Durante a viagem de volta, Kelsey contou a Kadam tudo o que acontecera dentro do templo. Ele fez várias perguntas e estava muito empolgado com tudo, tanto que esqueceu-se de mim, e foi direto para o hotel. Tive que ficar abaixado enquanto atravessávamos a cidade de volta à selva.

Quando desci do carro, Kelsey me acompanhou até a entrada da mata, despediu-se dizendo que eu poderia ir ao quarto dela se quisesse, pois ela guardaria um pouco do jantar pra mim. Fiquei muito satisfeito em saber que ela sentia minha falta e queria ficar perto de mim.

Fiquei observando enquanto ela se afastava e corri para o meio da selva depois que ela entrou no carro.

Bem mais tarde, fui ao quarto dela. Como já tinha usado quase todo o meu tempo naquele dia, só me transformei quando já estava dentro do quarto.

Kelsey usava um pijama e parecia sonolenta. Comi rapidamente o jantar que ela havia guardado pra mim, e a puxei para o meu colo. Conversamos um pouco, embora ela quase não tenha falado. Vi que ela estava com sono e comecei a embalá-la, assoviando baixinho.

Ela reclamou baixinho quando a segurei em meus braços para ajeitá-la na cama, dizendo que não iria dormir. Bem que eu queria que ela ficasse acordada me beijando, mas ela estava muito cansada.

Eu a levei até sua cama, beijei-lhe a testa delicadamente e coloquei a colcha sobre ela.

No meio da noite, Kelsey acordou assustada. Quando olhei preocupado ela me fez um carinho e explicou que Fanindra tinha ganhado vida e saído do seu braço, apontando para a mesinha de cabeceira, onde vi a cobra imóvel.

Esperei até ter certeza de que Kelsey tinha voltado a dormir, e não consegui dormir de novo, pois já amanhecia. Corri para a selva onde dormi mais um pouco.

Quando acordei, vi que o sol já estava quase no meio do céu. Andei em direção à estrada farejando o jipe. Corri até lá. Kelsey me olhava de forma sugestiva:

— Dormiu um pouco demais hoje, hein?

Me fiz de desentendido entrando no carro e me deitando no banco de trás. Seguimos para Hampi.

Antes de chegar ao Templo de Virupaksha, Kadam me deixou na selva onde eu deveria ficar escondido, já que haveria muitos turistas no templo e seria arriscado eu ficar no jipe. Ele e Kelsey foram até lá, para explorar.

Eu fiquei sozinho na selva e aproveitei para dormir um pouco. Eu já estava há alguns dias sem me alimentar como tigre, então achei melhor poupar energia.

À noite, Kelsey e Kadam voltaram e trouxeram comida. Kelsey me contou sobre o “passeio” e as construções que viu enquanto dividia o jantar comigo.

Kadam nos explicou que as ruínas eram fechadas aos visitantes no fim do dia, a menos que houvesse um evento especial acontecendo.

— Durante a noite, há guardas de vigia, atentos a caçadores de tesouros. Na verdade — completou ele — os caçadores de tesouros são responsáveis por grande parte da destruição que se vê nas ruínas hoje. Eles procuram ouro e joias, mas essas coisas foram levadas de Hampi há muito tempo. Os tesouros atuais de Hampi são exatamente o que eles estão destruindo.

Kadam achava que era melhor nos deixar em um local do outro lado das colinas, onde não havia estradas levando para Hampi, tampouco guardas.

— Mas, se não há estradas, como vamos chegar lá? Perguntou Kelsey.

Ele sorriu.

— Uma das razões por que comprei o Jeep, Srta. Kelsey, é ele ser off-road. — Ele esfregou as mãos, animado. — Vai ser emocionante!

— Ótimo. Já me sinto enjoada.

— A senhorita vai precisar carregar a gada em sua mochila. Acha que consegue?

— Claro. Não é tão pesada assim.

Ele parou o que estava fazendo e olhou, atônito.

— O que quer dizer com não é tão pesada? Na verdade, é muito pesada.

Ele a desembrulhou e a ergueu com as duas mãos, forçando os músculos.

— Isso é estranho — murmurou, Kelsey intrigada. — Eu me lembro de tê-la achado leve para o tamanho.

Kelsey pegou a gada e a ergueu com facilidade. Kadam segurou novamente com dificuldade e comentou:

— Para mim, parece pesar uns 20 quilos.

— Para mim, talvez uns dois ou quatro.

— Impressionante — admirou-se ele.

— Não tinha ideia de que pesasse tanto — acrescentou, perplexa.

Eu estava louco para experimentar a arma, mas ainda não podia me tornar homem.

Entramos no jipe e rumamos ao templo pelo caminho alternativo. Kadam montou um pequeno acampamento e nos orientou antes de irmos:

— Não use a lanterna a menos que isso seja essencial. Há guardas de segurança andando pelas ruínas à noite. Fiquem alerta. Ren pode farejar sua aproximação, então vocês não devem ter problemas. Além disso, sugiro que Ren permaneça como tigre o máximo possível para o caso de você precisar dele mais tarde. Boa sorte, Srta. Kelsey. Lembre-se de que podem não encontrar nada. Talvez seja necessário começar tudo de novo amanhã à noite, mas temos bastante tempo. Não se preocupe. Não estamos sob nenhuma pressão.

— Está bem. Lá vamos nós!

Fomos caminhando no escuro. Eu fui à frente guiando Kelsey. Estava escuro demais para ela, que tropeçou algumas vezes.

Então, percebi uma luz verde, suave, que vinha dos olhos de Fanindra. Ela estava iluminando o caminho para Kelsey. Me senti grato por isso.

Depois de uma hora de caminhada, farejei o ar e percebi que não havia perigo. Seguimos rapidamente e atravessamos as ruínas, abrindo caminho em direção à estátua de Ugra Narasimha. Começamos a procurar por fissuras, marcas, entalhes ou qualquer sinal da entrada para Kishikinda, mas não encontramos nada. Kelsey estava exausta e queria desistir.

Então ela levantou-se de repente, seguiu para o Templo de Vithala e começou a bater nas colunas musicais, que tilintavam como sinos. Uma escultura de Durga surgiu ao lado da estátua.

— É isso! O sinal de Durga! Muito bem, acertamos uma coisa. O que fazer agora? Uma oferenda? — gemeu de frustração. — Não temos nada para ofertar!

A boca da estátua metade homem, metade leão se abriu e uma névoa fina e cinzenta começou a jorrar dela.

Baforadas do vapor frio e fumacento desceram pelo corpo da estátua, derramaram-se até o chão e começaram a se expandir em todas as direções. Kelsey manteve as mãos em minha cabeça.

Então ela me largou e começou a escalar a estátua, procurando no alto. Eu rugi baixinho a fim de que ela descesse, mas ela me ignorou e continuou subindo. Kelsey procurou na cabeça da estátua mas não encontrou nada. Pulou lá de cima, tropeçando quando alcançou o chão.

Corri para ver se ela estava bem e me coloquei a seu lado. Kelsey começou a falar comigo sobre a história de Ugra Narasimha e disse que deveríamos tentar reproduzi-la:

— Muito bem, são cinco partes. A primeira coisa de que precisamos é de um ser metade homem e metade animal, portanto este é você. Fique aqui perto de mim. Você pode ser Ugra Narasimha e eu serei o rei demônio. Em seguida, precisamos ficar em um lugar que não é nem dentro nem fora, então vamos procurar algum degrau ou portal. — Acho que havia um pequeno portal aqui, perto da estátua.

Encontramos o umbral e nos colocamos sob ele.

—A terceira parte era nem dia nem noite. O crepúsculo já passou. Acho que posso tentar usar a lanterna. Então havia a parte sobre as garras. Que você de fato tem. Humm, acho que você precisa me arranhar. A história diz matar, mas me arranhar pode ser suficiente. — Talvez você precise tirar um pouco de sangue de mim.

Eu rugi, me negando. Por nada eu iria machucá-la. Ela era preciosa demais e eu jamais faria algum mal a ela, por menor que fosse.

— Está tudo bem. Só um arranhãozinho. Nada demais.

Coloquei a pata delicadamente sobre o braço dela. Coloquei as garras para fora. Ela fechou os olhos e se encolheu.

Meu coração ficou apertado e lágrimas umedeceram meus olhos. Eu não podia fazer aquilo com ela. Então cortei a mim mesmo.

Quando Kelsey percebeu, ela disse preocupada:

— Ren! Deixe-me ver. Foi sério?

Mostrei as patas, onde eu tinha me arranhado e o sangue corria. Ela ficou zangada:

— Sei que você pode sarar rápido, mas tinha que se cortar tão fundo, Ren? Sabe que de qualquer modo pode não funcionar se eu não sangrar. Reconheço o seu sacrifício, mas ainda quero que você me arranhe. Sou eu que estou representando o rei demônio, então me arranhe… de preferência não tão fundo assim.

Eu tentei, mas não consegui. Arranhei levemente o braço dela, que não sangrou.

— Ren! Faça logo, por favor. Agora.

Então eu fiz. Ela sangrou e eu mal pude olhar. Me sentia mal por tê-la ferido.

— Agora, o último requisito é que o rei demônio não pode estar nem no céu nem na terra. Ugra colocou o demônio em seu colo, o que significa, eu acho, que vou ter que… me sentar nas suas costas.

Ela colocou a mochila no chão, e tentou subir, constrangida em minhas costas. Eu tentei me transformar em homem e consegui, segurando-a em meus braços. Ela começou a se debater tentando se livrar de mim, mas lancei um olhar que ela entendeu bem e parou de discutir.

— O que vem em seguida? Perguntei.

— Não sei. Isso foi tudo que o Sr. Kadam me contou.

Fui até o portal, com ela no colo mas não vi nada diferente. Comecei a procurar no entorno mas não achei nada. Então olhei para Kelsey e ela estava me olhando, com um sorriso satisfeito e um olhar de desejo. Eu lhe disse brincando:

— Kells? Estamos aqui quebrando uma maldição, lembra?

Ela apenas sorriu.

— Em que você estava pensando agora? Perguntei.

— Nada importante.

Eu sorri.

— Então saiba que você está numa posição perfeita para que eu lhe faça cócegas e que não tem como fugir. Vamos, fale.

Ela me olhou pensativa e sorriu nervosa:

— Se me fizer cócegas, vou me debater com violência, o que fará você me deixar cair e estragar o que estamos tentando fazer.

Eu me inclinei para sussurrar em seu ouvido:

— Parece um desafio interessante,rajkumari. Poderemos experimentá-lo mais tarde. E, só para registrar, Kelsey, eu não a deixaria cair.

Senti os pelos do braço dela se arrepiarem e sorri satisfeito. Ela tentou disfarçar acendendo a lanterna. Olhando para a estátua imóvel ela sugeriu:

— Nada está acontecendo. Talvez devêssemos esperar até o amanhecer.

Naquele momento, eu não estava interessado na estátua ou na profecia. Só o que me interessava era a mulher em meus braços. Eu estava hipnotizado pelo cheiro dela e só queria aproveitar. Dei uma risada e disse baixinho em seu ouvido:

— Eu diria que alguma coisa está acontecendo, mas não do tipo que vá abrir o portal.

Comecei a beijar sua orelha descendo lenta e suavemente até o seu pescoço. Kelsey suspirou e virou o pescoço, facilitando minha tarefa. De repente eu percebi que se não parasse naquele exato momento, não conseguiria me segurar, então gemi e ergui a cabeça, interrompendo a sessão de beijos.

Ela perguntou frustrada:

— O que significa rajkumari?

— Significa princesa — Respondi colocando-a no chão — Vamos procurar um lugar para dormir algumas horas. Vou correr e avisar ao Sr. Kadam que estamos planejando esperar até o amanhecer para tentar de novo.

Deixei Kelsey em um gramado, onde ela se acomodou e saí. Quando voltei ela estava acordada. Deitei-me a seu lado, como tigre e ela se aconchegou a meu corpo e dormiu.

Algumas horas depois, me levantei e resolvi que deveríamos tentar de novo antes do amanhecer. Me transformei em homem e a peguei no colo levando-a até o portal. Ela reclamou que poderia ir andando, mas eu dei de ombros, dizendo que ela estava muito cansada.

Quando chegamos, a estátua estava como tínhamos deixado – os olhos vermelhos da serpente brilhando e a névoa vertendo de sua boca.

Estávamos parados no portal quando senti o corpo de Kelsey ficar tenso. Olhei e vi Fanindra. Ela havia ganhado vida e estava se desenrolando do braço de Kelsey em seu tamanho natural.

Coloquei Kelsey no chão e ela se abaixou para deixar que a cobra deslizasse. Fanindra foi até a estátua da cobra sob Ugra Narasimha. As sete cabeças da cobra ganharam vida à medida que Fanindra passava por elas.

Fanindra refez seu caminho e se transformou novamente em bracelete. Eu a recolhi e a deslizei pelo braço de Kelsey. Ao ver as marcas do arranhão feito por mim na noite anterior, me senti mal e franzi a testa. Dei um beijo no local e me transformei em tigre.

Aproximamo-nos da estátua. O corpo em espiral da cobra se deslocava e começou a erguer a estátua lentamente, ate surgir um buraco escuro sob ela. A imagem do Deus Macaco se elevou de modo a haver espaço suficiente para que passássemos por ele.

Olhamos pelo buraco e vimos vários degraus. A boca da estátua de repente parou de lançar a névoa e, em vez disso, começou a sugá-la de volta. A névoa se precipitou em nossa direção, subindo à boca da estátua e depois mergulhando no fosso abaixo. Passamos pelo buraco e começamos a descer os degraus.

Tínhamos encontrado a entrada para Kishkindha.