Quando chegamos ao templo, Kadam nos deixou no jipe e saiu para ver se ainda havia turistas no local. Eu coloquei a cabeça entre os bancos e encostei no ombro de Kelsey para chamar sua atenção. Ela mandou

que eu mantivesse a cabeça baixa, temendo que eu fosse visto. Mas eu estava com saudades e queria ficar perto dela. Eu rugi baixinho e ela disse que também sentiu minha falta.

Kadam voltou depois de alguns minutos dizendo que podíamos entrar. Kelsey abriu minha porta e eu me enrosquei em suas pernas ao sair do carro.

— Ren! Você vai me derrubar.

Ela manteve a mão em meu pescoço. Não era o suficiente mas era aceitável, por hora.

Kadam observava a nós dois e sorria satisfeito. Ele deve ter percebido nossa proximidade e acho que já sabia dos meus sentimentos por Kelsey. Ele me conhecia bem e provavelmente sabia o quanto eu estava feliz. Como nunca tinha estado em toda a minha vida.

A noite anterior tinha sido inacreditável. Foi o meu primeiro beijo e foi perfeito. Nunca imaginei o que algo simples como um beijo poderia causar. Eu estava diferente, mais seguro e muito mais feliz. E queria mais. Não via a hora de ficar sozinho com a minha namorada.

Kelsey e eu entramos no templo enquanto Kadam ficou de vigia na entrada. Kelsey observava cada detalhe do templo, os entalhes de Deuses e eu a acompanhava calmamente.

Ao ler um aviso de que os visitantes deveriam tirar os sapatos, Kelsey tirou os dela e as meias. Nós seguimos através do templo, que fora esculpido em uma colina rochosa, até chegarmos a uma área onde havia um recesso escavado na pedra que abrigava uma estátua de pedra de Durga.

A deusa usava o ornamento de cabeça e tinha os oito braços dispostos em torno de seu torso. A estátua segurava várias armas, uma das quais erguida num gesto de defesa.

Enroscado em suas pernas estava Damon, o tigre de Durga. Suas garras se projetavam de uma pesada pata, apontada para a garganta de um javali inimigo.

Não pude deixar de imaginar Kelsey como a Deusa e seu tigre, pronto para defendê-la do inimigo, assim como eu faria.

— Acho que ela também tinha um tigre para protegê-la, hein, Ren? O que você acha que o Sr. Kadam espera que encontremos aqui? Mais respostas? Como conseguimos a bênção dela?

Eu não tinha certeza, talvez estivéssemos ali apenas buscando a bênção da Deusa, ou esperando por alguma pista sobre nossa missão.

Eu só queria agradecer à Deusa por ter me enviado Kelsey e por ter escolhido alguém tão especial para ser a minha libertadora.

Kelsey começou a procurar próximo à estátua da Deusa. Ela esperava encontrar algum símbolo como aqueles que encontramos na caverna Kanheri. Depois de procurar por algum tempo, Kelsey sentou-se desanimada:

— Desisto. Não sei o que devíamos estar procurando.

Sentei a seu lado, colocando a cabeça no colo dela, a fim de consolá-la.

— O que vamos fazer agora? Continuamos procurando ou voltamos para o Jeep? — perguntou enquanto acariciava minhas costas.

Kelsey olhou para uma coluna e levantou-se, se aproximando dela para observar os entalhes de pessoas adorando à Deusa. Eu me levantei e a segui, observando a cena.

— Ren, o que você acha que ela tem na mão? Perguntou apontando para a gravura de uma mulher.

Ela estava concentrada na imagem e assustou-se quando segurei sua mão, após ter me transformado em homem.

— Você devia me avisar antes de mudar de forma, sabia?

Eu sorri e toquei o entalhe, para tentar identificar o que seria aquele objeto.

— Não tenho certeza. Parece um tipo de sino.

Ela tocou a imagem e teve uma ideia:

— E se fizermos uma oferenda como essa a Durga?

— O que quer dizer?

— Por que não lhe oferecer alguma coisa, como frutas, e então tocar um sino?

— Claro. Vale a pena tentar qualquer coisa.

Voltamos para o Jeep e contamos nossa ideia a. Kadam. Ele pareceu entusiasmado.

— Excelente ideia, Srta. Kelsey! Não sei por que não pensei nisso.

Ele vasculhou nosso almoço e pegou uma maçã e uma banana.

— Quanto ao sino, não me ocorreu trazer um, mas acredito que em muitos desses templos antigos haja um sino instalado. Os discípulos os tangiam quando chegavam convidados, quando em adoração e para convocar para uma refeição. Talvez encontrem algum por lá.

Voltamos ao templo e começamos a procurar por um sino. Após alguns minutos encontrei uma parede estreita na quina da sala que não podia ser vista da porta do templo. Prateleiras rasas haviam sido escavadas na pedra como minúsculos recessos. Na mais alta, havia um pequeno sino de bronze enferrujado, coberto por teias de aranha e poeira. Ele tinha um pequeno anel na parte superior para que pudesse ser pendurado em um gancho. Eu o recolhi e o limpei usando minha própria roupa. Eu o balancei, ouvindo o tilintar e, sorrindo, ofereci a mão à Kelsey para juntos voltarmos à outra sala.

— Acho que você deve fazer a oferenda, Kells. Você é a protegida de Durga, afinal.

— Pode ser, mas está se esquecendo de que eu sou uma estrangeira e você é um príncipe da Índia. Certamente sabe melhor do que eu o que está fazendo.

— Nunca fui devoto de Durga. Não conheço o processo.

— O que você venera ou venerava?

— Eu participava dos rituais e das festas religiosas do meu povo, mas meus pais queriam que Kishan e eu decidíssemos por nós mesmos em que acreditar. Eles tinham uma grande tolerância em relação a diferentes ideologias religiosas, pois eram de duas culturas diferentes. E você?

— Não voltei à igreja depois da morte dos meus pais.

Ele apertou minha mão e propôs:

— Acho que nós dois precisamos encontrar um caminho para a fé. Eu acredito que exista algo maior, um poder benigno no universo que guia todas as coisas.

— Como você continua tão otimista quando está preso a um corpo de tigre há séculos?

Eu toquei a ponta de seu nariz com o dedo, retirando um pouco de poeira que se depositara ali e respondi com muita sinceridade:

— Meu atual nível de otimismo é uma aquisição relativamente nova. Venha.

Dei-lhe um beijo na testa e a puxei para longe da coluna.

Nos aproximamos da estátua e começamos a limpá-la. Kelsey colocou as frutas em uma pedra oval escavada que ficava na base da estátua. Nós paramos em frente e nos demos as mãos.

— Estou nervosa. Não sei o que dizer.

— Bom, eu começo e você acrescenta o que achar natural.

Balancei o sino três vezes e comecei:

— Durga, viemos pedir sua bênção para nossa busca. Nossa fé é fraca e simples. Nossa tarefa é complexa e misteriosa. Por favor, nos ajude a encontrar a compreensão e a força.

Olhei para ela indicando sua vez. Ela parecia nervosa, mas começou:

— Por favor, ajude esses dois príncipes da Índia. Devolva-lhes o que lhes foi tirado. Ajude-me a ser forte e sábia o bastante para fazer o que for necessário. Ambos merecem a chance de ter uma vida.

Nós esperamos, esperamos, mas nada aconteceu. Comecei a sentir os tremores pelo braço. Abracei Kelsey avisando que precisava me transformar. Ela me deu um beijo no rosto e eu comecei a mudar.

Assim que o tigre branco surgiu, a sala começou a vibrar e as paredes de repente se sacudiram. Um trovão ensurdecedor soou no templo, seguido por várias explosões de luz branca.

— Um terremoto! Seremos enterrados vivos!

Pedras pequenas e grandes despencavam do teto e uma das grandes colunas rachou.

Kelsey caiu e eu saltei sobre ela, protegendo seu corpo dos escombros.

O tremor foi parando e o estrondo cessou.

Me afastei de Kelsey e ela se levantou, atônita.

Virei a cabeça para ver o que a estava deixando espantada e vi que uma parte da parede de pedra havia se quebrado, espatifando-se em centenas de pedaços. Na parede onde a pedra estivera, agora via-se a marca de uma mão.

Kelsey se aproximou e colocou a mão sobre a marca. A sua começou a brilhar. O desenho de hena de Phet ressurgiu e reluziu vermelho. Faíscas crepitantes saltavam de seus dedos

Um tigre grunhiu. Olhei para o lado e percebi que era Damon, o tigre de Durga.

Damon grunhiu e rugiu para mim. Eu respondi, pronto para defender Kelsey, se fosse necessário. Então Damon olhou para trás e sentou-se aos pés da Deusa, que também tinha ganhado vida.

Kelsey tirou a mão da marca e andou até mim. Ela estava assustada, e tremia de medo.

Enquanto a Ex-estátua se ajeitava, aproximei-me de Kelsey e encostei meu corpo no dela. Ela pareceu um pouco mais tranquila.

A deusa cruzou um par de braços sobre o peito enquanto nos observava. Eu mantinha uma postura defensiva e meus músculos estavam tensos. Eu estava pronto para atacar, se fosse preciso.

Após algum tempo, a Deusa ergueu um dos braços e dirigiu-se à Kelsey:

— Bem-vinda ao meu templo, filha.

Kelsey não respondeu. A Deusa apontou para a tigela a seus pés e disse:

— Sua oferenda foi aceita.

Baixei os olhos para a tigela. As frutas tremeluziram, faiscaram e então desapareceram.

Durga deu tapinhas na cabeça de seu tigre por um instante, parecendo esquecer que estávamos ali. A Deusa começou a falar com Kelsey:

— Vejo que você tem seu próprio tigre para ajudá-la em tempos de guerra.

Kelsey parecia intimidada pela forte presença da Deusa e respondeu timidamente:

— Ah… sim. Este é Ren, mas ele é mais do que apenas um tigre.

A deusa sorriu.

— Eu sei quem ele é e que você o ama quase tanto quanto eu amo o meu Damon. Não é?

Ela puxou afetuosamente a orelha de seu tigre

— Vocês vieram buscar minha bênção e minha bênção eu darei. Cheguem mais perto e a aceitem.

Kelsey foi arrastando os pés, tímida e amedrontada. Eu me mantive à sua frente, encarando o tigre Damon. Nós nos cheirávamos desconfortavelmente. Algo naquele tigre me pareceu familiar.

Percebi que Damon também mantinha uma postura defensora em relação à Deusa. Mas eu não iria me submenter. Eu também estava disposto a tudo para defender a minha dona.

A deusa começou a falar com Kelsey, ignorando a mim e ao próprio tigre:

— O prêmio que vocês procuram está escondido no reino de Hanuman. Meu sinal irá lhes indicar o portão. O domínio de Hanuman tem muitos perigos. Você e seu tigre devem permanecer juntos para atravessá-lo em segurança. Se vocês se separarem, enfrentarão grande perigo.

Seus braços começaram a se mover e eu dei um curto passo para trás. Ela prendeu uma concha no cinto e então começou a girar as armas nas mãos. Passando-as de braço em braço, inspecionou cada uma delas atentamente. Quando chegou àquela que queria, parou. Olhou com amor para a arma e correu uma das mãos livres por sua lateral. Era a gada.

Ela a segurou diante de si e indicou que Kelsey deveria pegá-la. A arma dourada parecia pesada, mas Kelsey a segurou sem dificuldade apenas com uma das mãos, admirando-a. A deusa ergueu um braço e apontou para a coluna, então assentiu, encorajando-a.

— Quer que eu vá até a coluna?

Ela indicou a gada então tornou a olhar para a coluna.

— Ah, quer que eu a teste?

A deusa assentiu e começou a acariciar a cabeça de seu tigre.

Kelsey obedeceu a Deusa e brandiu a gada enquanto eu a observava. Um estrondo sacudiu o templo e um fragmento de pedra atravessou o ar como um míssil. Ele atingiu a coluna com um eco e se estilhaçou, explodindo em um milhão de pedaços. A coluna agora continha um enorme sulco. Ficamos espantados enquanto Durga sorria em aprovação.

Virando-se para a Deusa, Kelsey comentou que iria tomar mais cuidado. A Deusa assentiu e explicou:

— Use a gada quando necessário para se proteger, mas espero que ela seja manejada principalmente pelo guerreiro ao seu lado — Disse referindo-se a mim.

Eu imaginei que ela queria dizer que eu manejaria a arma quando estivesse na forma humana. Kelsey parecia não entender.

Enquanto Kelsey se abaixava para colocar a gada no chão, a deusa Durga esticou o braço e retirou uma serpente dourada, viva, que estava enroscada ali.

— Esta, porém, é para você — anunciou Durga, dirigindo-se a Kelsey.

A serpente se desenrolou do braço de Durga, atravessou o estrado em direção a Kelsey, que parecia assustada pela presença da cobra. A naja deslizou pelas minhas patas enquanto eu recuava. Ela parou aos pés de Kelsey e começou a se enroscar em suas pernas subindo até os braços.

Kelsey parecia estar chorando baixinho. Eu fiquei tenso, sem saber o que fazer, afinal, tratava-se de um presente da Deusa.

Quando a maior parte de seu corpo estava presa em torno da porção superior do braço de Kelsey, a cobra estendeu a cabeça até seu ombro e roçou-a em seu pescoço. Sua língua se projetou.

Kelsey estava trêmula e suava muito. A cobra fitava seu rosto amedrontado, até que voltou para o braço, enroscou-se mais duas vezes e então imobilizou-se, com a cabeça voltada para Durga, transformando-se em uma jóia.

Kelsey, que ainda não tinha olhado diretamente para a cobra, finalmente teve coragem de encará-la sob a forma de bracelete. Ela parecia muito impressionada com o que acabara de acontecer.

— Ela se chama Fanindra, a Rainha das Serpentes — informou a deusa. — É um guia e irá ajudar vocês a encontrar o que procuram. Ela pode conduzi-los por vias seguras e irá iluminar seu caminho através da escuridão. Não tenha medo, pois ela não lhe deseja nenhum mal.

A deusa estendeu a mão para acariciar a cabeça imóvel da cobra e recomendou:

— Ela é sensível às emoções das pessoas e anseia por ser amada pelo que é. Tem um propósito, assim como todos os seus filhos, e devemos aprender a aceitar que todas as criaturas, por mais assustadoras que possam ser, são de origem divina.

— Tentarei superar o meu medo e lhe dar o respeito que ela merece.

— Isso é tudo o que peço — disse a deusa, sorrindo.

Quando Durga recolhia os braços e começava a voltar à posição original, ela baixou os olhos para mim e para Kelsey

— Posso lhes dar um conselho antes de partirem?

— É claro que sim, Deusa

— Lembrem-se de se manterem juntos. Se forem separados, não confiem em seus olhos. Usem o coração. Ele lhes dirá o que é real e o que não é. Quando obtiverem o fruto, escondam-no bem, pois existem outros que desejam pegá-lo e usá-lo para o mal e com propósitos egoístas.

— Mas não devemos lhe trazer o fruto de volta como oferenda?

A mão que acariciava o tigre Damon se imobilizou em seu pelo e a carne endureceu até se tornar áspera e cinza.

— Vocês já fizeram sua oferenda. O fruto tem outro propósito, do qual tomarão conhecimento no devido tempo.

— E quanto aos outros presentes, às outras oferendas?

— Podem me fazer as outras oferendas em meus outros templos, mas os presentes vocês devem guardar até…

A Deusa e seu tigre voltaram à forma inanimada.

Kelsey tocou a cabeça da estátua do tigre, depois limpou a poeira dos dedos na calça.

Comecei a ouvir o som de seixos caindo. Kelsey estava perdida em pensamentos observando a estátua, não parecia estar ouvindo os sons.

Aproximei-me dela, que começou a acariciar os meus pelos distraidamente. Caminhamos em direção à saída, onde eu aguardei enquanto Kelsey apagava minhas pegadas marcadas na poeira do chão do templo.

Fomos até o jipe e encontramos Kadam dormindo. Ele despertou e Kelsey perguntou se ele tinha visto o terremoto. Kadam ficou confuso respondendo que não havia percebido nada de diferente.

Quando ele viu a gada, pediu para segurá-la. Surpreendentemente, teve um pouco de dificuldades mesmo segurando com as duas mãos. A arma pareceu pesada para Kadam, enquanto Kelsey segurava a gada facilmente com apenas uma das mãos.

— É linda! — exclamou.

— Devia vê-la em ação. O senhor estava certo. Decididamente recebemos a bênção de Durga. — Mostrando-lhe Fanindra.

Saimos dali para Hampi em busca do fruto dourado.