Retornamos à selva.

Kelsey não estava animada. Ela realmente não gostou da experiência.

Eu me recriminava todas as vezes em que pensava nisso. Eu não deveria tê-la feito passar por isso.

Pensei em me transformar em homem e conversar com ela, mas achei melhor não. Eu tinha tão pouco tempo, e sabia que poderia precisar dele para algo urgente. E de acordo com os planos de Kadam, nós chegaríamos em casa ainda naquele dia, e eu precisaria usar esses minutos como homem quando chegássemos.

Passamos pelo lago Suki após algumas horas. Havia muitas aves e pequenos animais. Eu estava sempre atento quanto à presença de qualquer ameaça. Quando percebi que ela estava com medo de jacarés, passei a caminhar entre ela e o lago, para lhe dar mais segurança.

Eu caminhava devagar para que ela pudesse me acompanhar e procurava os locais com mais sombra, para evitar que o sol forte queimasse sua pele clara.

Após mais algumas horas, parei para beber água em um riacho e Kelsey aproveitou para almoçar. Phet havia preparado uma refeição e colocado na mochila. Assim, não precisamos comer barras de cereais outra vez.

Quando saímos da selva, após mais algumas horas caminhando, farejei o jipe que Kadam havia deixado estacionado por ali. Caminhei em direção ao veículo e me sentei ao lado, tentando fazer com que Kelsey entendesse que deveria entrar nele.

— É o carro? Você quer que eu entre nele? O.k. Só espero que o dono não fique chateado.

Havia um bilhete de Kadam lá dentro

Srta. Kelsey,

Por favor, me perdoe. Eu queria lhe contar a verdade.

Aqui está um mapa com indicações de como chegar à casa de Ren, onde irei encontrá-la. As chaves estão no porta-luvas. Não se esqueça de dirigir do lado esquerdo da estrada.

A viagem dura cerca de uma hora e meia. Espero que cheguem bem.

Seu amigo

Anik Kadam

Ele havia providenciado um GPS, que segundo ele, era um aparelho de localização moderno, que indicaria à Kelsey como chegar até em casa.

Deitei-me no banco de trás. Kelsey parecia tranquila e satisfeita, então pude relaxar e acabei cochilando.

Acordei quando o balanço do carro mudou. Abri os olhos e vi que havíamos deixado a estrada e entrado em um caminho de pedras. Havíamos chegado.

— Ren, sua casa é incrível! Não acredito que você seja o dono disto!

A casa era realmente fantástica. Não era tão grande quanto o palácio real de Mujulaain, mas era realmente incrível. Era circundada por plantas tropicais, havia uma piscina e uma banheira na lateral da casa de 3 andares. Kelsey estava impressionada.

Ela tirou os sapatos e entrou, indo em direção a uma biblioteca. Nós dois começamos a explorar o lugar. Kadam, nos ouviu. Eu já o havia farejado, quando ele gritou da cozinha:

— Srta. Kelsey? É você?

Eu estava com medo de ela ainda estar zangada com ele, mas ela respondeu empolgada, seguindo o som da voz dele:

— Sim, sou eu, Sr. Kadam.


Kadam estava ocupado preparando uma refeição. Ela pareceu feliz em vê-lo.

—Srta. Kelsey! — Ele veio correndo ao seu encontro — Estou tão feliz em vê-la. Espero que não esteja zangada comigo.

Parecia que Kelsey havia conquistador Kadam também.

— Bem, não estou muito feliz com a maneira como tudo aconteceu, mas — sorriu para ele e baixou os olhos para mim — culpo este aqui mais do que ao senhor. Ele admitiu que o senhor queria me contar a verdade.

Baixei a cabeça envergonhado. Kadam fez uma careta, desculpando-se, e assentiu com a cabeça.

— Por favor, nos perdoe. Não tínhamos a intenção de aborrecê-la. Venha. Preparei a comida.

Os dois conversaram despreocupadamente, como velhos amigos. Kelsey perguntou se ele a teria sequestrado caso ela dissesse não à sua proposta no Oregon.

Ele respondeu que apenas se ela ainda dissesse não após nós termos contado a verdade e riu da própria piada. Kelsey ela não achou graça.

Eu fiquei pensando a respeito disso enquanto eles continuavam conversando. Eu nunca havia pensado no que faria se ela tivesse dito não. Na verdade, eu nunca vislumbrei essa possibilidade.

Eu tinha tanta certeza de que ela sentia por mim o mesmo que eu sentia por ela, que ela iria querer ficar comigo. Mas como eu poderia saber? Eu era um tigre! Como poderia esperar que ela me amasse.

Ela certamente gostava do animal. Eu era realmente um tigre magnífico. Meu pelo branco e olhos azuis chamavam a atenção das pessoas, e isto chamou a atenção dela. E certamente meu comportamento humano foi o que a cativou. Um tigre dócil é o sonho de qualquer pessoa.

Por outro lado, ela foi a pessoa que conseguiu trazer a humanidade de volta ao animal, e a ligação que eu sentia com ela era muito forte. Ela devia sentir o mesmo.

Distraí-me em meus pensamentos e quanto voltei a prestar atenção na conversa, Kadam e Kelsey estavam falando sobre Durga.

Kelsey era muito curiosa e interessada. Queria saber tudo sobre a Deusa.

Kadam pacientemente respondia suas perguntas e lhe explicava tudo o que podia sobre o assunto.

Eu mesmo nunca havia sido devoto da Deusa, e aprendi um pouco mais sobre ela.

— A deusa Durga nasceu do rio para ajudar a humanidade em seus momentos de necessidade. Ela enfrentou um demônio, Mahishasur, que era meio humano, meio búfalo. Ele aterrorizava a terra e o céu, e ninguém conseguia matá-lo. Assim, Durga assumiu a forma de uma deusa guerreira para derrotá-lo.

— Sr. Kadam, não é minha intenção ser desrespeitosa e espero não ofendê-lo, mas não acredito nesse tipo de coisa. Acho fascinante, mas estranho demais para ser verdade. Tenho a sensação de que estou presa em algum tipo de mitologia indiana na série de TV Além da imaginação.

Kadam sorriu.

— Ah, Srta. Kelsey, não se preocupe. Eu não me ofendi. Durante minhas viagens e pesquisas tentando ajudar Ren e seu irmão Kishan a quebrar a maldição, tive que me abrir para novas ideias e crenças que eu mesmo jamais havia considerado. Cabe ao seu coração decidir e saber o que é real e o que não é.

— Acho que sim.

— A senhorita deve estar bem cansada da viagem. Vou lhe mostrar o quarto onde poderá descansar.

Kadam levou Kelsey até seu quarto. Eu fiquei esperando por ele. Quando retornou, Kadam me disse que também tinha um quarto para mim, e que eu poderia arrumá-lo como quisesse.

Também disse que havia comprado roupas novas para Kelsey, com a ajuda de Nilima. Disse que comprou roupas básicas, como as que ela costumava usar sempre, mas que também havia comprado algo diferente, algo belo e azul, conforme eu tinha pedido.

Eu subi até o meu quarto deixando Kadam no andar de baixo. Transformei-me em homem e tomei um banho rápido.

Fazia muitos anos que não tomava um banho na minha forma humana. Sempre que eu me transformava, estava limpo e vestido, mas senti que precisava me lavar para relaxar, e mandar embora um certo medo que estava sentindo. Eu sabia da relação especial entre a mulher e o tigre, mas ainda não sabia como seria essa relação entre a mulher e o homem.

Eu me vesti e fui até a varanda que dava na porta do quarto de Kelsey. Antes de bater na porta de vidro eu a vi. Estava sentada na cama segurando um livro.

Meu coração parecia que iria pular do meu peito. Ela levantou-se e caminhou sorrindo em minha direção, abriu a porta e saiu para a varanda, olhou nos meus olhos e corou.

Eu estava encantado com sua doçura. Eu a olhei, admirando cada detalhe. Ela estava usando um pijama simples. Eu fiquei um pouco decepcionado, pois esperava vê-la vestida de azul. Franzi a testa e perguntei:

— Por que não está usando as roupas que comprei para você? As que estão no closet e na cômoda?

— Ah… Você quer dizer que aquelas roupas são para mim? — perguntou, confusa. — Eu não… Mas… Por que você iria… Como… Bem, de qualquer forma, obrigada. E obrigada por me deixar usar este quarto lindo.

Ela ficou sem jeito e eu fiquei ainda mais encantado. Estiquei a mão para pegar uma mecha solta dos cabelos dela e o prendi atrás da orelha. Senti levemente sua pele macia e seu cheiro doce maravilhoso. Ela cheirava a pêssego com creme.

— Gostou das flores? Perguntei

Ela ficou calada me olhando até que disse sim, falando baixinho. Eu a conduzi até uma cadeira na varanda, segurando cuidadosamente seu cotovelo. Assim que ela estava confortável eu me sentei na cadeira em frente.

— Kelsey, sei que você tem muitas perguntas para mim. O que quer saber primeiro?

Eu estava nervoso, mas queria aparentar tranquilidade para que Kelsey se sentisse a vontade para perguntar o que quisesse. Mas ela estava calada, me olhando. Eu não sabia ao certo o que pensar. Após alguns segundos ela disse:

— Você não se parece com outros homens indianos. Seus… seus olhos são… diferentes e… — falou gaguejando

— Meu pai tinha ascendência indiana, mas minha mãe era asiática. Era um princesa de outro país que foi prometida a meu pai como noiva. Além disso, tenho mais de 300 anos, o que também deve fazer alguma diferença, suponho.

— Mais de 300 anos! Isso significa que você nasceu em…

— Nasci em 1657.

— Certo. — Ela se remexeu na cadeira e eu quase me arrependi de ter dito aquilo. —Então por que você aparenta ser tão jovem?

— Não sei. Eu tinha 21 anos quando me lançaram a maldição. Não envelheci mais depois disso

"Por favor Iadala, não fique assustada com minha idade", pensei. "Os 300 anos como tigre não deveriam contar..."

— E o Sr. Kadam? Quantos anos ele tem? E como o chefe do Sr. Kadam se encaixa nessa história? Ele sabe sobre você?

Eu ri.

— Kelsey, eu sou o chefe do Sr. Kadam.

— Você?Você é o rico empregador dele?

— Na verdade não definimos nosso relacionamento dessa forma, mas a explicação que ele lhe deu foi mais ou menos precisa. Quanto à idade do Sr. Kadam, isso é mais complicado. Ele é um pouco mais velho que eu. Era meu general e o conselheiro militar de confiança de meu pai. Quando a maldição recaiu sobre mim, corri para ele e consegui voltar à forma humana por tempo suficiente para lhe contar o que acontecera. Ele rapidamente organizou as coisas, escondeu meus pais e seus bens, e desde então tem sido meu protetor.

— Mas como ele pode estar vivo ainda? Deveria ter morrido há muito tempo.

Respondi hesitante:

— O Amuleto de Damon o protege do envelhecimento. Ele o usa no pescoço e nunca o tira.

— Damon? Não é esse o nome do tigre de Durga?

— Isso. O nome do tigre de Durga e do amuleto são o mesmo. Não sei muito sobre essa conexão nem sobre as origens do amuleto. Tudo o que sei é que ele se quebrou em vários pedaços há muito tempo. Alguns dizem que são quatro pedaços, cada um deles representando um dos elementos

básicos, os quatro ventos, ou mesmo os quatro pontos cardeais. Outros dizem que são cinco ou mais. Meu pai me deu seu pedaço e minha mãe deu o dela a Kishan. O homem que lançou a maldição do tigre sobre mim queria nossos pedaços do amuleto. Foi por isso que enganou Kishan. Ninguém sabe com certeza que tipo de poder o amuleto exerceria se todos os pedaços fossem reunidos. Mas ele era cruel e nada o deteria em seu propósito de obter todos os pedaços e descobrir.

— Que pessoa detestável.

Dei de ombros

— Então o Sr. Kadam agora usa o meu pedaço do amuleto. Nós acreditamos que seu poder o vem protegendo e mantendo vivo todo esse tempo. Embora ele tenha envelhecido, isso vem acontecendo, felizmente, muito devagar. É um amigo de grande confiança que abriu mão de muita coisa para ajudar minha família ao longo dos anos. Nunca poderei pagar minha dívida com ele. Não sei como teria sobrevivido todo esse tempo sem seu auxílio. O Sr. Kadam cuidou dos meus pais até a morte deles e os protegeu quando eu não pude fazê-lo.

Lembrar dos meus pais me deixou triste. Pensar em como nossa família era feliz e como tudo acabou de forma trágica, em como meus pais haviam morrido tantos anos antes e eu não estava lá com eles.

Fiquei calado por um tempo, até que senti as mãos delas sobre as minhas. Foi a primeira vez que ela me tocou como homem. E o que eu senti naquele momento não sei descrever. Meu coração se acalmou.

Segurei a mão dela e comecei a acariciá-la distraidamente. Fiquei olhando a paisagem e me lembrando de casa, da minha família, em como éramos felizes. Kelsey me trouxe de volta pra casa e eu seria eternamente grato a ela por isso.

Queria continuar assim, de mãos dadas com a mulher que eu amava por horas. Mas não demorou para eu começar a sentir levemente os tremores que precedem a transformação.

Eu olhei para o rosto lindo de Kelsey, sorri e beijei seu dedos macios e perfumados. Sempre lhe dava beijos de tigre, que nada mais eram do que lambidas. Sentir meus lábios tocando sua pele macia foi maravilhoso.

— Venha, Kelsey. Você precisa dormir e meu tempo está se esgotando.

Eu a puxei colocando-a de pé. Nossos corpos ficaram muito próximos. Eu podia sentir o calor dela se irradiando até mim.

Ela ficou quieta.

Eu mal conseguia respirar.

Eu ainda estava segurando a mão dela quando um tremor mais forte atravessou meus dedos. Não queria me transformar diante dela.

Levei-a até a porta do quarto e saí rapidamente dali, indo para o meu quarto, onde me transformei imediatamente. Fiquei andando de um lado pro outro, frustrado, até que me senti cansado e dormi.

Na manhã seguinte acordei cedo e saí do quarto. Kelsey ainda estava dormindo.

Saí para explorar a mata perto de casa e me exercitar um pouco. Quando voltei, Kelsey já estava acordada e eu podia ouvi-la no quarto ao lado do meu. Resolvi dormir mais um pouco antes de me juntar a ela e a Kadam.

Não sei por quanto tempo dormi. Eu havia me alimentado no dia anterior, assim que chegamos em casa. Kadam havia providenciado uma grande quantidade de carne, e eu comi tudo, por isso estava tão preguiçoso naquela manhã.

Desci as escadas e pude ouvir Kelsey e Kadam conversando. Ele estava lhe contando sobre sua vida e sua família.

Eu era muito grato por Kadam ainda estar comigo e por ter cuidado das coisas por todos esses anos, mas eu sabia o quanto era doloroso viver por tanto tempo e ver as pessoas que você amava partirem, sem que você possa fazer nada para evitar.

— O senhor se casou novamente?

— Não. De vez em quando, procuro um de meus tataranetos e ofereço-lhe trabalho. Eles são maravilhosos. Além disso, Ren foi uma boa companhia para mim até sua captura. Eu não tentei encontrar ninguém para amar desde então. Não creio que meu coração suportasse dizer adeus mais uma vez.

— Ah, Sr. Kadam, eu sinto muito. Ren tem razão: o senhor sacrificou muitas coisas por ele.

Ele sorriu.

— Não fique triste por mim, Srta. Kelsey. Este é um tempo de celebração. Você entrou em nossas vidas e o fato de estar aqui me deixa muito feliz.

Ainda estava sonolento quando cheguei na cozinha, bocejando. Kadam estava na pia lavando pratos, e Kelsey estava sentada próximo à bancada. Ela se levantou enquanto eu entrava, virou-se e me viu, deu um sorriso e caminhou em minha direção. E eu quase não acreditei no que meus olhos estavam vendo.

Kelsey estava vestindo um sharara azul bem ajustado ao corpo. Uma dupatta azul estava jogada sobre os ombros e seus cabelos castanhos estavam soltos, com os cachos caindo pela costas. Ela estava maquiada discretamente e era a coisa mais linda que eu já tinha visto em toda a minha vida. Ela acariciou os pêlos, da minha cabeça e disse animada, enquanto dava um rodopio:

— Bom dia, Ren! Muito obrigada pelo vestido! É muito bonito, não é? Nilima escolheu muito bem.

Nossa, eu achava que seria impossível que ela ficasse ainda mais bonita, mas vê-la vestida daquele jeito me deixou tonto. Tudo o que eu queria era segurá-la em meus braços. Ela trazia de volta toda a inspiração que os anos como tigre haviam levado.

Eu me sentei rapidamente, olhando-a por mais alguns segundos. Levantei-me e saí dali em direção ao meu quarto. Me transformei em homem, e peguei alguns papéis.

Tentei me lembrar de tudo o que Phet havia dito a respeito de Kelsey e da maldição. Eu precisava começar logo a minha busca pela quebra da maldição, mas não podia me arriscar a ver Kelsey machucada nesse processo. Tive uma idéia enquanto escrevia.

Kadam entrou no meu quarto e pareceu surpreso em me ver transformado em homem. Eu disse a ele que queria proteger Kelsey e falei o que precisávamos fazer: Tínhamos que encontrar Kishan.

Kelsey passou toda aquela manhã com Kadam. À tarde ele saiu para buscar o selo da família Rajaram, que estava em um cofre no banco.

Eu não quis ficar com ela naquele dia. Vê-la vestida como uma princesa indiana me deixou melancólico. Era ruim ter que ficar perto dela como tigre, quando ansiava em estar com ela como homem. Queria dizer a ela como estava linda.

Resolvi que eu deveria usar o pouco tempo que ainda tinha naquele dia para ficar com ela. Fui até a varanda, ainda como tigre. O sol estava se pondo.

Havia muito tempo que não parava para ver o pôr do sol. Desde que havia sido capturado, a paisagem nunca mais foi a mesma, sempre observada através de grades. Eu estava distraído, observando o sol se pôr e pensando que nada podia ser mais belo do que aquelaimagem.

De repente, ouvi os passos de Kelsey subindo as escadas e senti seu cheiro doce de pêssego com creme se aproximar. Quando senti que ela estava perto, me transformei em homem e esperei por ela.

— Oi, Ren.

Ela parou atrás de mim. Meu coração disparou. Virei-me e a olhei. Observei cada detalhe do seu corpo. Como era linda. Nada era mais belo do que ela. Quando voltei ao seu rosto, ela estava corada. Suspirei de prazer e a reverenciei.

—Sundari. Eu estava aqui pensando que nada poderia ser mais lindo que este pôr do sol, mas estava enganado. Você aí parada à luz do sol poente, com o cabelo e a pele reluzindo, é quase mais do que um homem pode… apreciar plenamente.

Ela perguntou, tímida:

— O que significa sundari?

— Significa “mais linda”.

Ela ficou ainda mais corada. Eu sorri e a peguei pela mão, levando-a até as cadeiras no pátio. Indiquei-a que se sentasse em uma cadeira, mas desta vez, me sentei ao seu lado, pois esse era o meu lugar. Ao lado da minha Kelsey. Mantive as minhas mãos na dela e começamos a conversar.

— Espero que você não se aborreça — Ela pareceu constrangida— mas hoje dei uma explorada na casa, inclusive no seu quarto.

— Não me aborreço. Certamente achou o meu quarto o menos interessante.

— Na verdade, fiquei curiosa com umas anotações que vi. São suas?

— Anotações? Ah, sim. Rabisquei algumas coisas para me ajudar a gravar as palavras de Phet. Ali só diz: siga a profecia de Durga, caverna de Kanheri, Kelsey é a protegida de Durga, esse tipo de coisa.

— Ah. Eu… também vi uma fita. É minha?

Aí eu fiquei constrangido. A fita havia deslizado de sua trança enquanto ela dormia na casa de Phet e eu a guardei para mim. Será que ela ficaria aborrecida?

— Sim. Se a quiser de volta, pode pegar.

— Para que você a quer?

— Queria uma lembrança, uma prenda da garota que salvou a minha vida.

— Uma prenda? Como uma donzela que dá seu lenço a um cavaleiro de armadura brilhante?

Eu sorri:

— Exatamente.

— Pena você não ter esperado que Cathleen ficasse um pouco mais velha. Ela vai ser muito bonita.

Eu franzi a testa sem entender.

— Cathleen do circo? — Sacudi a cabeça. — Você foi a escolhida, Kelsey. E, se eu tivesse a opção de escolher a garota que iria me salvar, ainda teria sido você.

— Por quê?

— Por várias razões. Eu gostei de você. Você é interessante. Tinha a sensação de que via a pessoa através do pelo do tigre. Quando você falava, era como se estivesse dizendo exatamente as coisas que eu precisava ouvir. Você é inteligente. Adora poesia e é muito bonita.

Ela sorriu.

— Muito bem, Príncipe Encantado, pode guardar sua lembrança.

Ela parou de falar por alguns segundos, depois continuou:

— Sabe, uso essas fitas em memória da minha mãe. Ela costumava escovar meu cabelo e trançar fitas nele enquanto conversávamos.

Eu entendi então, que aquelas fitas eram um símbolo, uma forma de se lembrar e se conectar com os pais. Eu a compreendia completamente.

— Então ela significa ainda mais para mim.

Ficamos calados por alguns segundos, mas eu não tinha muito tempo e precisava explicar a Kelsey como seria nossa visita à caverna:

— Bem, Kelsey, amanhã nós vamos para a caverna. Durante o dia, há muitos turistas por lá, o que significa que vamos ter que esperar até a noite para procurar a profecia de Durga. Entraremos furtivamente no parque pela selva e seguiremos a pé por um trecho, portanto use as botas de caminhada novas que compramos para você, que estão na caixa em seu closet.

— Ótimo. Nada como amaciar botas novas numa caminhada pela quente selva indiana

— Não vai ser assim tão ruim e, mesmo novas, as botas vão deixar seus pés mais confortáveis do que os tênis.

— Acontece que eu gosto dos meus tênis e vou levá-los comigo para o caso de suas botas me fazerem calos.

— Kadam vai nos preparar uma bolsa com itens de que podemos precisar. Vou me certificar de que ele deixe espaço para os seus tênis. Você terá que dirigir até Mumbai e o parque, pois eu estarei no banco de trás como tigre. Sei que não gosta do trânsito daqui. Lamento que tenha mais esse inconveniente.

— Não gostar do trânsito é um eufemismo — As pessoas daqui não sabem dirigir. Elas são loucas.

— Podemos pegar estradas secundárias com menos tráfego e ir de carro só até os arredores de Mumbai. Não vamos atravessar a cidade como antes. Não será tão ruim. Você dirige bem.

— Ah, é fácil para você falar. Vai dormir no banco de trás a viagem toda.

Como era reclamona a minha Prema. E ficava ainda mais encantadora. Tudo nela me fazia feliz. Eu estava cada minuto mais apaixonado por tudo nela. Estava muito agradecido por tê-la comigo. Toquei seu rosto e o virei para mim.

—Rajkumari,quero lhe dizer obrigado. Obrigado por ficar e me ajudar. Você não sabe quanto isso significa para mim.

— De nada — sussurrou. — E o que significa rajkumari?

Eu apenas sorri e desconversei. Não queria lhe dizer ainda que ela era a minha princesa escolhida.

— Quer saber um pouco sobre o Selo?

— Quero. O que é?

Eu a expliquei sobre o selo. Quando terminei de falar, ela se levantou e foi até a balaustrada observando as estrelas

— Não consigo imaginar a sua vida antigamente. É tão diferente de tudo o que eu conheço.

— Tem razão, Kelsey.

— Pode me chamar de Kells.

Eu sorriu e me aproximei dela

— Você está certa, Kells. É diferente. Tenho muito a aprender com você. Mas talvez possa lhe ensinar algumas coisas também. Por exemplo, a sua echarpe… Posso?

Comecei a mostrá-la todas as formas de usar a dupatta, enrolando-a no meu corpo. Quando a coloquei sobre os cabelos, ela riu e brincou comigo:

— Obrigada por me mostrar como demonstrar o devido respeito, madame. E permita-me dizer que fica encantadora de seda.

Eu ri e continuei mostrando a ela até que os tremores começaram a atravessar minhas mãos e braços. Esperei que parasse e caminhei em sua direção.

— Meu estilo favorito, porém, é como você a usou hoje mais cedo, jogada solta sobre os dois braços. Assim, vejo o efeito completo de seu lindo cabelo descendo pelas costas.

Coloquei o lenço ao redor dos ombros dela e não resisti em puxá-la para perto de mim. Eu queria beijá-la, mas não era o momento. Eu apenas toquei em um cacho dos cabelos dela, segurando-o entre meus dedos.

— Esta vida é muito diferente da que eu conheço. Tantas coisas mudaram… — Eu soltei o xale, mas continuei segurando o cacho. — Mas algumas são muito, muito melhores.

Larguei o cacho, corri um dedo pela face dela e a empurrei levemente de volta ao quarto.

— Boa noite, Kelsey. Teremos um dia cheio amanhã.

Sai rapidamente dali e deixei o tigre me dominar.