Lorde Voldemort observava a movimentação constante na casa de campo dos Black. Desde o encerramento forçado do contrato de casamento e a briga de Órion e Joseph, todos os Blacks, filhos de Órion e Cygnus, retiraram-se da residência dos Lestrange. Com exceção de Bellatrix, que agora era oficialmente uma Lestrange, após se casar com Rodolphus.

Claro que aquela não foi uma decisão fácil para Cygnus tomar, mas seguiu o patriarca da família obedientemente. Bellatrix fora categórica ao dizer que ela não era mais uma Black. Druella sentiu seu coração afundar no peito quando a filha falara aquilo e precisou de muito autocontrole e frieza para não deixar as lágrimas de tristeza e decepção tomarem-lhe conta da bela face, agora já envelhecida.

A nascida Rosier olhou para as duas filhas mais novas e muito mais obedientes que Bellatrix.

Bella era o caos, nunca se sabia o que esperar dela.

Andie era uma força da natureza, imparável, mas ainda assim, muito comprometida com seus deveres.

Ciça era a delicadeza e o equilíbrio emocional que Druella sempre esperou de todas as filhas. Era a mais parecida consigo, enquanto as outras duas eram indiscutivelmente Black. Em todos os sentidos. Até em seus cabelos, cuja cor negra não se apropriara de Narcisa, que manteve os genes loiros dos Rosier vivos.

Druella sabia, em seu âmago, que os cabelos loiros de Narcisa facilitaram a junção dela com o noivo, Lucius Malfoy.

Ah! Abraxas Malfoy. Um dos melhores amigos de Órion no período letivo, padrinho de sua única filha. Abraxas também seguiu os Black. Assim como o Flint. Rigel seguiria Andrômeda ao inferno se fosse necessário.

Além disso, todos os amigos de Zaniah nem precisaram pensar muito para se juntarem à família da garota, que sentia-se completamente acolhida pelo pai ao saber que ele mesmo já encerrara o contrato de casamento entre ela e Rabastan.

E por isso eles estavam na casa de campo de sua família, pois não havia sido de uma forma educada que Órion Black havia feito isso. Na verdade, algo em seu pai dizia a Zaniah que coisas ruins foram ditas um ao outro.

Zaniah suspirou, movendo-se em direção à grande varanda que rodeava a imponente e arejada mansão do loteamento. Aquele costumava ser o lugar preferido de Zaniah, mas perderam o costume de ir lá desde que passaram a frequentar a casa de praia dos Lestrange. A garota percebeu que sentia falta de ver os campos cobertos de neve e da sensação de estarem todos reunidos ao redor da lareira acesa.

Escutou passos na madeira atrás de si, virou-se para observar quem chegava, era seu pai.

Ele a ofereceu uma xícara de chá preto com leite, bem quente, a qual ela aceitou na hora. Tomaram todo o conteúdo de suas xícaras sem dizer uma palavra. Normalmente seu pai era assim, de não falar muito. Demorou, mas aprendeu a lidar com isso.

— Você sabe que pode contar comigo para qualquer coisa, não é? – Órion disse, quebrando o silêncio. – Somos uma família, Zan, estamos aqui para nos apoiarmos uns aos outros.

Zaniah apenas assentiu, a dor subindo por sua garganta. Seu pai pareceu perceber, pois colocou sua mão direita em seu ombro direito e a puxou para mais perto de si, num abraço.

— Não conversar já me tirou muito, Zaniah. – Órion falava com a voz embargada. Nunca se abrira assim com ninguém, nunca demonstrou fraqueza na frente de sua filha. – Não posso perder mais um filho. Você não tem noção de como isso mata um pai de dentro para fora.

Surpreendeu-se. Órion a abraçava mais forte agora, sua respiração era mais frequente. Ele estava em sofrimento. Sofria pela falta de Sirius, ela podia perceber. Perguntou-se quanto o pai havia sofrido em silêncio até ali.

Correspondeu ao seu abraço. E os dois ficaram ali, juntos na varanda, por muito tempo, abrindo-se um com o outro.

Zaniah não sabia o quanto aquele momento teria poder sobre o seu futuro.

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Tom Riddle, que já não pensava mais em si mesmo dessa forma, mas sim como Lord Voldemort, observava aqueles jovens puro-sangue dispostos pela sala da luxuosa e rústica casa de campo da família Black. Era uma noite para se festejar, era véspera de Natal, afinal.

Mas não era algo que importava para Lord Voldemort.

Não, ele definia aquela como uma noite para se comemorar pelo que aconteceria nela.

Ele, finalmente, marcaria diversos aprendizes, herdeiros das casas mais tradicionais puro-sangues de toda Grã-Bretanha. Bellatrix e Rodolphus já carregavam sua marca no corpo, assim como Lucius Malfoy. Voldemort sorriu ao pensar que teria mais dois Blacks em sua coleção ainda naquela noite.

Três, se a missão que daria para Régulos e Zaniah fosse bem sucedida.

Zaniah.

Ela estava esplêndida, usando um vestido negro inteiramente de veludo, que contrastava com sua pele clara e rosada, mas destacava seus cachos meio presos e seus olhos negros. Apenas a ponta fina de seu sapato de salto era visível. Seu colo estava sem nenhum pingente, ele percebeu, o que era estranho de se observar, pois Zaniah costumava utilizar o pingente de corvo ao redor de seu pescoço.

Finalmente ela estava livre do caçula Lestrange e agora poderia dedicar todo seu tempo e atenção à causa de seu Lorde.

Zaniah encarou o fogo crepitando na lareira. O calor alcançava seu rosto e sentia sua pele avermelhar em resposta. Régulos sentou-se ao seu lado, em silêncio, e apoiou sua cabeça no ombro da irmã.

Zaniah não deixou de reparar que aquele fora o contato mais próximo que teve com o irmão desde sua briga com Rabastan.

— Você está muito bonita, Zan. – Ele falou, timidamente.

Zaniah observou o irmão, com os cabelos cacheados penteados para trás, utilizava um smoking preto que, de certa forma, refletia com o brilho do fogo. Sua gravata era da cor de vinho e trazia certa seriedade ao olhar de seu irmão.

— Você também, Rég. – Ela sorriu. – Bem, é claro que está. Está mais parecido comigo do que o normal hoje.

Os olhos de Régulos brilharam quando percebeu que sua irmã voltara ao normal com ele, fazendo as piadas e brincadeiras tão comuns na relação entre os dois.

— Às vezes ainda me assusto com a velocidade com que vocês cresceram. – Alphard Black disse ao sentar junto dos sobrinhos. – Olhem para vocês, tomando as rédeas de sua própria vida.

O homem era, assim como qualquer outro Black, elegante por natureza. Seus cabelos negros já começavam a ficar mais ralos, mas isso não lhe tirava a beleza. Sua mão carregava um copo de whiskey de fogo da melhor qualidade, assim como dois anéis de prata, um no dedo mínimo e outro no médio. Nenhuma aliança.

— Lembro-me de mim quando tinha a idade de vocês e parece que vocês são muito mais maduros. – Ele disse com o olhar perdido. – Zaniah, por exemplo, já teve mais movimento em sua vida amorosa do que eu. – Os três riram de maneiras diferentes. Zaniah singelamente, Régulos, de maneira contida e Alphard com mais energia, talvez pelo já efeito do álcool circulante no corpo.

A gargalhada energética do tio foi seguida por uma crise de tosses que pareciam arder os pulmões. Zaniah e Régulo se olharam, sem saber como reagir. Desviando a atenção do tio, que parecia começar a se recuperar.

— Acho que nunca lhe pedi, tio, mas por que o senhor nunca casou? – Régulo perguntou, evitando um clima estranho.

— Bem, eu nunca achei alguém que me fizesse sentir o necessário para, sabe, querer casar com essa pessoa. – E quando Régulo fez menção de começar a refutar, Alphard logo complementou. – E também sempre recusei qualquer pretendente que sua avó, Irma Crabbe Black, poderia arranjar para mim. Eram todas tão cheias de si e tão vazias de cérebro que só em imaginar casar com elas era uma tortura, então pense casar de fato.

— Bem, um privilégio dado aos homens de nossa sociedade. – Zaniah não se conteve e começou a falar. Seu tio a olhou com interesse. – Se você decidir casar com uma mulher 20 anos mais nova, com certeza lhe será permitido, se ela for adequada para seu nome. Se eu chegar aos 20 sem estar casada ou com, ao menos, um bom noivado, estarei arruinada.

— Sim, é uma verdade. Inclusive, gostaria de demonstrar meus sentimentos ao final de seu noivado. As poucas vezes que vi vocês dois juntos me pareceu que se dariam muito bem na vida adulta, sei que gostava muito dele, então imagino que para ser encerrado de maneira tão brusca e, claro, com o apoio de seu pai, algo sério aconteceu. E se foi algo sério, imagino que você esteja, pelo menos, triste com o ocorrido. Então, sinto muito, sobrinha. Não sei o que seu velho e solteirão tio poderia fazer para lhe deixar mais feliz, mas se houver algo, avise-me. Ficarei feliz em ajudá-la.

Zaniah sentiu os olhos ficarem úmidos, quis abraçar o tio e chorar copiosamente em seu colo, contando sobre todos os planos e os sonhos que acabaram junto do relacionamento, que quebraram junto de seu coração. Queria agradecer-lhe pelas tão gentis palavras, ainda que nem imaginasse que homens pudessem ser tão delicados e com tanto tato.

Mas, ao invés disso, colocou sua mão sobre a do tio e falou um singelo “Muito obrigada”, pois esse era o máximo de expressão que poderia ter naquela hora, tanto por sua criação, tanto porque se falasse apenas mais uma palavra sequer, engasgaria com seu próprio choro, que demoraria a ir embora.

Suas atenções mudaram o foco quando um tilintar de talher de prata contra uma taça de cristal se fez presente. Era Walburga entregando a palavra para Lorde Voldemort.

— Senhores, é uma grande honra anunciar que neste momento vamos começar a realização daquilo que viemos preparando nos últimos anos! – Tom falou empolgado enquanto olhava para todos naquela sala, ainda que seu olhar se demorasse mais em Zaniah. – Está na hora de recompensar aqueles que se mostraram ambiciosos e dedicados o bastante para participar de meu círculo mais próximo.

O coração de Zaniah quase saiu de seu peito quando ele a chamou. Ela foi a primeira. Levantou-se e caminhou até seu Lorde, ainda que não soubesse de que maneira havia feito aquilo.

Ele a recebeu com um sorriso profano, tocou sua face e desceu sua mão para seu pescoço, seu ombro, seu braço e então sua mão, a qual beijou delicadamente, sem tirar seus olhos do dela.

Zaniah estremeceu.

Ele segurou seu antebraço com uma firmeza delicada e o girou, expondo sua parte anterior. A parte mais alva de sua pele.

Lorde Voldemor encostou sua varinha em sua carne e sussurrou palavras que Zaniah não pode distinguir - nem queria.

E pareceu que três facas flamejantes haviam atravessado aquela carne intocada, seguida por agulhas envenenadas e então ácido. Zaniah pensou que iria desmaiar ou gritar de dor, ainda assim, esforçou-se para manter-se de pé, sentindo suas costas começarem a ficar úmidas de suor, tal como seu pescoço e sua nuca.

Aquilo era o inferno. Podia dizer com certeza, pois estava nele.

Não soube dizer quando acabou, nem quanto tempo durou, mas simplesmente não doía mais.

Era como se nada tivesse acontecido em sua pele momentos antes, a sensação era absolutamente normal.

Tirando o fato de agora haver uma mancha negra como piche que desenhava uma cobra saindo de dentro da boca de uma caveira. Uma mancha que não se desfazia com toque, água ou outros tipos de poções de limpeza.

Um desenho que seria seu atestado de ida - sem volta - para Azkaban, ou à morte. A prova do lado que ela escolhera, do lado o qual ela pertencia, assim como Régulos, Darwin, Juliet e Bartolomeu.

Aquela era A Marca Negra do Lorde das Trevas.

E ela a carregava.

Ela era uma Comensal da Morte, e não havia como deixar de ser.