Eu estava tão exausto que dormi profundamente. Na manhã seguinte quando acordei, Kishan já tinha ido embora. Kelsey dormia apoiada em minhas costas.

Eu me levantei e fiquei olhando pra ela por um tempo, admirando a bela mulher que eu pensava ser minha, o que não passara de um sonho.

Pensando nas atitudes dela, fiquei muito confuso. Não sabia como pude me enganar tanto. Eu estava certo de que ela me amava. Eu não conseguia compreender...

Transformei-me em homem, coloquei mais lenha na fogueira e voltei ao tigre, afastando-me um pouco dali para fazer minhas necessidades.

Quando voltei, Kelsey já estava acordada mas estava deitada de bruços e parecia não estar se sentindo bem. Aproximei-me dela e toquei seu rosto com meu focinho, preocupado.

— Ah, não se preocupe comigo. Vou ficar aqui deitada até minha coluna se realinhar.

Comecei a pisar em suas costas com minhas patas, tentando massageá-las. Mas não obtive o efeito desejado.

— Obrigada, Ren, mas você é pesado demais. Está me deixando sem ar.

Então me transformei em homem e comecei a massagear as costas dela com as minhas mãos. Ela começou a ficar tensa e enrijecer os músculos.

— Relaxe, Kelsey. Suas costas estão cheias de nós. Deixe-me tirá-los.

Massageei as costas e depois fui em direção aos ombros e pescoço. Tocar a pele dela assim era delicioso. Eu gostava de sentir seu calor e as pequenas fagulhas elétricas que surgiam quando a tocava.

Comecei a acariciá-la e a imaginar como seria maravilhoso beijá-la.

Então me lembrei de como ela havia me rejeitado. Resolvi que a sessão de massagem estava encerrada.

Ela se sentou e testou as costas, em seguida eu a ajudei a ficar em pé segurando-lhe pelo cotovelos.

— Está se sentindo melhor, Kelsey?

Ela sorriu e respondeu:

— Estou. Muito obrigada — jogando os braços ao redor do meu pescoço em um caloroso abraço.

Eu não sabia como proceder. Ela havia dito não ao meu beijo e por isso eu não sabia ao que aquele abraço significava.

Talvez fosse só um abraço de agradecimento, mas eu estava tenso e não consegui retribuí-lo. Eu tirei os braços dela do meu pescoço e segurei as mãos dela castamente.

— Fico feliz que esteja se sentindo melhor.

Eu me afastei indo até o outro lado da fogueira e me transformei em tigre. Eu estava muito confuso com aquela situação e estava envergonhado por ter interpretado mal os sentimentos dela. Eu estava com ciúmes pela relação dela com Kishan e estava frustrado por não ter meus sentimentos correspondidos.

Olhei para ela rapidamente e vi que ela também me olhava. Seu olhar parecia triste. Eu quase me arrependi por ter sido rude. Então ela começou a falar:

— É… Ren, você precisa caçar antes de partirmos. Seu irmão mencionou isso e acho sensato considerar a sugestão.

"Kishan? Ela agora da ouvidos àquele traidor?"

Bufei e me deitei de lado. Estava muito irritado.

— Estou falando sério. Prometi a ele que você iria e… não vou sair desta selva até que tenha caçado. Kishan disse que você está magro demais para um tigre e que precisa comer um javali ou algo assim.

"Magro demais? Quem ele pensa que é? Eu não estou passando fome. Foi por culpa dele que eu tive que ficar na selva tanto tempo e fiquei sem me alimentar. Mas o que ele pensa? Que só porque ele tem aqueles músculos todos de tanto correr e se exercitar ele pode ficar denegrindo a minha imagem para a mulher que eu..."

"Ah, o que eu estou pensando? Ela nem me quis!"

"Ainda assim, ele tem que saber que este aqui é meu território e não dele."

Me levantei e comecei a esfregar as costas em uma árvore próxima.

— Suas costas estão coçando? Posso coçar para você. É o mínimo que devo fazer depois dessa massagem.

"Sobre o que ela está falando?"

Eu não estava me coçando. Estava deixando o meu cheiro, para Kishan saber que ele não era bem vindo ali.Deitei-me e comecei a me esfregar no chão. Kelsey pareceu ofendida quando disse:

— Você prefere esfregar as costas na terra a me deixar coçá-las para você? Ótimo! Faça isso então, mas ainda assim não vou embora antes de você caçar!

Ela entrou na barraca e fechou o zíper.

Eu parei de me esfregar e raciocinei. Eu estava sendo um idiota agindo daquela forma. Meu ciúme e minha arrogância estavam me deixando cego.

Kelsey tinha razão. Eu tinha que estar forte para cuidar dela. Precisava me alimentar melhor. E aquela era uma oportunidade de caçar. Havia tanto tempo que eu não caçava. Resolvi tentar.

Mas eu não podia deixa-la sozinha. Sabia que uma caçada nas minhas condições de tigre branco e destreinado poderia demorar alguns dias.

Coloquei meu ciúme de lado e me conformei de que Kelsey não me queria, e que a segurança dela era mais importante que meu orgulho.

Segui o rastro de Kishan. Desta vez o encontrei não muito longe dali. Expliquei a ele que iria caçar e que precisava que ele cuidasse de Kelsey enquanto eu estivesse fora. Também lhe pedi para ir até o acampamento de Kadam buscar mais comida para ela, caso eu demorasse a voltar.

Eu sabia que podia confiar nele para cuidar de Kelsey, ele a protegeria. E se no fim, ela o escolhesse eu deveria me conformar.

Antes de ir, eu disse a ele o real motivo de ter vindo procurá-lo. Pedi a ele que deixasse seu amuleto com Kelsey para protegê-la.

Ele não me respondeu. Olhou nos meus olhos e me disse que nós deveríamos aceitar nosso destino, ao invés de colocar uma menina tão doce em perigo. Ele parecia triste. Me disse que cuidaria de Kelsey, transformou-se em tigre e saiu em direção ao acampamento.

Saí pela selva procurando por presas distraídas.

Tigres não são como guepardos, que perseguem a presa em grande velocidade. Nós procuramos a maior presa possível, que não exija muito esforço para a caçada.

Tigres esperam que as presas estejam distraídas e chegam perto o suficiente para que ela não possa fugir, aí dão um pulo longo e rápido, seguram a presa com suas garras e prendem os caninos no pescoço ou na nuca da vítima. E ficam lá até que o animal morra por asfixia. Depois disso, é só comer bastante para ficar 4 ou 5 dias sem precisar caçar outra vez.

Para conseguir êxito em uma caçada, o fator surpresa é essencial. Tigres conseguem se movimentar tão silenciosamente que são capazes de se aproximar das presas sem serem notados. Aí é que está o meu problema: além do silêncio, a capacidade de se camuflar é o que possibilita esse ataque surpresa. No meu caso, o pelo branco acusa a minha presença.

As presas também têm mecanismos eficazes de se livrar do predador, e muitas fazem sons que acusam a presença do tigre. Então eu tinha que encontrar uma presa sozinha e distraída,. E não podia ser muito exigente.

Nos dois primeiros dias, tentei me manter escondido, mas acho que não fui muito competente, porque os animais estavam muito atentos.

Os Macacos estavam no alto de árvores, fazendo aquele som estranho que parece uma tosse seca.

Vi algumas aves grandes, que também seriam presas interessantes, mas essas eram impossíveis de surpreender. Voavam à menor tentativa de aproximação.

Eu estava procurando qualquer animal distraído, de preferência sozinho que eu pudesse matar. Mas até aquele momento não havia conseguido nada. Eu já estava cansado e realmente com fome.

No quarto dia, encontrei um grupo de antílopes.

Ungulados têm um sabor maravilhoso e já fazia muito tempo que não comia um. Fiquei salivando quando vi aqueles animais.

Haviam muitas fêmeas e alguns machos, estes ostentando longos chifres. Olhei atentamente tentando encontrar filhotes ou indivíduos doentes ou fracos, mas aquele grupo só possuía adultos saudáveis. Ainda assim, resolvi me arriscar.

Comecei a rondar aquele grupo, tentei me aproximar muito silenciosamente, mas fui visto. Quase sempre o tigre desiste da caça se ela notar sua presença. Por isso, as vítimas em potencial apresentam sistemas de alarme sonoro para avisar ao tigre que ele foi desmascarado.

Os antílopes começaram emitir um som que lembrava um choro. Mas isso não me fez desistir. Eu estava convicto do sucesso da caçada. Se a presa não dispõe de uma saída, não há por que ser discreto. Assim, tentei encurralá-los. Mas foi em vão.

Fiquei o dia todo tentando atacá-los, mas eles se juntavam e se afastavam todas as vezes que eu tentava uma aproximação.

No quinto dia, eu já estava exausto e faminto e os animais estavam atentos a mim, de forma que eu não conseguia encurralar qualquer um deles.

Mas esta atenção ao tigre branco, fez com que eles se descuidassem de outro predador: O tigre negro.

Percebi a presença de Kishan ainda no meio das árvores. O ataque foi rápido e despachou o grupo em rápida debandada.

Kishan isolou um grande macho, que disparou numa direção diferente da do bando. Ele perseguiu o antílope, encurralando-o em um bosque, saltou em suas costas, enterrou as garras dianteiras no flanco do animal e mordeu sua coluna.

Nesse momento, eu saí em disparada do meio das árvores indo até o animal e mordendo uma das patas dianteiras.

De alguma forma, o antílope se contorceu e conseguiu escapar de Kishan, derrubando-o. O tigre negro começou então a andar em círculos em torno dele, procurando outra oportunidade para saltar.

Enquanto isso, eu me movimentava de um lado para outro enquanto o antílope apontava os chifres para mim.

O animal acuado continuava concentrado, sempre se protegendo com os chifres. Suas orelhas se contraíam para a frente e para trás, atentas aos ruídos de Kishan, que havia se posicionado furtivamente atrás dele.

Kishan saltou e desferiu um golpe com a garra contra a anca do animal. A força do golpe derrubou o antílope.

Vendo a oportunidade, saltei para morder-lhe o pescoço. O antílope se retorcia, tentando se erguer. Ele deu vários coices e atingiu a nós dois com seus cascos. Mas nós estávamos levando vantagem.

Por fim o animal parou de se mover.

Após abatermos o animal, paramos para descansar. Kishan começou a comer primeiro, mas eu estava exaurido, precisei de um pouco mais de tempo para recuperar minhas forças.

Quando finalmente comecei a comer, foi um deleite. Comi o máximo que eu pude.

Como era de se esperar, cansado e de barriga cheia, deitei-me e tirei um cochilo. Quando acordei, vi algumas nuvens escuras no céu. Então me lembrei que, se Kishan estava ali, Kelsey estava sozinha no acampamento.

Comi mais um pouco da caça, e parti em direção ao acampamento, mas ainda estava lento por causa da comida. Não cheguei antes da chuva.