Pulei na água e nadei desesperadamente em sua direção. Comecei a puxá-la pela roupa com minha boca. Eu ainda tinha algum tempo como homem naquele dia, então me transformei e consegui retirá-la.

Ela estava desacordada e eu comecei a sacudi-la. Eu a chamava insistentemente. Estava desesperado.

Kelsey acordou após algum tempo, não sei quanto. A mim, pareceram horas, mas acho que foram poucos minutos, porque eu ainda estava na forma humana.

— Kells, como você se sente? Está bem? Perguntei preocupado

Ela virou a cabeça para o lado e começou a vomitar a água que tinha engolido.

— Vire-se de lado. Ajuda a pôr a água para fora. Deixe-me ajudá-la — Disse enquanto a ajudava a deitar-se de lado.

Eu tirei a minha camiseta, dobrei e coloquei sob a cabeça dela, para que ela pudesse se deitar.

Ela tinha um olhar perdido, fixo em meu tronco. Fiquei preocupado, não tinha certeza se ela estava consciente.

Toquei em sua cabeça e percebi que havia um galo. Ela finalmente saiu daquele estado de aparente inconsciência e tocou a própria cabeça, percebendo a protuberância.

Eu devo ter perdido a noção do tempo, porque eu já estava sentindo os fortes tremores que antecedem a transformação, mas eu não podia voltar a forma de tigre antes de ter certeza que Kelsey ficaria bem.

Eu já estava sentindo as dores terríveis que me atingem quando eu demoro a me transformar. Parecia que eu morreria se não me transformasse naquele momento.

Kelsey percebeu meu desespero e tentou me tranquilizar, dizendo que estava bem. Ela parecia estar melhor,

Eu percebi que o sentimento que me dominou enquanto ela esteve inconsciente era o medo. Medo de perdê-la. Toquei seu rosto e sorri de alívio por ela ainda estar comigo. Eu precisava dizer a ela como me sentia.

— Kells, eu…

Mas não havia mais tempo. O tigre tomou conta de mim.

Bufei de frustração e me aproximei dela. Era a única coisa que eu podia fazer.

Ela tomou um remédio e me pediu para sair, porque ela iria trocar de roupas. Kelsey queria que eu fosse para a selva, mas eu não podia deixá-la sozinha. Entrei na barraca, ficando de costas até que ela se trocasse.

Fiquei observando enquanto ela colocava lenha na fogueira e preparava uma xícara de chocolate quente. Eu estava me sentindo muito culpado pelo que acontecera. Eu não fui cuidadoso o suficiente. Me distraí e ela se machucou. Eu precisava muito encontrar Kishan e pegar o amuleto.

Kelsey me disse que estava bem e que eu poderia retomar minhas buscas pelo meu irmão, mas eu me neguei. Não a deixaria sozinha até estar certo de sua total recuperação. Lesões na cabeça são muito sérias. Eu já tinha visto pessoas morrerem horas depois de terem sido atingidas.

Fiquei sentado, balançando a cauda e olhando pra ela para mostrar-lhe que não sairia do seu lado. Ela finalmente aceitou esse fato.

Quando ela entrou na barraca para dormir, me acomodei a seu lado e ela deitou a cabeça sobre minhas patas e dormiu rapidamente. Eu ainda estava preocupado e fiquei acordado, observando seu rosto, sua respiração. Então, ela se virou para mim, e colocou os braços ao redor do meu pescoço, agarrando-se ao meu corpo de tigre, como uma menina que dorme abraçada à sua boneca. Aquilo me deixou um pouco encabulado no início, mas extremamente feliz e aliviado. Finalmente relaxei e dormi.

Quando acordei pela manhã, ela ainda estava naquela posição. Fiquei imóvel para não incomodá-la. Ela acordou, levantou-se e comeu. Parecia recuperada e bem disposta e me disse para ir procurar por Kishan.

Eu estava tranquilo quanto à saúde dela, então saí em minha incursão. Estava seguindo um rastro que acreditava ser de Kishan. Eu o havia farejado um pouco distante do acampamento e comecei a busca por ali. O rastro estava mais fraco. Kishan havia se afastado.

Aumentei o raio de busca, mas não o encontrei. Fiquei pensando que ele talvez, tenha percebido o meu rastro e se aproximado do acampamento. Resolvi circular em raios menores, mais próximos do acampamento.

Quando o sol estava quase no meio do céu , resolvi voltar para almoçar com Kelsey. Depois de comer, me transformei novamente em tigre. Kelsey pegou um livro de poesia e me perguntou se eu queria que ela lesse pra mim. Me transformei em homem e deitei minha cabeça em seu colo. Fechei os olhos e disse que sim.

Ela escolheu um poema de Shakespeare, o mesmo autor de Romeu e Julieta, e começou a ler enquanto acariciava meus cabelos.

Eu estava completamente relaxado e contente.

“Soneto XVIII

Se te comparo a um dia de verão,

És por certo mais belo e mais ameno.

O vento espalha as folhas pelo chão

E o tempo do verão é bem pequeno.

Às vezes brilha o Sol em demasia,

Outras vezes desmaia com frieza;

O que é belo declina num só dia,

Na eterna mutação da natureza.

Mas em ti o verão será eterno,

E a beleza que tens não perderás;

Nem chegarás da morte ao triste inverno:

Nestas linhas com o tempo crescerás.

E enquanto nesta terra houver um ser,

Meus versos vivos te farão viver.”

— Isso foi… excelente. — Eu disse — Gosto desse Shakespeare.

— Eu também.

— Kelsey, talvez eu pudesse partilhar um poema do meu país… com você.

Surpresa, ela soltou o livro e me respondeu:

— Eu adoraria ouvir poesia indiana.

Eu abri os olhos, mas continuei deitado em seu colo. Segurei sua mão e entrelacei nossos dedos, deixando nossas mãos descansarem sobre o meu peito.

— Este é um poema antigo da Índia. Faz parte de uma epopeia que é contada desde que me entendo por gente. Chama-se “Sakuntala” e o autor é Kalidasa.

“Teu coração, de fato, eu não conheço: o meu,

porém, oh!

Cruel, o amor aquece de dia e de noite; e todas

as minhas virtudes estão em ti centradas.

Tu, ó esguia donzela, o amor apenas aquece;

mas a mim ele queima; como a estrela do dia

apenas sufoca a fragrância da flor noturna, mas

extingue o próprio orbe da lua.

Este meu coração, oh, tu que és de todas as

coisas a que lhe é mais cara, não terá nenhum

propósito que não seja tu.”

— Ren, é lindo!

Eu olhei nos olhos dela e toquei seu rosto, sentindo o calor de sua pele. Nós estávamos de mãos dadas e a outra mão dela tocava meus cabelos. O rosto dela enrubesceu.

Senti que aquele seria o momento perfeito, aquele que eu estava esperando há dias. Desta vez eu ainda tinha muitos minutos para apreciar o momento adequadamente.

Eu estava emocionado. Muitos sentimentos tomando conta de mim: felicidade, medo, excitação, amor.

Kelsey puxou as mãos e as colocou no colo. Eu não me importei. Levantei o tronco sentando-me apoiado em uma das mãos. Meu rosto ficou muito próximo do dela. Meu coração estava acelerado. Eu ia beijá-la.

Ela estava desviando os olhos de mim. Imaginei que estivesse encabulada. Toquei em seu queixo, virei o rosto dela e olhei em seus olhos

— Kelsey?

— Sim? — sussurrou.

— Eu queria sua permissão… para beijá-la.

Ela não me respondeu. Parecia estar nervosa. Eu aproximei ainda mais o meu rosto do dela. Ela fechou os olhos e respirou fundo. Eu ainda estava esperando sua resposta.

Kelsey abriu os olhos, me olhou confusa e perguntou:

— O que… é… o que você quer dizer com querer minha permissão?

Agora era eu quem estava confuso. Um homem não poderia beijar uma mulher sem sua permissão. Isto é errado, é abusivo. Por mais que eu achasse que Kelsey sentia por mim o mesmo que eu por ela, e por mais que eu achasse que ela também queria me beijar, eu não poderia fazê-lo sem ter a certeza de que ela estivesse de acordo.

Então ela começou a falar alto. Parecia ofendida:

— Garotas precisam ser arrebatadas — e pedir permissão é tão… tão… antiquado. Não é espontâneo. Não combina com paixão. Se você tem que pedir, então a resposta é… não.

Não? Não... Foi isso mesmo o que ela me disse.

Meu coração se partiu. Tudo em que eu acreditava parecia estar fugindo de mim. Eu achava que conhecia as pessoas, depois de passar tantos anos observando-as. Mas eu estava enganado.

Eu achei que Kelsey me amava e me queria, tanto quanto eu a queria. Mas ela me disse não. Levantei-me e me inclinei formalmente

— Não vou lhe pedir de novo, Kelsey. Peço desculpas pelo meu atrevimento.

Me transformei em tigre e saí correndo dali. Eu precisava me afastar dela.

Eu havia me doado àquela mulher e depositado todo o meu amor e esperanças nela. Eu estava certo de que era correspondido. Mas estava enganado.

Fiquei pensando no porquê de ela ter aceitado me ajudar a quebrar a maldição.

"Seria pela aventura? Acho que não. Ou será que ela faria isso por qualquer pessoa, por pura bondade? Será que tinha sido pelo dinheiro? Sei que Kadam havia lhe oferecido um bom salário e que ela precisava do dinheiro."

Eu estava tão angustiado que circulava, mas não prestava atenção em nada. Não estava percebendo o rastro de Kishan. Não conseguia parar de pensar em Kelsey e no que havia acabado de acontecer entre nós.

Não era possível. Ela era a escolhida. Nós tínhamos uma ligação...

Então um pensamento me perturbou. Lembrei-me do sonho, Kelsey indo em direção ao tigre negro.

"Talvez a ligação entre mulher e tigre não seja entre Kelsey e o tigre branco."

Voltei para o acampamento, e me desesperei com o que vi.