Eu já o tinha farejado. Durante o caminho de volta para o acampamento senti o cheiro dele cada vez mais perto.

Então eu o vi com ela.

Kishan. Estava vestindo as roupas pretas que apareciam quando ele se transformava em homem. Ele estava sorrindo enquanto segurava um cacho dos cabelos dela entre os dedos. Eu ouvi o que ele dizia:

— Sou obrigado a dar crédito a Ren. Ele sempre consegue se cercar de belas mulheres.

Não me contive. Naquele momento fui tomado pela ira e não consegui mais pensar em nada. Minha humanidade desapareceu instantaneamente, dando lugar aos instintos de um animal tentando defender sua fêmea.

Saltei rosnando enfurecido.

Vi Kishan tocar o ombro de Kelsey, e isto me deixou com mais ódio.

Kishan saltou transformando-se no tigre negro.

Nós dois saltamos ao encontro do outro, colidimo-nos e começamos a rolar na grama, enquanto nos mordíamos e arranhávamos ferozmente.

Eu estava furioso, cego de ciúmes.

Nós nos afastamos um do outro e ficamos nos encarando e rosnando ameaçadoramente.

Depois de tudo o que Kishan tinha me feito no passado, eu ainda estaria disposto a perdoá-lo. Mas ele estava tentando me trair novamente, indo ao acampamento para seduzir Kelsey. Eu não podia perdoá-lo. Eu ia matá-lo.

Eu não havia percebido Kelsey se aproximar de nós até ouvila suplicar quase desesperada:

— Por favor, parem com isso. Vocês são irmãos. Não importa o que aconteceu no passado. Precisam conversar. Foi você quem quis procurá-lo — dirigindo-se a mim. — Agora é sua chance de conversar, de lhe dizer o que precisa dizer.

Então ela virou-se para Kishan:

— E quanto a você, Ren está cativo há muitos anos e estamos trabalhando numa forma de ajudar vocês dois. Devia ouvi-lo.

Transformei-me em homem e falei com ela:

— Você está certa, Kelsey — disse asperamente. — Eu vim, de fato, conversar, mas vejo que ainda não posso confiar nele. Não existe o menor… vestígio de consideração. Eu nunca deveria ter vindo aqui.

— Mas, Ren…

Aproximei-me do tigre negro e cuspi nele.

Vaslyata karanã! Badamãsa! Estou cercando você há dois dias! Você não tinha o direito de vir aqui sabendo que eu não estava! E, se tiver amor à vida, nunca mais vai tocar em Kelsey!

Kishan se transformou em homem apenas para me provocar, respondendo com aparente calma:

— Eu queria ver o que você estava protegendo tão ferozmente. Tem razão. Estou seguindo você há dois dias, chegando perto o bastante para ver o que está aprontando, mas me mantendo longe o suficiente para poder me aproximar de você em meus termos. Quanto a ficar aqui para ouvi-lo, não há nada que você tenha a dizer que possa me interessar, Murkha.

Kishan esfregou o maxilar e sorriu enquanto traçava com o dedo os longos arranhões deixados pela luta.

Virou-se para Kelsey com um movimento rápido e, me olhou rapidamente, acrescentando:

— A menos que queira falar sobre ela. Estou sempre interessado em suas mulheres.

Meu ódio aumentou. Empurrei Kelsey a fim de afastá-la de nós e me transformei em tigre. Recomeçamos a lutar.

Eu estava fora de mim. Queria matá-lo. Nós rolávamos e nos deslocávamos pela selva, atacando de todas as formas possíveis.

Caímos na água e afundamos. Nós emergíamos e submergíamos sem parar a luta.

Eu estava consciente de que Kelsey estava por ali, assistindo a tudo, mas não conseguia me controlar. E nem queria. Eu queria ferir Kishan.

O problema é que Kishan era um tigre livre, enquanto eu fui cativo por muitos anos. Ele era mais forte e musculosos do que eu. E tinha mais fôlego, estava acostumado a correr pela selva, lutar para conseguir alimento, enquanto eu vivia preso em uma jaula, recebendo minha comida morta e cortada em bifes...

Desisti.

Kishan parece ter desistido também. Ele saiu da água.

Eu fiz o mesmo e me deparei com ele deitado na grama, exausto.

Segui para perto de Kelsey e me coloquei entre eles.

Só então percebi o quanto estava machucado. Havia cortes e mordidas por todo o meu corpo e eu sangrava.

Kelsey se afastou de mim correndo. Pensei que ela estivesse com medo ou com raiva, mas ela voltou rapidamente com um kit de primeiros socorros.

Chorando, ela começou a cuidar dos meus ferimentos. Eu tentei me transformar em homem para lhe dizer que não precisava porque eu me curaria sozinho (esse era um bônus da minha maldição), mas não consegui. Eu estava muito cansado e provavelmente já tinham-se esgotado os meus 24 minutos daquele dia.

Por outro lado, tê-la cuidando de mim era maravilhoso. Ela limpou meus ferimentos e tentou parar o sangramento. Doeu um pouco e eu gemi de leve, mas a sensação de cuidado era boa.

Percebi que ela estava chorando. Lambi os pulsos dela para tentar consolá-la. Kishan ainda estava deitado e nos observava. Ela me fez um carinho e falou baixinho:

— Ren, isso é horrível. Queria que nada disso tivesse acontecido. Sinto muito. Deve doer demais. — Uma lágrima dela caiu em meu focinho. — Vou cuidar do seu irmão agora.

Ela dirigiu-se a Kishan e começou a limpar as feridas dele.

Fiquei louco de ciúmes, mas não interferi. Estava muito cansado e não começaria outra briga estando Kelsey naquele estado.

O tigre negro estava se aproveitando da situação.

— Este aqui precisa de pontos. — Ela disse ao ver um dos ferimentos de Kishan

Então, dirigiu-se a nós dois e falou irritada:

— Vocês dois provavelmente vão ter infecção e suas caudas vão cair.

Eu ri por dentro e vi que Kishan também o fez.

— Espero que vocês dois fiquem contentes em saber que limpar feridas me apavora. Odeio sangue. Além do mais, para seu governo, eu decido quem vai ou não me tocar. Não sou um novelo de lã que possa ser disputado por dois gatos. Tampouco sou a pessoa por quem no fundo estão brigando. O que aconteceu entre vocês dois acabou há muito tempo e espero de coração que aprendam a perdoar um ao outro.

Baixei a cabeça envergonhado, enquanto Kishan fixava seus olhos dourados nos de Kelsey.

Mas ela estava enganada se pensava que minha raiva era por causa de Yesubai.

— Ren e eu estamos aqui para tentar quebrar a maldição. O Sr. Kadam está nos ajudando e temos uma boa ideia de por onde começar. Vamos levar quatro oferendas para Durga e, em troca, vocês dois poderão voltar a ser homens. Agora que você sabe por que estamos aqui, podemos voltar ao Sr. Kadam e partir. Acho que os dois precisam ir a um hospital.

Eu resmunguei contrariado. Não queria a presença daquele traidor. Não aceitaria que ele nos acompanhasse e estava muito arrependido de ter ido procurá-lo. E estava com medo de que ele e Kelsey ficassem juntos...

Enquanto Kelsey guardava o Kit médico, de costas para Kishan, ele se transformou em homem. Eu não sabia o que ele pretendia. Levantei-me alerta pronto para retomar a briga, caso Kishan passasse dos limites.

Aproximei-me de Kelsey encarando meu irmão. Kishan baixou os olhos para mim e voltou a olhar para Kelsey. Estendeu a mão e segurou a dela, dando-lhe um beijo casto.

— Posso perguntar o seu nome?

— Meu nome é Kelsey. Kelsey Hayes.

— Bem, Kelsey, prezo todos os esforços que você fez por nós. Peço desculpas se a assustei mais cedo. Estou — ele sorriu — fora de forma quando se trata de conversar com moças. Quanto a essas oferendas que vocês vão fazer a Durga, faria a gentileza de me falar mais sobre elas?

Ele ofereceu o braço para Kelsey, que o aceitou e juntos dirigiram-se à fogueira.

Eu estava exausto e não havia mais nada que eu pudesse fazer. Eu queria poder evitar que os dois conversassem, queria expulsá-lo dali. Mas fui eu quem provocou aquela situação levando Kelsey até lá.

E ela não me quis.

Eu não poderia impedi-la, caso ela resolvesse ficar com Kishan. Os dois começaram a conversar.

— Não devíamos levar vocês dois a um médico? Acho que você pode precisar de pontos e Ren…

— Obrigado, mas não é necessário. Não precisa se preocupar com nossos pequenos incômodos.

— Eu não chamaria esses ferimentos de pequenos incômodos, Kishan.

— A maldição nos ajuda a sarar rapidamente. Você vai ver. Vamos nos recuperar em pouco tempo por nossa própria conta. Ainda assim, foi bom ter uma jovem tão adorável cuidando de meus ferimentos.

Eu não podia evitar de sentir ciúmes. Levantei e fui até onde estavam, parando diante deles.

— Ren, seja civilizado — Ela me disse

Kelsey sentou-se no chão e um Kishan sorridente sentou-se a seu lado. Eu me coloquei entre os dois.

Kelsey começou a falar com Kishan, contando a ele sobre a profecia e as aventuras que havíamos vivido até ali, enquanto me acariciava. Eu estava tão cansado que acabei dormindo e não ouvi o final da conversa, apesar de meus esforços...