A menina dos Milagres

O Desafio e a Aceitação


Acordei com os primeiros raios de sol se infiltrando pelas frestas da janela. A luz suave banhava o quarto, dando um brilho dourado a tudo. Levantei-me lentamente, ainda sentindo o peso dos pensamentos da noite anterior.

Peguei as muletas e me dirigi à cozinha, onde o aroma do café recém-preparado enchia o ar. Minha mãe, Lara, estava na bancada, terminando de preparar o café da manhã. Ela sempre acordava cedo, uma característica que eu nunca herdei.

— Bom dia, Ana - ela disse, me dando um sorriso caloroso. - Dormiu bem?

— Mais ou menos - respondi, me sentando à mesa. - Muita coisa para pensar.

Ela assentiu, compreendendo. Minha mãe sempre teve essa habilidade de entender o que eu estava passando, mesmo quando eu não dizia nada.

Foi então que meu pai, Pedro, entrou na cozinha. Ele já estava vestido para o trabalho, com o uniforme da nossa loja de eletrônicos. Ele pegou uma xícara de café e me deu um aceno de cabeça.

— Bom dia, Ana - ele disse, sua voz grave preenchendo a sala. - Pronta para mais um dia?

Eu sorri, apesar de tudo. Porque, no final das contas, eu sabia que tinha o apoio da minha família. E isso, eu percebi, era tudo que eu realmente precisava.

Ao me levantar da mesa, senti uma energia pulsante em minhas mãos. Era uma sensação familiar, um sinal de que meu dom estava ativo. Olhei para as minhas mãos, observando a forma como a energia parecia dançar em minha pele. Era uma responsabilidade que eu carregava desde que me lembrava. Mas, ultimamente, a pressão estava aumentando. Com o avanço da adolescência, minhas emoções tornavam-se mais intensas, e meu poder refletia diretamente essas mudanças.

Eu podia sentir a energia fluindo através de mim, como uma corrente elétrica. Era poderoso, sim, mas também era assustador. Eu tinha medo do que poderia acontecer se eu perdesse o controle. Mas eu sabia que não podia me dar ao luxo de ter medo. Eu tinha um dom, uma habilidade que poucas pessoas possuíam. E com esse dom vinha uma responsabilidade.

Eu precisava aprender a controlar meu poder, a usá-lo para o bem. Eu precisava entender o que estava acontecendo comigo, para que pudesse ajudar os outros. E assim, com um suspiro determinado, eu me levantei e fui para o meu quarto. Eu tinha um longo dia pela frente, e muitas coisas para descobrir.

Peguei a minha mochila e dei um beijo na minha mãe.

— Até mais tarde, mãe - disse eu, saindo de casa com as minhas muletas. Lá fora, Ava, a mãe de Lucas, já me esperava no carro. Lucas era um bom amigo e sempre me dava carona para a escola.

Durante o caminho, tentei me concentrar na paisagem passando pela janela, mas meus pensamentos continuavam voltando para o meu dom. A energia ainda pulsava em minhas mãos, um lembrete constante da responsabilidade que eu carregava. Chegando à escola, notei os olhares curiosos e os sussurros ao meu redor. Alguns alunos me viam como uma espécie de curandeira mágica, enquanto outros me encaravam com desconfiança, como se meu dom fosse algo a ser temido.

— Ana, você está bem? - Lucas perguntou, notando a minha expressão preocupada.

— Estou sim, Lucas. Só estou pensando em algumas coisas - respondi, tentando dar um sorriso tranquilizador.

Tentei ignorar os comentários e os olhares, mas às vezes era difícil. Eu sabia que era diferente, que o meu dom me separava dos outros de uma maneira que eu nunca poderia mudar. Mas eu também sabia que tinha que aceitar quem eu era, dom e tudo. E assim, com a mochila nas costas e as muletas debaixo do braço, eu entrei na escola, pronta para enfrentar mais um dia.

Ao chegar no pátio, me sentei num canto, aproveitando a tranquilidade antes do início das aulas. O sinal soou, ecoando pelo pátio, e peguei minha mochila e minhas muletas, me dirigindo à minha sala de aula. Na primeira aula, a professora anunciou um projeto em grupo. Meus olhos se iluminaram com a oportunidade. Eu sempre fui disposta a ajudar, e vi ali a chance de usar minhas habilidades de cura de uma maneira diferente.

Decidi me juntar a um grupo de colegas para trabalhar em um projeto sobre plantas medicinais. Era um tema que realmente interessava a todos nós. As plantas medicinais têm sido usadas há séculos para curar e tratar diversas doenças, e eu estava animada para explorar esse tópico mais a fundo. Eu sabia que meu dom poderia trazer uma perspectiva única para o projeto. E, quem sabe, talvez eu pudesse aprender algo novo sobre minhas próprias habilidades no processo.

No entanto, durante uma de nossas pesquisas de campo, as coisas começaram a ficar complicadas. Carla, uma das integrantes do nosso grupo, tropeçou em uma pedra e torceu o tornozelo. Ela caiu no chão com um grito de dor, e os outros alunos ficaram chocados.

— Carla, você está bem? - perguntou Lucas, correndo até ela.

— Eu acho que torci o tornozelo - disse Carla, com lágrimas nos olhos.

— Deixe-me ver - disse eu, me agachando ao lado dela. Toquei delicadamente em seu tornozelo machucado, sentindo a energia pulsante em minhas mãos.

Fechei os olhos e respirei fundo, canalizando minha energia de cura. Eu podia sentir a dor de Carla, a sensação aguda e pulsante em seu tornozelo. Mas, à medida que minha energia fluía para ela, a dor começou a diminuir.

Em questão de minutos, Carla estava se levantando. Ela testou o tornozelo, movendo-o para frente e para trás.

— Eu... eu não sinto mais dor - disse ela, olhando para mim com surpresa.

Os outros alunos olharam para mim com admiração. Eu apenas sorri, aliviada por ter conseguido ajudar. Mas, no fundo, eu sabia que esse era apenas o começo. Meu dom estava se tornando mais forte, e eu precisava estar pronta para o que viesse a seguir.

A notícia da cura de Carla se espalhou rapidamente pela escola. De repente, eu me vi cercada por colegas que eu mal conhecia, todos com problemas de saúde, todos esperando que eu pudesse ajudá-los. Cada cura bem-sucedida aumentava a pressão sobre mim. Eu podia sentir o peso das expectativas, a responsabilidade que vinha com o meu dom. E, ao mesmo tempo, eu não podia deixar de me perguntar: quem realmente estava ali por mim, e quem estava apenas interessado no meu dom?

— Ana, você pode me ajudar? Eu tenho essa dor de cabeça terrível - um colega diria.

— Ana, você acha que pode curar minha torção no pulso? - outro perguntaria. E assim, minuto após minuto, a pressão continuava a aumentar. Eu sabia que tinha que estabelecer limites, que não podia deixar que meu dom me definisse. Mas era difícil. Eu queria ajudar, queria fazer a diferença. Mas ao mesmo tempo, eu queria ser apenas Ana, a adolescente comum, não Ana, a curandeira.

E assim, enquanto a escola se agitava ao meu redor, eu me encontrava em uma encruzilhada. Eu tinha um dom, uma habilidade que poucos possuíam. Mas eu também era apenas uma adolescente, tentando encontrar seu lugar no mundo.

Durante o intervalo, me isolei em um canto do pátio. Eu precisava de um momento para respirar, para processar tudo o que estava acontecendo. Foi então que Bia, uma colega de classe, se aproximou de mim com um sorriso gentil.

— Oi, Ana - disse Bia, seu sorriso iluminando seu rosto.

— Eu não preciso de sua cura, não quero explorá-la, só queria conversar. Sei que deve ser difícil para você lidar com tudo isso.

Eu sorri de volta, agradecida por encontrar alguém que me entendesse.

— Obrigada, Bia - respondi - Significa muito para mim.

Juntas, nos sentamos no canto do pátio, conversando sobre a pressão que eu estava enfrentando por ter um dom tão especial. Bia compartilhou suas próprias lutas, contando-me sobre sua batalha contra a leucemia. Foi um momento de conexão genuína, um momento em que eu percebi que não estava sozinha.

E, enquanto o intervalo chegava ao fim, eu sabia que tinha encontrado uma verdadeira amiga em Bia. Alguém que me entendia, que me aceitava como eu era. E isso, percebi, era mais valioso do que qualquer dom.

O intervalo estava em pleno andamento quando um tumulto começou perto do campo de futebol. Um grupo de alunos estava aglomerado ao redor de um garoto, Max, que estava deitado no chão, segurando o braço com uma expressão de dor. Eu corri em direção ao tumulto, preocupada com o que poderia ter acontecido.

— O que houve? - perguntei, tentando abrir caminho pela multidão.

Uma garota explicou rapidamente

— Max caiu enquanto jogava futebol e machucou o braço. Parece sério!

Ajoelhei-me ao lado de Max e examinei o braço ferido. Havia um inchaço visível, e Max gemia de dor. No entanto, quando tentei canalizar minha energia de cura, algo estranho aconteceu. Meu dom não parecia funcionar da maneira usual. A perplexidade tomou conta de mim. Nunca antes meu poder de cura havia falhado, e aquela situação me deixou confusa e frustrada. Tentei novamente, concentrando-me ao máximo, mas o resultado permaneceu o mesmo: nenhum sinal de cura.

Os murmúrios começaram a se espalhar pelo grupo de alunos, e a preocupação aumentou. Senti a pressão sobre mim enquanto tentava entender o que estava acontecendo. O que poderia estar bloqueando meu dom de cura? Decidida a não desistir, pedi que Max fosse levado à enfermaria. Enquanto caminhávamos, continuei tentando entender a razão por trás da falha de meu dom. Na enfermaria, a enfermeira examinou o braço de Max e sugeriu que ele fosse levado ao hospital para uma radiografia.

Embora abalada pela situação, permaneci ao lado de Max. O garoto, apesar da dor, notou a angústia nos meus olhos e tentou me acalmar.

— Não se preocupe, Ana. Às vezes, as coisas simplesmente não funcionam como esperamos. Vai ficar tudo bem.

Aquelas palavras trouxeram algum conforto para mim. Aprendi que, mesmo com meu dom de cura, existiam desafios que não podiam ser superados instantaneamente. Enquanto esperávamos pelos resultados da radiografia, refleti sobre a importância da paciência e da aceitação, lições valiosas que a vida continuava a ensinar-me, mesmo com meus extraordinários dons de cura.

Depois de deixar a enfermaria, me sentei em um banco no pátio da escola, pensativa. Eu precisava de orientação, de alguém que pudesse me ajudar a entender o que estava acontecendo. Decidi ligar para o Reverendo John, uma figura de confiança que sempre me ofereceu orientação nos momentos mais desafiadores. Peguei meu celular e disquei seu número, esperando que suas palavras sábias trouxessem alguma clareza para minha mente tumultuada. Peguei meu celular e disquei o número que conhecia tão bem. O telefone tocou algumas vezes antes de ser atendido.

— Alô, Ana - disse a voz familiar do outro lado da linha. - Como posso ajudar?

Respirei fundo, reunindo coragem para dizer as palavras. - Meu dom falhou, Reverendo John - confessei, minha voz tremendo ligeiramente.

— Eu tentei curar um colega de classe hoje, mas... não funcionou.

Houve um silêncio do outro lado da linha, e eu podia imaginar a expressão de surpresa no rosto do Reverendo John. - Isso é... inesperado - ele disse finalmente.

— Mas não se preocupe, Ana. Vamos descobrir o que está acontecendo. Você não está sozinha nisso.

A conversa com o Reverendo John me deu algum conforto, mas também me deixou com mais perguntas. Por que meu dom havia falhado? O que eu estava fazendo de errado? E, mais importante, como eu poderia consertar isso?

Depois do episódio desconcertante no intervalo, voltei para casa com a mente cheia de dúvidas. Pela primeira vez, meu dom de cura havia falhado. Eu me sentia perdida, desorientada. Meu dom, que sempre fora uma fonte de conforto e confiança, agora parecia incerto e imprevisível. Passei a tarde mergulhada em pensamentos, questionando a natureza do meu poder. Será que ele era realmente tão confiável quanto eu acreditava? Ou havia algo mais, algo que eu ainda não entendia?

Eu me perguntava se havia algo errado comigo. Será que eu havia feito algo para causar essa falha? Ou será que havia algo mais profundo acontecendo, algo relacionado ao meu dom que eu ainda não compreendia?

Decidi que era hora de visitar o Reverendo John. Ele sempre tinha uma maneira de trazer clareza quando eu me sentia confusa.

— Mãe, você pode me levar para ver o Reverendo John? - perguntei, tentando manter a voz firme.

Minha mãe olhou para mim, seus olhos cheios de preocupação.

— Claro, Ana - ela respondeu prontamente. - Vamos agora.

No carro, o silêncio era quase palpável. Minha mãe lançava olhares preocupados para mim de vez em quando, percebendo minha expressão de tristeza e meu rosto abatido.

— Ana - ela começou, sua voz suave.

— Eu sei que você está passando por um momento difícil. Mas lembre-se, você não está sozinha. Estamos todos aqui para te apoiar, não importa o que aconteça.

Respirei fundo, reunindo coragem para falar.

— Mãe - comecei, minha voz tremendo ligeiramente. - Eu... eu estou triste.

Ela olhou para mim, surpresa.

— O que houve, Ana? - ela perguntou, sua voz cheia de preocupação.

Contei a ela sobre o incidente na escola, sobre como meu dom de cura havia falhado. Falei sobre a pressão que estava sentindo, sobre como era difícil distinguir quem realmente se importava comigo e quem estava apenas interessado no meu dom. Minha mãe ficou em silêncio por um momento, absorvendo o que eu acabara de revelar. Então, ela estendeu a mão e apertou a minha.

— Ana, eu sinto muito que você esteja passando por isso. Mas lembre-se, você não está sozinha. Estamos aqui para te apoiar, não importa o que aconteça.

Após alguns quilômetros, chegamos à igreja do Reverendo John, que já nos aguardava. Minha mãe me ajudou a caminhar com as muletas até ele.

— Obrigada por me receber, Reverendo John - disse eu, nervosa.


— Não há de quê, Ana. Estou aqui para te ajudar - disse ele, calmamente.


— Eu... eu preciso falar com o senhor sobre o meu dom de cura - continuei, hesitante.
— Claro, Ana. Pode falar - disse ele, atento.

Contei a ele sobre o que aconteceu na escola, sobre como eu não consegui curar o menino que havia caído. Falei sobre como eu me sentia confusa e insegura sobre o meu dom.

— Entendo, Ana. Deve ter sido muito difícil para você - disse ele, compreensivo.
— Foi sim, Reverendo. Eu não entendo o que aconteceu. Por que o meu dom falhou? - perguntei, angustiada.


— Às vezes, Ana, nossos dons e habilidades podem nos surpreender. Não somos infalíveis, e talvez esse seja um lembrete de que devemos permanecer humildes diante dos desafios da vida. Acredito que há uma razão para tudo, mesmo quando não conseguimos compreender imediatamente - disse ele, sábio.

Suas palavras me fizeram pensar. Talvez houvesse mais a aprender com a experiência do que inicialmente percebi.

— O que o senhor quer dizer com isso? - perguntei, curiosa.


— Quero dizer que talvez esse seja um momento de crescimento para você, Ana. Talvez você precise aceitar as limitações do seu dom e explorar outras maneiras de ajudar as pessoas - disse ele, encorajador.


— Outras maneiras? Como assim? - perguntei, confusa.
— Bem, Ana, seu dom é uma dádiva, mas você também é uma pessoa incrível além disso. Você tem muitas qualidades que podem fazer a diferença na vida das pessoas. Você é bondosa, inteligente, criativa, generosa... Você pode usar essas qualidades para espalhar amor e compaixão pelo mundo - disse ele, admirado.

Eu me senti lisonjeada com seus elogios. Eu nunca havia pensado em mim mesma dessa forma.

— O senhor acha mesmo isso? - perguntei, surpresa.
— Claro que sim, Ana. Você é uma pessoa especial, e eu tenho certeza de que você tem um propósito maior nessa vida - disse ele, confiante.


— Obrigada, Reverendo. Suas palavras me fazem bem - disse eu, emocionada.
— Não há de quê, Ana. Estou aqui para te apoiar - disse ele, gentil.

Ao encerrar a conversa, senti um peso sendo aliviado dos meus ombros. O Reverendo John tinha uma habilidade especial para trazer clareza às situações complexas. Eu estava pronta para aceitar o desafio, explorar novas perspectivas e, acima de tudo, manter viva minha fé no poder de fazer a diferença.

— Obrigada por tudo, Reverendo John - disse eu, grata.


— Não há de quê, Ana. Que Deus te abençoe e te proteja - disse ele, abençoando-me.
— Amém - disse eu.

Minha mãe me acompanhou até o carro, sorrindo orgulhosamente para mim.

— Você foi muito corajosa, Ana - disse ela. - Eu estou muito orgulhosa de você.

— Obrigada, mãe. Eu te amo - disse eu.
— Eu também te amo, filha - disse ela.

Nós nos abraçamos e entramos no carro. No caminho de volta para casa, eu sentia uma nova energia em meu peito. Eu sabia que ainda tinha muito a aprender sobre meu dom e sobre mim mesma, mas eu também sabia que não estava sozinha nessa jornada.

Eu tinha o apoio da minha família, dos meus amigos e do Reverendo John. E, acima de tudo, eu tinha a fé no poder superior que me concedeu esse dom.

Eu não sabia o que o futuro me reservava, mas eu estava pronta para enfrentá-lo com coragem e gratidão.

— Mãe, você pode me levar até o lago? - perguntei, olhando pela janela do carro.

— Claro, filha. Por quê? - perguntou ela, curiosa.

— Eu só quero ver o pôr do sol. Acho que vai ser bonito hoje - disse eu, sorrindo.

— Tudo bem, então. Vamos lá - disse ela, concordando.

Ela mudou a rota e dirigiu até o lago, que ficava a alguns quilômetros da nossa casa. Era um lugar tranquilo e bonito, onde eu costumava ir com meu pai quando era pequena. Ele me ensinou a pescar, a remar e a apreciar a natureza.

Chegamos ao lago e estacionamos o carro. Minha mãe me ajudou a sair e a caminhar com as muletas até a margem. O sol estava se pondo no horizonte, tingindo o céu de laranja e rosa. O lago refletia as cores como um espelho, criando um cenário deslumbrante.

— Que lindo, mãe - disse eu, admirada.

— É mesmo, filha. Você tem bom gosto - disse ela, brincando.

— Obrigada - disse eu, rindo.

Nós nos sentamos em um banco de madeira e ficamos observando o espetáculo da natureza. Eu sentia uma paz e uma harmonia que há muito tempo não sentia. Era como se o lago me transmitisse uma mensagem de esperança e de renovação.

— Sabe, mãe, eu aprendi muito hoje - disse eu, pensativa.

— É mesmo? O que você aprendeu? - perguntou ela, interessada.

— Eu aprendi que meu dom não é tudo na minha vida. Que eu posso fazer outras coisas para ajudar as pessoas. Que eu tenho qualidades que vão além do meu dom - disse eu, confiante.

— Isso é muito bom, filha. Eu fico feliz que você tenha percebido isso - disse ela, orgulhosa.

— Eu também aprendi que eu não devo perder a fé no meu dom. Que ele é uma dádiva, mas também um desafio. Que ele tem um propósito maior do que eu imagino - disse eu, inspirada.

— Isso é muito sábio, filha. Eu fico feliz que você tenha mantido a fé no seu dom - disse ela, emocionada.

Nós nos abraçamos e ficamos em silêncio por alguns minutos, apenas contemplando o pôr do sol. Eu sentia o amor da minha mãe e a gratidão pelo meu dom. Eu sabia que aquele era um momento especial na minha vida.

Eu sabia que aquele era o início de uma nova fase na minha jornada.

Após alguns minutos sentada, me afasto um pouco da minha mãe, me ajoelho com cuidado em frente ao lago e entrelaçar meus dedos, fecho os olhos e oro com muita fé.

— Deus, eu te agradeço pelo dom que me deste. Eu sei que ele é uma bênção e uma responsabilidade. Eu sei que ele é um sinal do teu amor e do teu poder. Eu te peço que me orientes na minha jornada. Que me mostres o caminho do meu poder. Que me faças entender o propósito do meu dom. Que me ajudes a superar as dificuldades e as dúvidas. Que me ilumines com a tua sabedoria e a tua graça. Amém - terminei a oração, esperando sentir alguma resposta.Mas nada aconteceu.

Eu não senti nenhuma luz, nenhum calor, nenhum som, nenhum sinal. Eu não senti nada além do vento frio que soprava no meu rosto.

Eu abri os olhos e olhei para o lago. O sol já havia se posto, deixando apenas um rastro de cores no céu. O lago estava escuro e silencioso, como um espelho quebrado.

Eu me senti frustrada e decepcionada. Eu esperava receber alguma confirmação, alguma orientação, alguma mensagem divina. Mas eu não recebi nada. Por quê?

Será que Deus não me ouviu? Será que Ele não se importava comigo? Será que Ele não tinha um plano para mim?

Ou será que eu não merecia o seu favor? Será que eu tinha feito algo errado? Será que eu tinha falhado com o meu dom?

Eu comecei a chorar, sentindo-me perdida e sozinha. Eu queria entender o meu dom, mas eu não sabia como. Eu queria usar o meu dom, mas eu não sabia quando. Eu queria confiar no meu dom, mas eu não sabia se podia. Eu queria ter fé, mas eu tinha dúvidas.

— Mãe... - chamei, baixinho.

Minha mãe veio correndo até mim, preocupada.

— O que foi, filha? O que aconteceu? - perguntou ela, abraçando-me.

— Nada... Nada aconteceu - respondi, soluçando.

— Como assim, nada? Você está chorando, Ana. Me fala o que houve - insistiu ela, carinhosa.

— Eu... eu orei, mãe. Eu orei com fé. Eu pedi para Deus me mostrar o caminho do meu poder. Mas Ele não me respondeu. Ele não me deu nenhum sinal - expliquei, desanimada.

— Oh, filha... - disse ela, compreensiva.

— Por quê, mãe? Por quê Ele não me respondeu? Será que Ele não me escutou? Será que Ele não se importa comigo? Será que Ele não tem um plano para mim? - perguntei, angustiada.

— Não diga isso, Ana. Claro que Ele te escutou. Claro que Ele se importa com você. Claro que Ele tem um plano para você - disse ela, firme.

— Então por quê Ele não me respondeu? Por quê Ele não me deu nenhum sinal? - insisti, confusa.

— Porque talvez Ele não precise te dar nenhum sinal, Ana. Talvez Ele já tenha te dado tudo o que você precisa - disse ela, sábia.

Minha mãe me apoiou e me levou de volta para o carro. Ela me colocou no banco de trás e me cobriu com um cobertor. Ela ligou o aquecedor e o rádio, tentando me confortar.

— Vai ficar tudo bem, filha. Você vai ver - disse ela, acariciando meu cabelo.

— Eu espero, mãe. Eu espero - disse eu, chorando.

Ela entrou no banco da frente e dirigiu para casa. Eu fiquei olhando pela janela, vendo as luzes da cidade passarem. Eu me sentia triste e vazia. Eu não entendia o que Deus queria de mim. Eu não entendia o que eu queria de mim. Eu só queria ter paz.

Chegamos em casa e minha mãe me ajudou a sair do carro. Ela pegou as minhas muletas e as minhas coisas e me acompanhou até a porta. Ela abriu a porta e entramos.

— Chegamos, filha - disse ela, sorrindo.

Eu olhei para dentro da casa e vi uma surpresa. Meu pai estava sentado no sofá da sala, lendo um jornal. Ele levantou os olhos e me viu.

— Ana! - exclamou ele, feliz.

— Pai! - gritei eu, emocionada.

Eu larguei as muletas e corri para ele. Ele se levantou e me abraçou forte. Eu me agarrei a ele, chorando.

— O que houve, filha? Por que você está chorando? - perguntou ele, preocupado.

— Pai, eu... eu tenho tanto para te contar - disse eu, soluçando.

— Calma, filha. Calma. Vamos sentar e conversar - disse ele, gentil.

Ele me levou para o sofá e me sentou ao seu lado. Minha mãe se juntou a nós, segurando a minha mão. Eles me olharam com amor e compreensão.

— Filha, nós estamos aqui para te ouvir. Você pode nos contar tudo - disse minha mãe, doce.

— Tudo bem, mãe. Tudo bem, pai. Eu vou contar tudo - disse eu, respirando fundo.

E eu comecei a contar tudo o que tinha acontecido comigo nos últimos dias. Desde a minha experiência de quase morte até a minha oração no lago. Eu contei sobre o meu dom de cura, sobre o padre Miguel, sobre a Sophia, sobre as camisetas da turma, sobre as minhas dúvidas e angústias. Eu contei tudo sem omitir nada. E eles me ouviram com atenção e paciência.

Depois de contar tudo aos meus pais, eu me senti aliviada, mas também confusa. Eles tinham reações tão diferentes que eu não sabia em quem acreditar. Minha mãe me dizia para ter fé e confiar no meu dom. Meu pai me dizia para ter cuidado e desconfiar do mundo. Eu não sabia o que fazer. Eu precisava de um tempo sozinha.

— Eu vou para o meu quarto - disse eu, levantando-me do sofá.

— Tudo bem, filha. Nós estamos aqui se você precisar de alguma coisa - disse minha mãe, compreensiva.

— Ana, eu só quero que você saiba que eu te amo e que eu estou orgulhoso de você - disse meu pai, sincero.

Eu sorri fracamente e agradeci. Eu peguei as minhas muletas e fui para o meu quarto. Eu fechei a porta atrás de mim e me encostei nela. Eu respirei fundo e soltei um suspiro.

Eu olhei para o meu quarto e vi as minhas coisas. As minhas roupas, os meus livros, os meus pôsteres, os meus brinquedos. Tudo parecia tão normal, tão familiar, tão... distante. Eu não me sentia mais em casa. Eu me sentia diferente.

Eu fui até o espelho e me olhei. Eu vi o meu rosto, os meus olhos, o meu cabelo, a minha boca. Tudo parecia tão igual, tão comum, tão... estranho. Eu não me reconhecia mais. Eu me sentia outra.

Eu comecei a chorar novamente. Eu não entendia o que estava acontecendo comigo. Eu não entendia quem eu era. Eu não entendia o que eu queria. Eu só queria ser normal. Eu fiquei com raiva. Raiva de Deus, raiva do mundo, raiva de mim mesma. Raiva do meu dom.

Eu dei um soco no espelho e o quebrei. Os cacos de vidro voaram pelo ar e caíram no chão. Um deles cortou a minha mão e fez um corte profundo. Eu gritei de dor e de ódio.

Os meus pais ouviram o barulho e vieram correndo até o meu quarto. Eles bateram na porta e perguntaram se eu estava bem.

— Ana! Ana! O que foi isso? Você está bem? Abre a porta! - gritou minha mãe, assustada.

— Ana! Ana! Fala com a gente! O que aconteceu? Deixa a gente entrar! - gritou meu pai, nervoso.

Eu ignorei os seus gritos e fui até a cama. Eu me joguei nela e me cobri com o lençol. Eu apertei a minha mão ferida e senti o sangue escorrer pelos meus dedos.

Eu não queria falar com eles. Eu não queria ver eles. Eu não queria nada. Eu só queria ficar sozinha.

Os meus pais continuaram batendo na porta e chamando o meu nome. Eles estavam desesperados e preocupados. Eles não sabiam o que eu tinha feito ou o que eu estava sentindo. Eles não sabiam de nada.

Meu pai decidiu arrombar a porta. Ele deu um chute forte e a porta se abriu. Ele entrou no quarto e viu a cena do espelho quebrado e a poça de sangue saindo da minha mão. Ele ficou horrorizado e assustado.

— Ana! Meu Deus! O que você fez? - exclamou ele, chocado.

— Pai... - murmurei eu, fraca.

Minha mãe entrou logo atrás dele e viu a mesma coisa. Ela ficou apavorada e angustiada.

— Ana! Minha filha! O que aconteceu? - exclamou ela, aflita.

— Mãe... - murmurei eu, fraca.

Eles vieram até mim e tentaram me ajudar. Eles queriam ver o meu ferimento, limpar o meu sangue, curar a minha dor. Eles queriam me salvar. Mas eu não queria ser salva. Eu queria ser deixada em paz.

Eu empurrei a minha mãe com força e ela caiu no chão. Ela bateu a cabeça na quina da mesa e ficou tonta. Ela soltou um gemido de dor e de tristeza.

— Ana! Por que você fez isso? - perguntou ela, magoada.

— Sai de perto de mim! - gritei eu, furiosa.

Meu pai ficou furioso e assustado. Ele me segurou pelos braços e me olhou nos olhos. Ele estava vermelho de raiva e de medo.

— Ana! Para com isso! Você está louca? Você está se machucando! Você está machucando a sua mãe! - gritou ele, furioso.

— Me solta! Me solta! Eu te odeio! Eu odeio todos vocês! - gritei eu, louca.

Ele me soltou e pegou o celular. Ele ligou imediatamente para o Dr. Ricardo, o nosso médico de confiança. Ele pediu para ele vir correndo para a nossa casa. Ele disse que era uma emergência.

— Dr. Ricardo, por favor, venha rápido. É a Ana. Ela se cortou com um espelho quebrado. Ela está sangrando muito. Ela está fora de si. Ela precisa de um remédio e de pontos. Por favor, venha logo - disse ele, nervoso.

— Calma, calma. Eu já estou indo.

— Estou indo, estou indo. Fique tranquilo - disse o Dr. Ricardo, calmo.

Meu pai desligou o celular e olhou para mim e para a minha mãe. Ele estava sem saber o que fazer. Ele estava sem saber o que dizer. Ele estava sem saber o que pensar. Ele só sabia que algo estava muito errado. E que ele tinha que nos proteger.