A Ultima Fuga

Capítulo 67- O encontro (parte 1)


Emily dirigiu-se à biblioteca. Era o cenário perfeito para Spencer. As longas fileiras de livros coloridos, a escrivaninha coberta por grande mata-borrão com a coroa de ouro, o maciço tinteiro Carlos II, a salva com as penas. Havia também uma caixa de couro contendo papel de cartas, uma espátula de marfim com cabo de pedrarias, vários selos

com o timbre da Marquesa e uma miniatura de fotografia em moldura de diamantes. Era o retrato dos pais de Spencer, Emily examinou cada objeto com interesse.

Imaginava Spencer tocando-os, as mãos de dedos fortes levantando a pena, para escrever uma carta de amor, sentada em sua poltrona forrada com estamparia discreta.

Estava de pé ao lado da escrivaninha, quando a porta se abriu e Biron disse: - Estava à sua procura, Milady. Há alguém que deseja falar-lhe.

Emily virou-se com ansiedade. Pensava que Ella tinha chegado mais cedo. Para sua surpresa, porém, uma freira entrou no recinto.

A touca branca, o véu escuro sobre a cabeça, o hábito longo e negro e a pesada capa roçando o chão lhe davam uma aparência melancólica. Em meio ao luxo da casa, ela parecia fora de lugar.

- Queria lhe dizer, Milady -falou Biron- que Lady Aria acabou de chegar e foi diretamente para o quarto das crianças.

- Ah, obrigada, Biron. Eu estava mesmo esperando por Lady Aria- diz Emily

- Eu não sabia que Milady estava aqui -explicou Biron.

Compreendendo que a freira esperava-lhe, Emily perguntou-lhe, sorrindo: - Quer falar comigo?

Não tinha certeza se devia apertar as mãos da religiosa. Mas, naturalmente, a freira não esperava por isso. Suas mãos permaneciam sob a capa negra.

-Tenho notícias importantes para lhe dar.- A voz da freira era calma. Falava devagar,

ponderadamente.

Emily compreendeu que ela era de meia-idade. Seu rosto grosseiro e os olhos por demais indagadores para uma religiosa.

- Notícias?- interrogou a Emily. Estavam, agora, sozinhas na biblioteca.

- Sua governanta está doente. É necessário que vá vê-la imediatamente- disse a freira.

- Ella está doente? Mas... onde ela está?- diz Emily

Não longe daqui. E precisa de sua ajuda. Posso levá-la até lá.- diz a freira

- Naturalmente. Disse que não é longe...- diz Emily

- Tenho uma carruagem aí fora. Vamos levar cerca de meia hora.- disse a freira

- Então, vou acompanhá-la imediatamente.- diz Emily

- É caso urgente- murmurou a freira.

Emily dirigiu-se à porta. Tencionara mandar um dos criados buscar seu gorro e capa no primeiro andar. Mas viu a capa que usara para passear com Spencer, sobre a cadeira do hall.

A capa fora comprada há poucos dias atrás. Era de pele, com capuz de zibelina. Tratava-se de um custoso agasalho. Emily tinha achado que fora um bom investimento, quando saíra para passear no parque com o Spencer. Ela soubera que Spencer não se conformaria com uma carruagem fechada, apesar do tempo frio.

Correu e colocou a capa sobre os ombros, antes que um dos criados pudesse ajudá-la.

- Esta irmã veio trazer-me más notícias -disse Emily a Biron.- Minha governanta está doente. Ela mandou me chamar. Preciso vê-la, sem perda de tempo. Ela se encontra a uma distância de meia hora. Por isso vou voltar o mais depressa possível. Desculpe-me com Lady Aria, e diga-lhe que espero voltar para o chá.

- Pois não, Milady- disse Biron

Por um momento, Emily ficou indecisa:- Parece indelicado disse, como se falasse consigo mesma mas, se subir vou demorar mais.

- Estou certo de que Lady Aria compreenderá- falou Biron.- E Martha está de serviço, se Lady Aria precisar dela.

- Diga a Martha para dar toda assistência a Lady Aria. Eu voltarei assim que puder- diz Emily.

A freira estava atrás dela.

Com um sorriso curto, Emily deixou a casa. Uma carruagem fechada a esperava no exterior. Emily notou que era puxada apenas por um cavalo, o que tornaria a viagem

mais demorada do que imaginara.

Se mandasse buscar uma das carruagens de Spencer, seria indelicada. Além disso, haveria um atraso maior para tirar a carruagem. Entrou na viatura e a freira seguiu-a.

O criado fechou a porta. O cocheiro fustigou o cavalo e o veículo se afastou.

- Que aconteceu? Qual é a doença de Ella?- perguntou Emily- Ella sempre teve ótima saúde!

- Deve me desculpar, Milady -falou a freira- Mas eu preferia não dizer nada. Costumo fazer minhas orações a esta hora do dia. A conversa distrai, e é contrária aos regulamentos da minha ordem.

- Sinto muito- desculpou-se Emily. Havia muitas perguntas que desejava fazer.E sentia grande impaciência ao notar que a carruagem se movia com lentidão, embora Ella precisasse de sua presença imediata.

Não fazia ideia onde a baba poderia estar. Tinha quase certeza de que Ella fora para a casa da irmã em High Wycombe. Mas, se a viagem ia demorar apenas meia hora, então Ella devia se encontrar nos arredores de Londres ou na própria cidade.

Era desanimador não poder fazer perguntas. Mas a freira tinha fechado os olhos e Emily não tinha coragem de interrompê-la novamente.

Pareciam estar rumando para o norte. Rapidamente as casas desapareceram, assim como as ruas estreitas. Até que se encontraram no campo.

Emily teve a sensação de que estavam subindo. Mas não conhecendo bem Londres, achou difícil adivinhar onde podiam estar.

Depois do que pareceu um longo tempo, atravessaram um descampado. O sol desaparecera. O céu estava nublado e havia possibilidade de uma tempestade de neve.

Emily esperava que Spencer não apanhasse a tempestade. Spencer levaria duas horas ou mais para chegar a Epsom, mesmo sendo ela que dirigia a carruagem. Como Spencer tinha sido gentil, aquela manhã, levando-os para um passeio no parque...

Depois, Emily voltou a pensar em Ella, que ia encontrar dentro em breve. Seria difícil não dizer a verdade à sua querida baba, sobre o seu falso casamento. Ella sempre estivera a seu lado. Desde seus tempos de criança.

E tinha uma maneira especial de perceber a verdade. Mesmo quando ela tentava guardar alguma coisa em segredo. Mas Ella nunca deveria saber sobre o casamento.

Porque embora Spencer a tivesse salvado por esse meio, de Lord Noel, Ella ficaria chocada ao descobrir que ela vivia uma mentira ao lado de Spencer!

A carruagem movia-se lentamente pela charneca, onde havia algumas árvores nuas. Os galhos estavam recortados contra o céu escuro. Toda a paisagem parecia sinistra a Emily.

Por fim, ela não suportou mais o silêncio:- Desculpe disse mas, estamos perto?

- Não vai demorar agora -replicou a freira.

Ela olhou para Emily De novo, Emily achou que os olhos da freira eram indagadores, e não angelicais e sinceros como esperava que fossem.

Disse a si mesma que estava imaginando coisas. Quando se perguntou quanto tempo ainda levariam para ver Ella, o cavalo virou para um lado, entrando por um portão aberto.

Havia altas colunas de pedra, cercadas por águias esculpidas. Subiram por um caminho mal cuidado, ladeado por árvores antigas, até que, em frente a elas, embora Emily tivesse apenas uma rápida visão, estava uma casa grande e feia.

Era construída de pedra cinzenta, austera e pouca sedutora.

"Por que Ella estaria aqui?" perguntou-se Emily. "É estranho!... A quem pertence a casa? Parece inacreditável! Ella sabia que era apenas uma questão de tempo antes, mas estaríamos juntas de novo..."

Ela teria pedido permissão a Spencer para mandar buscar a baba mais cedo, se nãotemesse que Ella descobrisse a farsa do casamento.Emily quisera viver algum tempo na Praça Grosvenor para ter certeza de que ela e Spencer não diriam uma palavra que traísse o segredo de ambas.

Nunca esperara que Ella se encontrasse em um outro lugar que não fosse em casa de sua irmã. Ela sempre falara nisso. Emily sabia que a irmã de Ella ficaria encantada em tê-la em seu chalé, pelo tempo que ela quisesse viver lá.

Mas, agora, não havia mais tempo para pensar. A carruagem parou. Como não havia criado para abrir a porta, Emily mesmo abriu-a, e desceu. A freira a seguiu.

Diante dela estava uma porta, precisando de pintura. A argola da porta, que devia ser de bronze, evidentemente, não era limpa há muito tempo. Emily ergueu a mão em sua direção. Naquele instante, a porta foi aberta por um criado de cabelos grisalhos. Ele vestia uma roupa esfarrapada, e muito larga, como se tivesse sido feita para outra pessoa.

Por um instante, Emily não pôde pensar no que dizer. Então, o criado, na voz alta dos surdos, disse: - Por aqui, Madame.

Afastou-se da porta e caminhou adiante de Emily. Atravessou um hall escuro, com uma escada a um lado. Embora lhe fosse difícil ver com clareza sob a luz fraca, pareceu a Emily que o lugar estava muito sujo e empoeirado. O velho caminhava. Ela o seguia, sempre preocupada com Ella. Não podia compreender por que motivo Ella se encontrava ali, pois, mesmo estando doente, não poderia ser bem tratada em local tão pouco confortável.

Quando Emily alcançou o alto da escada, olhou para trás. Para sua surpresa, a freira não mais a acompanhava, conforme esperara.

A porta de entrada estava fechada. Quando olhou para o hall, ouviu nitidamente o ruído de uma carruagem ao se afastar. A mesma carruagem em que tinha vindo!...

Hesitou, indecisa e apreensiva, até que o velho disse: - Por aqui, Madame.

A voz era forte e ecoava pelo hall. Enquanto falava abriu uma porta diante deles. Encaminhou Emily a um grande quarto.

Por um instante, o quarto pareceu muito claro, em contraste com a escuridão das escadas. Havia uma lareira acesa e dois candelabros, cada um com três velas, dos lados de uma cama de quatro colunas.

O cortinado estava abaixado. Ela viu uma sombra sobre os travesseiros. Aproximou-se com suavidade, pensando que afinal, ia ver sua baba.

Foi então que ela escutou um ruído às suas costas. Ouviu a porta se fechar, e a chave girar na fechadura.

Emily se voltou e soltou um grito de imenso pavor...