma multidão gritando para um homem que identificara como pai de Al, eles gritavam com suas tochas acesas na mão “Ladrão”, “Assassino!”. O pai do garoto veio ás pressas e chamou Al:“Vamos filho, temos de sair daqui agora”, depois daí, Tris nunca mais o viu.

Will estava bem, agora estava dormindo, Tris pensou no seu grito de terror na clareira, seu rosto aterrorizado ofegante, seus olhos com as pupilas tão dilatadas que quase ficaram pretos. Depois pensou em Al, em como corajosamente colocou-se na frente dela para protegê-la do lobo, nos seus olhos ferozes familiares, era assim quando caçavam juntos.

A mão de Al moveu-se, Tris a segurou fortemente contra o peito, os olhos dele se abriram, tentou levantar-se mas a garota o deteve.

– Ei... Você precisa descansar, lutou muito hoje. - disse com o som da voz suave e doce como mel.

– Eu estou muito bem. – respondeu Al com a voz firme e insistente.

Tris riu ao se lembrar de que era com suas teimosias que ele a fazia rir, Al sempre se machucava nas caçadas, mas nunca mostrava-se cansado ou gravemente ferido – mesmo se esta fosse a questão, ele tentava sorrir -.

– Tudo bem. – cedeu Tris. – Hoje não tivemos o encontro que eu sonhava ter quando finalmente te encontrasse.

– Estava lá para me procurar Beatrice Prior?

Tris sentiu seu corpo estremecer e irradiar uma faísca de fogo em suas veias.

– Na verdade, estava lá para encontrar o lobo, você estava ali para roubar minha capa?

– Sim, eu iria vender. – disse num tom de deboche.

Tris riu, o sorriso que só ele conseguia tirar dela.

– Por que voltou? – Tris perguntou. – Porque foi embora? – Ela estava desesperada pelas respostas, há anos ela vinha se fazendo essa pergunta, e agora que ele estava ali, ele poderia responder.

Seu rosto ficara sério outra vez.

– Voltei porque queria te ver. – fez uma pausa. – Fui porque... Fui acusado de assassinato.

Seus olhos estavam ferozes outra vez, Tris quase podia ouvir os pensamentos do amigo: Por favor, não me faça falar sobre isso.

Antes que ela pudesse responder, Will mexeu-se na cama, Tris foi até lá e colocou um pano quente em sua testa.

– Seu noivo? – perguntou Al com um tom frio.

– Não. – disse Tris assustada, não sabia que era essa a imagem que se passava na mente das pessoas quando estava na companhia de Will. – Um amigo de minha irmã. – morta, ela quis dizer, mas se conteve.

– Ah, e onde está sua irmã? – perguntou o rapaz.

Will agora estava dormindo novamente, Tris voltou para perto do amigo e sentou-se ao seu lado, engolindo seu choro ela respondeu tentando manter a voz mais firme que pôde:

– Ela... Ela morreu – engolindo em seco continuou – Pelo lobo.

A névoa de confusão que havia no rosto de Al sumira, nela havia a luz da compreensão, ele entendeu o porquê da sua garota estar na floresta escura sozinha, estava atrás do lobo que matara sua irmã. Entendeu porquê ela protegera o rapaz nomeado Will, porque era amigo de sua irmã e devia isso á ela.

E num silêncio confortável, Tris colocou sua cabeça no peito do amigo e cantou a velha canção que somente os dois conheciam:

No Bosque encantado, uma linda Fera está

Atrás da árvore-espinho, uma menina está a chorar

A Fera encontra a menina, e a mesma olha em seus olhos

E ali, um amor vai brotar...

– O que acontece depois? – pergunta Al para Tris com uma voz doce e leve, como uma criança pergunta para a mãe qual o final da história antes de pegar num sono gradativamente e de repente.

– Eles se apaixonam. – responde alisando o cabelo sedoso de Al.

O sono invade Al, e ele descansa ali, com as mãos no colo da menina que um dia já o fez sonhar, no colo da menina que um dia já lhe mostrara que o amor não precisa ser como dois amantes que só saem em encontros românticos, ela mostrou para o rapaz que o amor pode vir de dois amigos que correm desesperadamente pela floresta com as pernas ardendo, mas com o espírito solto em busca da mesma coisa que ambos queriam há tempos. Liberdade. E assim, suas pálpebras se fecham e a última coisa que ele vê, é o sorriso tímido que ela faz sempre que canta para alguém, ou seja, para ele, uma bela última vista antes de dormir.