Kelsey já estava há uma semana trabalhando no circo. Eu não sabia que o senhor Maurizio tinha contratado mais de uma funcionária, por isso, me desesperei ao ouvir a conversa de que uma das meninas contratadas havia ido embora.

Naquele dia, Kelsey ainda não tinha vindo até o galpão, fora Matt quem veio ajudar o pai em suas tarefas. Fiquei pensando se a tal garota seria Kelsey. Não podia ser verdade. Porque ela faria isso?

Talvez tivesse arranjado outro emprego, ela havia dito que precisava de trabalho para comprar os livros da faculdade. Mas porque ela não me disse que estava indo embora? Será que a ligação que eu sentia com ela não era recíproca?

Naquele dia, fiquei agitado. Não conseguia me concentrar em nada e nem consegui comer. Na hora do espetáculo, comecei a procurar por ela. Tentei sentir seu cheiro, mas havia muitas pessoas e muitos odores que se misturavam. Eu estava desesperado. Não podia acreditar que Kelsey tinha me deixado.

Então, senti uma brisa e um cheiro doce vindo com ela. Ao me virar em direção à brisa, meus olhos encontraram os dela. Aqueles lindos olhos castanhos, me olhando preocupados. Eu me acalmei e terminei a apresentação.

Mais tarde, ela veio até o galpão. Eu estava andando de um lado para o outro na jaula, ansioso para vê-la. Quando ela entrou, eu finalmente consegui relaxar. Ela se aproximou da jaula.

— Oi, Ren. O que está havendo com você hoje? Estou preocupada. Espero que não esteja ficando doente nem nada.

Ela aproximou-se mais. Pude perceber que ela queria me tocar, assim como eu ansiava pelo toque dela. Mas ela estava com medo. Ainda não confiava em mim o bastante.

Tentei encorajá-la suavizando meu olhar e mantendo a minha cabeça descansando sobre as patas. Me mantive imóvel.

Ela parecia estar ficando mais confiante. Estendeu as mãos lentamente e colocou as pontas dos dedos sobre as patas dianteiras, tocando os meus pelos. Foi um toque rápido, mas foi o suficiente para fazer meu coração disparar.

Eu queria dizer a ela o quanto ela estava me fazendo feliz. Suspirei de alívio e felicidade. Ela aprofundou o toque, passando para as minhas patas. Tentando retribuir, virei a cabeça e lambi a sua mão.

Ela se assustou mas continuo me acariciando. E eu continuei lambendo sua mão. Foi a primeira vez que eu beijei uma garota.

Em seguida, ela se sentou no feno e começou a ler um poema sobre gatos.

EU SOU O GATO

Leila Usher

No Egito, me veneravam.

Eu sou o Gato.

Porque não me dobro à vontade do homem,

Chamam-me mistério.

Quando pego e brinco com um rato,

Chamam-me cruel,

No entanto, eles capturam animais

Em parques e zoos, para que possam admirá-los.

Acham que todos os animais foram feitos para o seu prazer,

Para serem seus escravos.

E, enquanto eu mato apenas quando preciso,

Eles matam por prazer, poder e ouro,

E se consideram superiores!

Por que eu deveria amá-los?

Eu, o Gato, cujos ancestrais

Orgulhosamente percorreram a selva,

Nenhum deles domado pelo homem.

Ah, por acaso eles sabem

Que a mesma mão imortal

Que lhes soprou a vida também soprou a minha?

Mas somente eu sou livre

Eu sou O GATO.”

Ela fechou o livro e ficou pensativa. Levantou-se do feno e aproximou-se de mim mais uma vez, voltando a me acariciar.

Como eu queria poder tocá-la. Mas o máximo que eu podia fazer era lamber suas mãos, em um autêntico 'beijo de tigre”.

Foi então que aconteceu.

Ela me olhou nos olhos e disse:

— Queria que você fosse livre.

Foi aí que eu senti.

O homem, que há vários dias vinha tentando romper a pele do tigre, estava finalmente emergindo.

Senti que poderia me transformar. Era tudo o que eu queria. Fiquei com medo de assustá-la e me segurei.

Eu adorava a presença de Kelsey, mas naquele dia eu estava ansioso para que ela saísse, porque queria tentar me transformar.

Ela permaneceu comigo por mais alguns minutos, me deixando sozinho em seguida.

Assim que ela saiu, tentei me transformar. Fechei os olhos e me concentrei. Não foi fácil. Havia muito tempo que o tigre tinha tomado conta do meu corpo e agora era difícil para o homem retornar. Mas eu tinha certeza que ele estava pronto para sair. Respirei fundo e tentei de novo.

Após alguns segundos, pude sentir o homem chegando e o tigre indo embora. Era eu novamente. O príncipe Alaghan Dirhen Rajaram.

Imaginando que teria apenas 24 minutos na minha forma original. abri a jaula.

Queria correr até Kelsey e dizer a ela tudo o que eu estava sentindo. Me contive e ao invés disso pensei em procurar Kadam. Ele tinha deixado um número de telefone muitos anos antes, do qual eu nunca me esqueci. Não sabia como faria para ligar, e não tinha muito tempo.

Saí escondido do galpão e vi Matt parado próximo dali. Eu estava vestindo as habituais roupas brancas que apareciam sempre que eu me transformava em homem e estava descalço.

Aproximei-me de Matt e disse a ele que havia sido assaltado e precisava ligar para o meu patrão. Ele me perguntou o número e discou de um aparelho celular. Assim que Kadam atendeu eu me afastei de Matt e disse rapidamente:

— KADAM, sou eu, Ren. Eu a encontrei. Você precisa vir. Estou nos Estados Unidos, com o circo Maurizio.

Ele respondeu que chegaria em dois dias. Desliguei o telefone e o devolvi a Matt , que estava distraído, depois entrei sorrateiramente no galpão.Voltei para a jaula, tranquei-a e esperei que o tigre voltasse. E ele não demorou muito.