A vida de um arqueiro!

Falando a verdade não me incomoda ficar nem um pouco dessa maneira. Mesmo que esteja perdendo praticamente uma festa lá na área dos Acolhidos estou bem aqui fora. Já estava de noite e eu esperava pacientemente que tudo se aquietasse e o Barão fosse dormir de uma vez. Por quê? Bom exatamente pelo fato que tinha uma porcaria de um papel na mesa dele que poderia ter algo relacionado comigo. E por que perder a festa? Exatamente pelo fato de não querer ouvir as brincadeiras sem graça de Tyler por talvez eu ser mandada para o campo por causa da minha aparência. Se estou com raiva? De mais! Vocês não sabem o quanto. Normalmente não sou vingativa, mas não pude evitar colocar mais uns dois ratos na sala dos escribas, não, melhor, na sala dela, para mostrar que ninguém meche comigo sem ter volta! Não pensem mal de mim, afinal ela foi quem começou. Não faço isso com pessoas que me tratam bem, como o barão, que no momento é o único exemplo que posso dar.

Sentada aqui encima de uma arvore analisava todas as minhas chances de conseguir meu objetivo. Se meu plano saísse como eu queria com certeza descobriria o que aquele papel dizia e não seria pega. Convencida? Ora pensem comigo: trocas de turnos, os vigias cansados doidos para cair em uma cama e dormir, a noite em um breu danado onde não dava para ver nada alem de uns dois metros a sua volta, todos dormindo... Tinha como meu plano dar errado? Claro se eu fizesse algum barulho tudo ia para o brejo, mas mesmo assim não tinha como eu falhar! Só se uma assombração de repente decidisse fazer com que me dê mal e chame a atenção de todos para o escritório de Barão.

Deixando de lado a assombração vamos voltar para o mundo atual. Eu aqui sentada encima de uma arvore mirando atentamente a qualquer coisa que se movia a meu redor. Ainda podia ouvir o barulho das risadas e brincadeiras dos acolhidos na festa, provavelmente ninguém sentia minha falta, mas tudo bem estava ocupada mirando como os guardas iam e vinham em ritmos lentos. Era como se fosse um ritual costumeiro, eles se moviam de vez em quando para que assim não acabassem dormindo em pé e serem pegos pelo general que por acaso era o escolhido para escolher os recrutas. Exatamente o que havia me rejeitado por causa do meu tamanho e da minha forma física. Mas isso não tinha importância, a luz do escritório do Barão ainda estava acesa e pelo visto não iria demorar muito a apagar.

A janela do barão Strong ficava mais ou menos no quinto andar do castelo, bem longe do chão não? Pois meu plano era escalar o muro de pedra do castelo, chagar até a janela, abri-la, olhar o papel que queria e logo depois voltar para meu quarto como se nada tivesse acontecido. Simples. Não? Só porque vou ter que subir vários metros do chão? Pois bem, se duvidam fiquem sentadinhos ai lendo enquanto eu faço minha façanha. Normalmente o Barão ficava até tarde da noite trabalhando, ou seja, horas e horas lendo e assinando uma papelada enorme. Não era fácil não galera, nem eu tinha coragem de encarar um treco daqueles.

Tive que esperar alguns minutos na penumbra das arvores até que finalmente a luz do escritório apagou e tudo ficou em um só silencio. Perfeito, estava na hora de começar a agir. Rapidamente acompanhei o ritmo das sombras das arvores que se moviam junto com as mesmas de acordo com o vendo, ligando uma sombra a outro onde eu podia passar sem ser notada por nada. Cheguei perto do muro rapidamente em minha velocidade recorde. Dei uma olhada para o guarda que tinha ali perto vigiando a entrada principal, para velo tinha que olhar por trás de uma curva das paredes do castelo. Era um homem um pouco gordo para ser um soldado, usando uma pesada armadura, com uma espada presa na bainha da cintura e com um escudo preso nas costas. Não seria muito ágil para me acompanhar se algo saísse errado, mais um ponto para mim.

Olhei para cima, bem na direção que estava a janela do barão. Engoli em seco, era mais alto vendo desse ângulo do que da onde eu estava antes. Respirei fundo e coloquei minhas mãos nos primeiros buracos que vi entre as pedras negras e grossas que compunham as paredes do castelo. Comecei a subir com velocidade, colocando minhas mãos nos buracos que encontrava e os pés naqueles que antes estavam minhas mãos. Já que já me acostumara a escuridão encontrar os buracos era fácil, subir então era mais ainda. Mas em um ponto de distração uma de minhas mãos escorregou e por sorte não caio de uma altura de vários metros, mas conseqüentemente meu rosto se virou para baixo vendo a distancia que estava do solo. Normalmente não tenho medo de altura, me sinto até mesmo confortável quando estou em lugares alto, mas agora senti a vertigem remover minhas entranhas e fazer com que uma forte tontura se apossasse de minha cabeça, fazendo tudo ficar turvo e dando voltas e mais voltas.

Voltei a colocar a mão na parede e fiquei pregada na mesma por alguns instantes tentando me recuperar do forte mal estar que havia passado. Voltei a subir com um pouco mais de pressa para terminar logo com aquilo, mas tomando cuidado para não errar mais uma vez e para não olhar para baixo. Quase gritei de felicidade quando cheguei até janela do escritório. Rapidamente a abri e entrei naquela enorme sala aconchegante e quente, mas que se esfriara com rapidez quando abri a janela e deixei o ar da noite. Cuidadosamente entrei na sala e fechei a janela para que o vento não espalhasse os papeis que tinha encima da mesa que era perto da janela. Com a pouca luz que as estrelas me ofereciam peguei o pequeno papel que tinha encima da mesa, mas uma mão segurou rapidamente meu pulso me fazendo soltar o papel por causa do susto. Uma mão forte de homem, um pouco áspera e comparada ao meu pulso bem grande, que vinha das sombras e era ligada com um homem, o mesmo homem que tinha aparecido atrás do Barão aquele mesmo dia.

Ele me mirava com os olhos castanhos escuros penetrantes e sem emoção. Não sabia da onde esse homem tinha surgido, mas não pensava nisso nesse momento, a única coisa que passava em minha cabeça era que havia sido pega e que agora com certeza iria se mandada para o campo. Não queria, meu coração doía pedindo a gritos que não me mandasse para aquele lugar, que seria minha ruína, que era bem melhor acabar logo comigo. Não podia viver sem a emoção das minhas travessuras, não podia viver sem algo que me desse razão. Não podia viver sem cumprir meu sonho!

O homem pegou o papel e logo começou a me puxar para fora da sala me arrastando pelos corredores sem dizer uma palavra. Sabia que ele me levava até o barão, sabia que meu destino estava selado em ir para esse maldito campo para trabalhar até morrer. Sem mais adrenalina, sem mais razão para continuar nesse mundo. Como descobriria quem eu era se não seguisse os mesmos passos de meus pais? Como descobriria quem eles eram estando sempre trabalhando nas fazendas? Vocês sabem o quanto é difícil alguém procurar saber o passado de uma ninguém que trabalha no campo? Se agora eu já sou uma renegada imagina quando for para lá! Serei menos que o nada, quando estava aqui pelo menos tinha uma chance de mostrar o todos o que era capaz, mas lá... Não poderia fazer nada!

Mas não falei nada, não reclamei, nem tentei escapar. O que faria? Ele já tinha me visto, não tinha mais como escapar dessa. Bom agora só me restava respirar e inspirar, na verdade nem precisava fazer isso a menos que quisesse revelar ao mundo a doença que tenho. Isso vou deixar para depois. E vocês fiquem quietos! Não são vocês que estão aqui tendo que passar por isso! Claro que fui eu que escolhi tentar pegar aquela porcaria daquele bilhete, mas vocês fariam a mesma coisa se não soubessem nada sobre seus pais ou se por acaso algum dia teve uma família! Ai, ai como queria que Estrela Cadente estivesse aqui...

Chegamos a sala do barão, meu coração parecia querer sair do meu peito, a adrenalina percorria meu sangue me mantendo viva, mas ao mesmo tempo me corroendo de ansiedade e desejo de desaparecer da face da terra. Com que cara apareceria para o Barão sendo que fora ele que sempre me apoiara e agora eu o decepcionava fazendo uma bobagem dessas? Mas que merda! Não tenho concerto!

Entramos. O barão estava sentado em uma cadeira de madeira mirando em nossa direção como se já nos esperasse, o que me confundiu um pouco. Ele já sabia que eu ia tentar pegar o papel? Mas se esse fosse o caso por que não colocou mais seguranças ou alguém mais alem que esse homem? Por que não se preparou para me pegar antes?

- O que esta acontecendo? – perguntei enquanto era sentada forçosamente em uma cadeira de madeira que estava na frente do Barão. Minha cabeça dava voltas e voltas comendo meu cérebro para tentar achar a solução desse problema. O barão sorriu para mim e foi ai que minha cabeça já não entendia mais nada do que estava acontecendo.

- Hunter pode nos dar um momento a sós para nós dois? – o homem que se colocara do meu lado assentiu e saiu do quarto. Se eu falar que já estava perdida, nem lá nem cá, vocês acreditam? – Star, vejo que você já percebeu que tem algo de errado nisso não é mesmo? – eu assenti com a cabeça ainda um pouco atordoada. – Pois eu sabia que você iria escolher virar uma guerreira depois que ficou lendo aquela carta que veio com você. Preocupei-me bastante já que sabia também que o general James não iria te aceitar por causa da sua aparência e nem eu ia permitir que você fosse por causa de sua doença.

É o Barão sabia que eu era doente só não sabia que como era essa doença. Não sabia as conseqüências que ela causava em meu corpo se ficasse longe da minha adorada adrenalina. Ninguém sabia disso. Mas mesmo assim agradecia pela preocupação dele, era a primeira pessoa que fazia isso, pelo menos que eu conhecia.

- Quando chegou o dia que você completou dezesseis anos e veio para minha sala escolher o lugar que ia ficar, me preocupei que você se decepcionasse e saísse ferida nessa historia toda. – continuou enquanto eu não entendia onde ele queria chegar com aquilo. – Por isso aceitei que Hunter fizesse isso com você para comprovar o que ele pensava e assim te mandar para um lugar que eu sabia que estaria segura e que assim você poderia ser o que tanto quer.

- Então isso foi um teste. – falei um pouco menos atordoada quanto antes, mas mesmo assim confusa. O barão assentiu com a cabeça confirmando minhas suspeitas só faltava saber uma coisa. – Mas para que?

- Quando você me viu com aquele papel você pensou que estava falando algo sobre sua família não é? – perguntou o barão e eu assenti com a cabeça. – Quer ver qual era o conteúdo do papel?

Ele me entregou o pequeno papel que nem havia notado que o homem o havia dado de tão atordoada que estava quando entrei. Abri o pequeno papel branco dobrado só para ler escrito com letras cursivas fortes e firmes a frase: “ela tem talento como arqueira”. Depois de ler não sabia mais o que falar. Minha boca ficou aberta, meus olhos arregalados e meu cérebro em branco. Não podia acreditar no que estava acontecendo.

- Seu treinamento começa amanhã. Esteja pronta as cinco da manhã e vá para os limites do feudo dentro da floresta que tem a nossa volta. Hunter te esperara lá. – falou o barão enquanto eu ainda me encontrava atordoada olhando para aquele pequeno papel. Eu realmente estava acordada? – Espero que esteja tudo bem para você.

Pouco a pouco um sorriso inconsciente e enorme começou a aparecer em meu rosto. Saltei da cadeira naquele exato instante e soltei um ligeiro gritinho de alegria dando um enorme salto de pura emoção. Não sabia o que o barão achava de mim naquele momento, mas nem me importava. Estava mais que feliz! Podia não ir para o exercito, mas também não iria para o campo e finalmente poderia aprender aquelas técnicas super legais que eles faziam.

- Bem? Ta mais que bem! – falei emocionada para logo abraçar o barão com força sorrindo sem parar. Não sei se ele assustou com meu abraço por que não estava acostumado ou se foi porque não gostou, mas no momento estava tão feliz que não pude evitar. – Obrigada, obrigada mesmo! Nem sei como agradecer!

Sai do quarto tão feliz que também não pude evitar abraçar o homem que havia me levado ali e que provavelmente era um arqueiro. Sai correndo corredor a fora indo na direção do dormitório dos acolhidos, estava loca para arrumar minhas coisas para amanhã já estar preparada para ir para minha nova casa onde iria treinar.

Entrei no quarto sem me preocupar em acordar alguém e fui direto até minhas coisas pegando uma mochila qualquer e colocando tudo o que tinha lá dentro. Por acaso não tinha muita coisa, apenas algumas mudas de roupa e alguns livros que algumas vezes lia e que peguei da biblioteca do lugar ou que o barão me deu. Depois que coloquei tudo na mala deitei na cama e fiquei olhando para o teto. Não estava com sono, nem um pouco, tudo o que queria era que as cinco da manhã chegassem rápido e assim pudesse começar meu treino.

De repente Estrela Cadente entrou no quarto pela janela e se colocou do meu lado miando preocupada, como se perguntasse como tinha me saído. Eu apenas sorri para ela e acariciei suas costas mostrando que tudo tinha corrido extremamente bem, ela miou mais uma vez e apontou para minhas coisas coma cauda como se perguntasse se podia ir também para onde eu iria. Eu fiquei pensativa, afinal não sabia se ela poderia atrapalhar meus treinos ou se me ajudaria com eles, mas quando ela passou ligeiramente a cauda por meu rosto e me fez sentir mais calma percebi que não poderia ir a lugar nenhum sem ela do meu lado me apoiando. Assenti coma a cabeça e ela miou feliz se acomodando em meu colo para dormir.

Fiquei acordada o resto da noite pensando em como seria o treinamento de um arqueiro. As cinco da manhã chegaram e eu sai do feudo antes que alguém pudesse acordar, não que eu não quisesse ser vista eu só estava ansiosa para chegar logo no lugar. Quando já estava entrando na floresta olhei para trás dando para ver todo o feudo já que estava subindo um pequeno morro que daria inicio a vasta e sombria floresta. Vendo toda o feudo em um completo silencio e deserto fiz um juramento. Quando voltasse não seria mais a mesma, finalmente teria a capacidade de mostrar a todos os que estavam ali o meu potencial, a minha força e assim não deixaria que nada acontecesse a minha casa.

E adentrei na floresta, dando as costas para meu feudo só para depois voltar como uma arqueira forte e determinada. Com todas as minhas forças aumentadas!