A Sociedade Perfeita
A Colina
Lorena acordou, assustada.
Olhou para o relógio detonado que guardava em um canto do lado do colchonete mofado que ela chamava de cama. 4:25h.
Bufou, descontrolávelmente irritada. Sabia que não conseguiria dormir de novo. Era assim todos os dias. Sonhava com o dia em que fora recusada pelo mais perfeito sistema do mundo, provavelmente do universo. Lembrava-se bem do rosto desapontado de seus pais e da sua amiga. Eles a haviam abandonado para se mudar para A Sociedade Perfeita. Desapareceram pela trilha que adentrava a floresta, guiados pela Cordenadora Dos Testes Puros Gerais (mais chamada de C.T.P.G). Ela tentou seguí-los, mas de nada adiantou: fora repelida por uma barreira totalmente invisível, mas com a força de um muro feito de aço.
A garotinha de seis anos voltou para casa sozinha e desolada. E assim ela crescia naquele inferno.
Levantou-se, bufando novamente, vestiu uma roupa qualquer e saiu. Não se importou com o fato de estar completamente imunda, todos daquele lugar eram assim.
Adentrou pela madrugada da cidadezinha em que morava. Dunkelheit*, era o nome do lugar. Um nome muito apropriado aliás, pensava a jovem, uma vez que nada havia naquela cidade senão escuridão e fantasmas de pessoas que perderam todas as suas esperanças. Pessoas como ela, recusadas pelo Teste Puro. Pessoas abandonadas que haviam tomado os piores caminhos possíveis. Nisso Lorena orgulhava-se de si mesma. Não havia vícios, apenas fumava um pouco, de vez em quando, nada demais. Havia sobrevivido à 17 anos naquele lugar horrível, sem se deixar levar pelas influências ruins a sua volta. Por isso era julgada como maluca. Naquele lugar, os que possuiam a mente sã eram os loucos, e os verdadeiramente malucos eram considerados os normais. Por isso, Lorena não tinha amigos. Vivia em uma sociedade de "sãos", a "maluca" era ela.
Vagou sem rumo pelas ruas imundas da cidade, e, sem perceber, já estava subindo a colina. Sim, a colina. A colina ficava onde era a antiga Berlim. Antiga... não sabia se a cidade ainda tinha esse nome. Não importava. Estava deserta. E com razão. Nenhum recusado gostava de se lembrar que poderia estar no chamado paraíso terreno. Acontece que Dunkelheit ficava a apenas 2 quilômetros da antiga Berlim. Sim, apenas dois quilômetros. Ninguém se importava com distâncias quando não havia ninguém para habitá-la.
E acontece que Lorena vagou sem saber até aquela colina. A colina que havia estragado sua vida. Ali eram realizados os testes.
Parou abruptamente e olhou-a, a colina majestosa. Uma iluminação anormal a incendiava, como se ali estivessem as respostas para todos os problemas. E estavam, de fato.
Se aproximou mais, curiosa.
Boquiabriu-se. Uma fila gigantesca se formava em direção à uma salinha minúscula. A Sala Dos Puros. Casais com seus filhinhos, viúvas sofridas, crianças sozinhas, adolescentes, todos iam em direção à majestosa sala, onde eram guardadas todas as suas esperanças.
E ela ficou lá, parada, observando-os. Ninguém parecia se importar.
- Com licença, senhorita. Vai fazer o teste também? - Uma senhora idosa, porém muito bonita lhe perguntou. Lorena a analisou, mas não era a mesma senhora que dera sua perdição 17 anos atrás.
Ela ficou sem palavras por um instante. Depois olhou para a fila enorme, para a ansiedade estampada no rosto das pessoas.
- Eu vou.
A senhorinha sorriu.
- Então eu preciso saber seu nome, sua idade e sua zona.
-Zona? - perguntou Lorena, muito confusa.
A senhorinha sorriu novamente.
- Sim, minha querida. Onde você mora.
Lorena fez um gesto afirmativo com a cabeça, demonstrando que entendia.
- Sou Lorena Keufer. Tenho 22 anos e moro em Dunkelheit. Sabe? há 2 quilômetros daqui.
- Sei sim - A senhorinha sorriu novamente. Pode entrar na fila.
Lorena olhou a fila novamente.
- É enorme...- sussurrou para si mesma.
- É sim - respondeu a senhora - mas não se preocupe. o teste demora apenas alguns segundos, não vai demorar.
- Ok. - respondeu Lorena vagamente e se dirigiu à fila.
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Fios foram grudados à sua cabeça. Ela tentou filtrar todos os pensamentos positivos que podia. Uma voz gentil ecoou por seu cérebro.
- O teste já vai começar, minha querida Lorena. Está pronta?
A jovem respirou fundo.
- Estou.
Não se lembra de nada. Seu subconsciente foi mergulhado em uma escuridão sem fim. Segundos depois, que lhe pareceram horas, sua consciência voltou ao normal e a voz ecoou novamente.
- O teste já chegou ao fim. Pode aguardar do lado de fora. Não vai demorar, viu minha querida? Só alguns segundinhos e seu resultado ficará pronto.
- Tudo bem...- ela sussurrou, incapaz de dizer qualquer outra coisa.
Ela saiu por uma porta do lado oposto à que entrou. Lá fora era do jeitinho que ela lembrava. Algumas cadeirinhas delicadamente talhadas em madeira, uma outra senhorinha oferecendo alguma comida, que seria a mais maravilhosa que provara em sua vida. E em um canto, próximo à floresta, algumas pessoas tentavam, como ela já fez um dia, violar a barreira invisível que separava os aprovados dos reprovados. Coitados. Nunca conseguiriam.
Foi interrompida de seus devaneios por uma leve pressão em seu ombro.
- Senhorita? - Uma nova senhorinha lhe chamou a atenção. - Me desculpe interrompe-la - Ela abriu um sorriso de orelha a orelha - Mas devo lhe imformar que você passou no teste.
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