A Ultima Fuga

Capítulo 20- CAPITULO ESPECIAL


A grande mansão de Carlton Gardens, estava muito iluminada, abrigava a nata da sociedade.

A Viscondessa de Palmerston, esposa do Secretário de Estado de Relações Exteriores, era aos sessenta e um anos de idade uma das mulheres mais bonitas da Inglaterra.

Tinha olhos adoráveis, um perfil perfeito e um rosto que exprimia bondade. Casara-se com Lorde Palmerston há onze anos atrás, quando ele tinha cinquenta e três.

Ele a amara desde o tempo em que era casada com Lorde Cowper. Agora, estavam mais apaixonados que antes. Conhecido como um cupido entre os amigos, Lorde Palmerston era tão simpático quanto sua esposa era bonita. Tinha olhos profundos, nariz reto e boca firme. Emily ouvira dizer que ele podia ser, às vezes, amargo e inflexível. Mesmo que isso fosse verdade, ela pensou, depois de conversar com ele, que nenhuma mulher poderia deixar de achá-lo atraente.

- Devo cumprimentar a ambos falou Lady Palmerston ao casal. Tenho certeza de que serão muito felizes.- Sorriu, e acrescentou olhando para o marido:

- Não há nada mais maravilhoso do que se casar com a pessoa amada!

O tom emocionado da voz fez Emily corar. Naturalmente, a Marquesa também se sentia como ela quando as pessoas falavam com tanta sinceridade. Era o único momento

em que ela se envergonhava da farsa que levavam a efeito, enganando toda a sociedade.

Não havia mais tempo para pensar. Outras pessoas se aproximavam para cumprimentar os donos da casa.

Spencer conduziu Emily até os convidados, fazendo as apresentações. Ela conheceu o Duque de Wellington e os membros do Corpo diplomático. De súbito, ouviu alguém exclamar:

- Marquesa, eu esperei muito por vir aqui esta noite!

As palavras tinham um sotaque estrangeiro.

Emily viu uma figura exótica, fulgurante de esmeraldas, estender as mãos enluvadas para Spencer. Tinha um rosto imponente e olhos oblíquos. E também um encanto oriental, tão cativante, que fez Emily compreender o brilho súbito nos olhos dela, quando respondeu:

- Estou honrada. Eu também tinha certeza... muita certeza de que nos encontraríamos aqui esta noite.- Spencer

Segurou as mãos estendidas para ela, e levou-as aos lábios. Então, com um pequeno sobressalto, como se só então se lembrasse de que Emily estava com ela, disse:

- Permita-me apresentar minha esposa.- Depois, dirigiu-se a Emily: Sua Alteza, a Princesa Maya Kaupenski.

Emily fez uma reverência. A Princesa inclinou levemente a cabeça, antes de dizer:

- Preciso apresentar o Barão à sua esposa. Estou certa de que ele deseja conhecê-la.

Mais tarde, Emily não sabia bem como acontecera. Encontrava-se conversando com um jovem diplomata russo. Quando olhou à volta, Spencer e a Princesa tinham desaparecido.

Havia dança no salão de baile. Depois de ter dançado uma valsa com o Barão, vários cavalheiros a tiraram para dançar. Ela trocou de par várias vezes enquanto o Spencer continuava desaparecido.

Emily conversou com seus pares sobre a Princesa. Veio a saber que era uma das belezas

mais cortejadas em Londres. Seu marido era Adido da Embaixada e parente da família real russa. A Princesa causara grande sensação desde a sua chegada.

- Ela é fascinante! disse um dos pares de Emily. Possui a atração do Oriente nos olhos e no movimento do corpo. Afirmo-lhe que esta é a impressão que ela produz em todos os que a conhecem.

- Ela é sedutora.

O cavalheiro atirou a cabeça para trás e riu.

- Tem razão, Lady Hastings. As mulheres tem ciúme dela.

- Nem todas- diz Emily sorrindo.

- Milady não precisa sentir ciúmes de ninguém!... falou seu cavalheiro. Embora...

Calou-se, de repente. Emily compreendeu que ele ia dizer alguma coisa menos elogiosa sobre a Marquesa.

Não ficou surpresa. Já conhecia a fama de conquistadora da Marquesa, responsável pelos olhares rancorosos que ela recebia das mulheres e homens, e pelos comentários significativos que ouvia dos homens ciumentos.

Esperava que a Marquesa voltasse a tempo de acompanhá-la à ceia. Como não havia sinal dela, aceitou o convite de Lorde Derby, que havia conhecido em um jantar.

- Queria muito encontrá-la de novo, Lady Hastings -disse ele- para pedir-lhe que faça sua esposa se manter interessada na política. Ela é muito inteligente e hábil. O Secretário do Exterior e eu comentávamos outro dia, como a Marquesa poderia ser útil ao Partido, se ela se dedicasse mais à política.

- Farei o possível para encorajá-la- respondeu Emily.

Achou que seria uma solução para o tédio da Marquesa pela sociedade. Como se lesse seus pensamentos, Lorde Derby continuou:

- Não posso lhe dizer o quanto estou contente por seu casamento. Ela perdeu muito tempo antes de encontrar o amor.

- Está sugerindo que minha esposa se dedique totalmente à calma vida familiar- diz Emily

- Nada disso. Eu dizia que precisamos de jovens na política. Ficaria surpresa se soubesse de sua habilidade e perícia, quando tem uma tarefa a cumprir. Mas, é difícil prendê-la... A Câmara dos Pares não a vê muitas vezes, durante meses.- diz Lord

- Vou tentar convencê-la- diz Emily

Emily sentia-se desalentada, pensando que a Marquesa não lhe daria ouvidos. E afinal, para onde ela tinha ido?

Quando a ceia chegou ao fim, Lorde Derby foi chamado pela esposa para um jogo de cartas. Emily afastou-se sozinha, esperando encontrar alguém conhecido.

No entanto, pareceu-lhe que estava cercada de rostos desconhecidos. Sentia-se embaraçada por não estar acompanhada. Caminhou por diversos corredores, na esperança de encontrar a Marquesa em alguma saleta.

Quando alcançou a sala de música, viu-a meio escondida entre flores e samambaias, conversando intimamente com a Princesa. Elas deviam ter estado ali a noite toda.

Observou-os por um instante, através da porta semi-aberta. A Princesa olhava para o rosto da Marquesa, e Spencer estava inclinado para ela. Emily não poderia interrompê-las. Tinha certeza de que a Marquesa se esquecera de sua existência. Afastou-se, percorrendo o corredor. Cruzava com as pessoas tratando de demonstrar que tinha um encontro em algum lugar.

Olhou para dois salões. Viu que os sofás estavam ocupados por casais absorvidos um pelo outro. Abriu uma porta e encontrou-se em uma saleta decorada com gosto mais masculino. Os quadros representavam cavalos. Os móveis eram de couro. Suspeitou que tinha entrado na parte reservada da casa. Mas estava à procura do que fazer, e a sala se

encontrava vazia. Emily deu uma volta, observando os quadros. Então, quando chegou ao fim da sala, ouviu vozes através de uma porta aberta.

- Inscreveu algum animal no Nacional? perguntou um homem.

- Pensei que Bushranger podia ter chance foi a resposta mas, Columbine, de Hastings, sempre o vence quando correm juntos.

- É um bom animal. Mas eu odeio a dona!

- Você não é o único- respondeu Harry- Contudo, não se preocupe, ela receberá seu castigo, Colbrooke.

- Duvido muito!

- Ora, o que ela vai receber, será um castigo! disse Harry.

- Do que está falando?

- Da vingança da qual vocês todos, que odeiam Hastings, vão ouvir falar dentro de pouco tempo...

Emily ficou imóvel. Ela devia se afastar, mas, tendo escutado tanto, não podia ir embora.

- Vamos, Harry, fale! O que está havendo?

- Não posso lhe contar! respondeu Harry. E Emily concluiu que ele bebera bastante, embora não estivesse embriagado. No entanto, falava sobre alguma coisa confidencial somente porque o vinho soltara sua língua.

- Somos velhos amigos, Harry insistiu Colbrooke. E você tem alguma coisa interessante para me contar sobre a Marquesa. Sabe que estou curioso! Odeio aquela mulherzinha, desde que ela me roubou o interesse de uma morena!

- Muito bonita, realmente- comentou Harry- Eu a teria desejado para mim também...

- Você não conseguiu interessá-la, nem eu! Mas, a Marquesa sim! Só porque tem dinheiro e se veste bem!

- Eu não sabia que você a odiava... murmurou Harry.

- Mas, eu a odeio! E se tem alguma coisa para me contar sobre ela, fale de uma vez.

- Então, vou lhe dizer que ela não vai montar Columbine no Nacional. Por um motivo...

- Não vai? a voz de Colbrooke mostrava surpresa. Por quê?

- Porque ela já estará morta. Só por isso!

- Morta Que quer dizer com isso?

- É um segredo.

- Vamos, Harry, tome mais um gole! Conte-me o que sabe, que estou morrendo de curiosidade!

- Aposto que está! -Harry riu.- Mas, se quer saber a verdade, a Marquesa seduziu Alison, minha irmã.

- Foi mesmo?

- Prometeu se casar com ela. Depois deu o fora, e se casou com uma pequena qualquer... Não se comportou como devia.

- Alison está zangada com ela? perguntou Colbrooke.

- Zangada?! Ela está é furiosa! Mas vai se vingar!

- Como?

- Por meio de um plano inteligente. Alison tem cabeça!

- Ela tem muitas outras coisas também... falou Colbrooke. Mas, como é que ela vai se vingar da Marquesa?

- Vou lhe contar tudo.... Aquela mulher russa que ela anda perseguindo há muito tempo... e nós também...

- Maya Kaupenski? perguntou Colbrooke.

- Exato. Esses nomes estrangeiros sempre me atrapalham... Ela é muito bonita. Eu gostaria de conquistá-la, sabe? Mas nunca tive oportunidade.

- Nem a Marquesa vai ter! O Príncipe é muito ciumento. Ele nunca a deixa sozinha.

- Foi o que Alison disse respondeu Harry. Ela contou ao Príncipe que a Marquesa perseguia sua esposa e era correspondida! O Príncipe não acreditou. Alison disse que ele falou da esposa com imensa admiração, afirmando que ela jamais podia ter olhado para outro homem. Então, Alison o desafiou a tirar a prova.

- Que quer dizer?

- Ela disse ao Príncipe que, se ele acreditava tanto na fidelidade da esposa deveria deixá-la sozinha, por uma noite ou duas. Ele lhe diria que ia a Paris. Mas, na verdade, ficaria em casa de amigos...

- Quer dizer que o Príncipe está, deliberadamente, deixando o campo livre para a Marquesa?

- Exato! A Marquesa está sendo observado por um dos espiões do Príncipe. E, no momento apropriado, o Príncipe vai aparecer para dar o flagrante!

- Eu gostaria de ver isso!

- Está querendo testemunhar um assassinato?

- Será que o Príncipe pretende mesmo matar a Marquesa?

- Ele disse a Alison que mataria qualquer um que tocasse em sua esposa! É impulsivo, como todos os russos. Mata primeiro, fala depois! Muito simples, não acha?

- Não acredito... escarneceu Colbrooke. Mas, se a Marquesa morrer, acredito que Bushranger vencerá o Nacional.

Emily estava rígida. Apertava as mãos com tanta força, que os nós de seus dedos estavam brancos. Virando-se, correu para o corredor repleto de pessoas que iam e vinham do salão de baile. Passou por elas, apressada, em direção à sala de música onde tinha visto Spencer e a Princesa.

Precisava preveni-la. Ia contar-lhe que, mais uma vez, estava sendo preparada uma armadilha contra ela. Uma armadilha perigosa! Talvez mais perigosa do que aquela da qual ela conseguira escapar! O sofá onde se achavam sentados estava vazio.

Perdita espiou através das samambaias e flores, pensando que eles podiam ter mudado de lugar.

"Talvez tenham ido para o salão de jantar" pensou, correndo pelo corredor, sem se importar com os olhares curiosos que lhe eram dirigidos.

Novamente, não havia sinal de Spencer. Subiu as escadas em direção ao salão de baile. Tinha pressentimento do perigo. Além do que escutara, sabia por intuição que devia salvar Spence de uma situação que se tornava, a cada momento, mais perigosa.

Estava quase alcançando o salão quando viu Mona, amiga de Spencer, caminhando em

sua direção.

- Lady Hastings- diz Mona ela estive à sua procura.

- Onde está minha esposa?- Emily

- Era sobre isso que queria lhe falar. Ela a procurou, mas não a tendo encontrado, deixou um recado.- diz Mona

- Um recado? – Emily

- Sim. Ela tinha um encontro no clube. Espera que não se aborreça com ela. Mas pediu-me que a levasse para casa, quando o desejasse.- Mona

- Foi para o clube!- exclamou Emily, antes de compreender que isso fora apenas uma desculpa.

Sabia que Spencer não tinha ido ao clube. Estava certa de que ela saíra com a Princesa. E isso, a menos que ela pudesse salvá-la, a levaria à morte.

- Preciso ir agora! -disse ela a Mona.

- Não vai dançar comigo primeiro?- diz Mona

- Não, não, preciso ir para casa! É muito importante!- diz Emily

Desceu as escadas à frente de Mona. Quando chegaram à porta de entrada, Mona disse ao porteiro:

- A carruagem da Marquesa de Hastings!

Depois, baixou os olhos para Emily:

- Esqueceu sua capa. Devo ir buscá-la?- diz Mona

- Não tem importância- respondeu Emily depressa.- Mandarei buscá-la amanhã.

- Poderá sentir frio- diz Mona.

- Lady Mona- cortou Emily- preciso ir para casa sozinha. Por favor, queira acompanhar-me até a carruagem.

- Muito bem replicou- Mona muito séria. E Emily compreendeu que ela estava ofendida.

Embora levasse apenas alguns minutos, pareceu-lhe um século, antes que a carruagem chegasse à porta. Agradeceu apressada, entrando na carruagem.

Quando o criado colocou uma manta sobre seus joelhos, ela interrogou:

- Acompanhou Milady há pouco?

- Sim, Milady.

- Então, leve-me onde a deixou.- Emily

O criado hesitou. Mas ela ordenou-lhe.

- Obedeça, e depressa! É uma questão de vida ou morte!- diz Emily

O criado pareceu surpreso. No entanto, fechou a porta da carruagem e os cavalos se moveram.

Perdita adivinhara que Spencer tinha partido em sua própria carruagem, e não na da Princesa, para que os criados dela não comentassem... Agora, era apenas uma questão de chegar antes do Príncipe.

Onde estaria o Príncipe?... Seu espião vira a Marquesa sair com a Princesa. Naturalmente, correra para avisar o amo. A questão era saber quanto tempo o Príncipe demoraria para chegar em sua casa.

Emily tinha certeza de que o irmão de Alison não exagerara ao dizer que o Príncipe ia matar Spencer, se o encontrasse com a esposa. Lady Alison fizera seu trabalho bem feito. Atirara o Príncipe contra Spencers. Rira da Marquesa por ser tão confiante. E, antes de convencer o Príncipe a tirar a prova da fidelidade da esposa, incitara-o a odiar Spencer a ponto de assassiná-la.

Perdita lembrou o encanto exótico da Princesa. Ela não era tão bonita quanto Lady Alison, mas possuía um magnetismo que todos achavam irresistível, desde o começo do mundo. Emily também estava certa de que a Princesa achava Spencer muito atraente.

- Depressa! disse ela ao cocheiro.

Entraram na Rua Curzon. Ela sentiu que cada segundo que passava era um segundo mais próximo da morte de Spencer. Spencer não conseguiria se defender, mas isso não mudaria a intenção do Príncipe.

Para o Príncipe, Spencer era a inimiga e, como tal, devia ser morta. Sabia que se o Príncipe assassinasse Spencer, poderia apelar para circunstâncias atenuantes e para imunidade diplomática. Ele teria que voltar à Rússia por uns tempos. Mas havia outras embaixadas para onde poderia ser designado, em outras partes do mundo.

- Mais depressa! gritou Perdita, no exato momento em que os cavalos se detinham.

Estavam diante de uma bela mansão. Quando o criado abriu a porta da carruagem, ela correu para a entrada da casa, antes que ele pudesse tocar a campainha.

Quando a porta se abriu, ela viu apenas um sonolento criado. Por um momento, imaginou se, afinal de contas, não estaria enganada. Mas, então, viu um o casaco de Spencer sobre uma cadeira do hall. Ela tinha chegado a tempo!