A maldição do tigre - POV Ren
A profecia
Kelsey ficou sentada, pensativa por mais alguns minutos. Então levantou-se, pegou um balde e começou a enchê-lo com água.
Entendi que ela estava tentando encher a banheira para tomar banho. Eu me senti mal por ela e pela minha condição.
Como tigre, havia muitas coisas que eu poderia fazer por ela. Mas naquele momento, a única coisa que ela precisava era encher a banheira com um balde, e ela precisava fazer isso sozinha, porque eu não podia ajudá-la.
"Quando eu quebrar a minha maldição, eu farei tudo por ela, inclusive preparar banhos relaxantes de banheira..."
Algo me despertou dos meus devaneios. Kelsey estava brava, me acusando de estar quieto observando-a de propósito. Só então eu percebi que ela já havia enchido a banheira e começara a se despir. Saí, um pouco constrangido, um pouco decepcionado.
Uma das vantagens de ser um tigre, era o olfato bem desenvolvido. Mesmo com a porta fechada eu podia sentir o cheiro do sabonete de ervas que Kelsey estava usando para tomar banho.
Fiquei ali pensando em como eu queria poder tocar a sua pele macia, sentindo o cheiro doce que ela exala. Fiquei imaginando como seria maravilhoso tê-la em meus braços e passar horas conversando com ela. Tinha tanta coisa que eu queria lhe dizer, e tanto dela que eu queria saber.
Agora que podia me tornar homem novamente, me parecia muito pouco 24 minutos por dia. E de fato era. Eu precisava de muito mais do que isso. Eu precisava de todas as horas do dia para ficar com a mulher que eu amava.
A porta se abriu e Kelsey me deixou entrar. Ela já estava limpa e vestida. Ela se sentou na cama enquanto penteava os lindos cabelos castanhos e reclamava por termos escondido a verdade dela.
Ela disse que tinha muitas perguntas para me fazer, enquanto fazia uma trança nos cabelos, e amarrava a ponta com uma fitinha verde. Depois, recostou-se na cama.
Eu baixei os olhos e coloquei a cabeça sobre o colchão. Queria me desculpar. Ela entendeu e me fez um carinho na cabeça. Eu retribui dando-lhe um “beijo de tigre”.
Ela disse que não estava zangada, mas chateada por não termos confiado nela. Então se virou de lado, ficando de frente para mim, e caiu no sono enquanto eu a observava.
Eu disse a mim mesmo que jamais mentiria para ela outra vez. Que nunca voltaria a decepcioná-la.
Enquanto Kelsey dormia, Phet chegou à cabana. Ele me olhou, olhou para Kelsey dormindo e sorriu pra mim. Não parecia surpreso em nos ver.
Ele era um homem pequeno, magro moreno e enrugado, calvo, com uma coroa de cabelos grisalhos na parte de trás da cabeça. Começou a falar comigo:
— Então tigre encontra menina especial. Tigre quer que menina seja a escolhida. Mas Phet precisa fazer teste antes. Phet ainda não sabe se ela escolhida de Durga.
Não me preocupei com o que Phet disse. Eu estava certo de que Kelsey era a escolhida. Ele pareceu ter lido o meu pensamento, porque me olhou nos olhos e disse:
—Mesmo ela garota especial, ela deve escolher acompanhar tigre. Muitas aventuras. Muitos perigos— me disse enquanto colocava vegetais em uma panela.
Quando Kelsey acordou, alguma horas depois, ela se apresentou e Phet a convidou para comer. Ele serviu um ensopado de legumes que ela comeu com gosto. Eu me deitei a seus pés, gostava de ficar perto dela.
— Qual seu nome?
— Kelsey — disse enquanto mastigava.
— Quel-si. Você tem bom nome. Forte.
— Obrigada pela comida. Está deliciosa! Phet, me desculpe por invadir a sua casa. Ren me trouxe aqui. Sabe…
— Ah, Ren, o seu tigre. Sim, Phet sabe por que vocês estão aqui. Anik disse que você e Ren vinham, então fui ao lago Suki hoje para… preparação.
Phet colocou uma gaiola sobre a mesa. Havia um pássaro dentro dela, que ele disse ser um pássaro raro encontrado no lago. Disse que tratava-se de um pássaro especial, da ninhada de Durga e que ele tinha um canto lindo e raro, pois só cantava para pessoa especial.
Entendi que aquele seria o sinal. Se o pássaro cantasse para Kelsey, isso significaria que ela era a escolhida.
Kelsey continuou falando com Phet. Perguntou-lhe sobre Durga, sobre o pássaro, sobre ele mesmo e lhe ofereceu ajuda com as folhas nas quais ele estava trabalhando. Ele a ensinou o trabalho e ela passou a ajudá-lo, separando e triturando ervas.
Phet pegou uma garrafa contendo uma resina dourada e perfumada, que reconheci como sendo Olibano, uma substância comum na Índia, retirada da árvore Boswellia e muito usada em incenso e óleos essenciais. O cheiro maravilhosos me trouxe lembranças de casa.
Kelsey não conhecia, mas reconheceu o cheiro, pois havia alguma árvores deste tipo na selva.
— Aqui, Quel-si. Prove.
— Você quer que eu coma isso? Pensei que fosse um perfume.
— Pegue, Quel-si. Experimente.
Ele colocou um pedaço em sua própria língua e mascou sorrindo. Kelsey o imitou.
— Gosto bom, Quel-si? Agora respire longo.
— Respirar longo?
Ele demonstrou inspirando profundamente. Ela fez o mesmo.
— Está vendo? Bom para estômago, hálito bom, sem preocupações. Guarde este. Muito útil para você.
Phet entregou a Kelsey o pequeno jarro de olíbano. Ela o agradeceu e depois de guardar o jarro na mochila voltou ao pilão.
— Quel-si, você fez viagem longa, sim? — perguntou ele.
— Ah, sim, muito, muito longa.
Phet ouvia e assentia enquanto Kelsey lhe contava nossa história, desde o circo até ali.
— E seu tigre nem sempre é tigre. Estou correto dizendo isso?
Ela olhou para mim.
— Sim, você está correto.
— Você quer ajudar o tigre?
Meu coração disparou. Tentei não olhar pra ela, para não influenciar sua resposta.
— Quero. Estou zangada por ele ter me enganado, mas entendo por que fez isso. Só quero que ele seja livre.
Nesse momento, o passarinho vermelho começou a cantar lindamente e continuou cantando pelos minutos seguintes.
Phet fechou os olhos, escutando com uma expressão de puro êxtase, e assoviou baixinho, acompanhando. Quando a ave parou de cantar, ele abriu os olhos e se virou para ela, sorrindo:
— Quel-si! Você muito especial! Sinto alegria! Phet ouviu canto de Durga!
Ele se levantou, alegre, e começou a guardar todas as plantas e os jarros.
— No momento, você deve descansar. Nascer do sol importante amanhã. Phet precisa rezar na noite e você precisa dormir. Embarcar em sua travessia amanhã. Dura e difícil. À primeira luz, Phet ajuda você na companhia do tigre. Segredo de Durga vai ser revelado. Agora vá dormir.
Eu estava tão feliz. Sempre acreditei que Kelsey fosse a escolhida. E desejei que ela me acompanhasse em minha busca. E agora ela disse sim. Eu ainda não sabia como seria essa busca, mas estava mais confiante do que nunca.
Phet serviu um chá a Kelsey e ela dormiu logo depois. Olhei pra ele de forma interrogativa, mas ele me disse que eu também precisava dormir, enquanto ele iria agradecer à Deusa Durga pela bênção. Saiu e fechou a porta. Não demorou para que eu caísse no sono, após um dia de tantas emoções.
Na manhã seguinte, Phet nos despertou cedo e pediu que nos apressássemos. Tomamos o café da manha e Phet falou à Kelsey sobre a profecia:
— Quel-si, eu sou homem facilitador agora. Durga falou comigo. Ela vai ajudar vocês. Numerosos anos passados, Anik Kadam procura remédio para confortar Ren. Eu digo a ele Durga aprecia o tigre, mas ninguém pode aliviá-lo. Ele me pergunta o que pode fazer. Naquela noite, Phet sonha com dois tigres, um pálido como a lua; outro negro, à semelhança da noite. Durga fala baixinho no meu ouvido. Ela diz apenas garota especial pode quebrar maldição. Phet sabe: garota protegida de Durga. Ela luta pelo tigre. Eu digo Anik: atento garota especial da deusa. Dou indicação: garota sozinha, cabelo castanho, olhos escuros. Devotada ao tigre e sua palavra poderosa como melodia da deusa. Ajuda tigre ser livre outra vez. Eu digo Anik: descubra protegida de Durga e traga para mim. Quel-si, Phet percebe você excepcional protegida de Durga.
— Phet, do que você está falando?
— Você guerreira forte, bonita, como Durga.
— Eu? Uma guerreira forte e bonita? Acho que você está com a garota errada.
Aquele comentário me deixou confuso. Será que Kelsey não percebia o quanto ela era especial?
Quando a conheci, percebi o quanto ela era linda, como seus olhos castanhos eram expressivos e seu rosto lindo emoldurado por seus cabelos cacheados, sempre trançados e jogados sobre os ombros era perfeito. Também me encantei com sua doçura e sua bondade. Ela era sempre gentil e atenciosa com todos.
Naquela época, pensei que ela fosse uma garota frágil, mas agora eu sei que estava enganado. Apesar de sua aparente fragilidade, Kelsey é uma garota forte e corajosa.
Rosnei baixo, frustrado por não poder dizer isso a ela. Phet continuou:
— Não. O passarinho de Durga canta para você. Você garota certa! Não jogue fora o destino, como erva daninha! Flor preciosa. Paciência. Espere florescer.
— Está bem, Phet, vou dar o melhor de mim. O que tenho que fazer? Como posso quebrar a maldição?
— Durga ajuda você na caverna Kanheri. Use chave para abrir câmara.
— Que chave?
— Chave é célebre Selo do Império Mujulaain. Tigre sabe. Encontre lugar subterrâneo na caverna. Selo é chave. Durga leva você à resposta. Liberta tigre.
Kelsey começou a tremer. Talvez tenha se arrependido, ou apenas estivesse com medo. Ela era muito jovem e inexperiente. Cair de repente em uma selva indiana, com um príncipe amaldiçoado na forma de tigre, e ser informada por um xamã de que é a escolhida de uma Deusa para quebrar a maldição e para isso viverá uma aventura que envolve cavernas, chaves e câmaras, devia ser um pouco assustador.
Levantei-me para ir em sua direção, a fim de lhe mostrar que eu estaria com ela e a protegeria.
Phet, que a estava observando com curiosidade, segurou em suas mãos. Ela pareceu se acalmar e parou de tremer.
— Quel-si, acredite em você mesma. Você mulher forte. Tigre protege você.
Olhei firmemente para ela, para confirmar o que o xamã havia lhe dito.
— Eu sei que ele vai cuidar de mim. E quero muito ajudá-lo a quebrar a maldição. É só um pouquinho… assustador.
Phet apertou sua mão e enquanto eu encostei uma pata em seu joelho. Ela suspirou e disse:
— Então, Phet, aonde vamos agora? À caverna?
— Tigre sabe aonde ir. Siga tigre. Pegue Selo. Devem partir logo. Antes de ir, Quel-si, Phet confere a você marca da deusa e reza.
Sim, eu sabia onde estava o selo. Sabia o que fazer.
Phet iniciou um ritual usando as folhas que colhera na noite anterior. Em seguida, pegou um jarro contendo o mehendi, um liquido marrom e começou a desenhar símbolos na mão de Kelsey. Ao fim, ele lançou algumas folhas no fogo, inalou a fumaça e nos disse que era hora de irmos. Ela se despediu do Xamã afetuosamente e partimos.
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