A Sociedade Perfeita
A Sociedade Perfeita
Lorena encarou a senhorinha, ainda parada em sua frente, o olhar bondoso e o sorriso extenso.
- C-como? desculpe, eu não ouvi direito. - Mentira. Tinha ouvido muito bem, apenas não acreditava.
A senhora sorriu ainda mais.
- Pois eu repito, minha querida: Você passou no Teste Puro.
Lorena estava estática. Nunca, NUNCA imaginaria que passaria no teste. Aliás, nem sabia de onde lhe veio a ideia de repetí-lo, talvez uma esperança mínima que berrava no fundo de seu coração, esperando para virar realidade, mas ela não acreditava nisso.
- Siga-me minha querida, temos muito o que fazer - A senhorinha lhe pegou a mão, guiando-a em direção à floresta. Quando Lorena se aproximou da barreira, as pessoas que tentàvam violá-la pararam e a olharam, invejosos. A senhorinha prosseguiu a guiando e, por algum milagre, Lorena passara da barreira invisível, como se ela jamais houvesse existido.
A diferença era grande, Lorena notou. Uma energia positiva a inundou, lhe deixando anormalmente feliz. Tudo após a barreira parecia maravilhoso, haviam flores de todos os gêneros e cores, e vários animais passaram próximos à ela, como se quisessem lhe dar as boas vindas.
Caminharam um pouco mais, sem pressa. Mais adiante, Lorena avistou uma nova salinha, onde, em frente à porta, uma moça jovem e muito bonita lhes esperavam.
- É aqui que lhe deixo, minha querida.
Lorena franziu o cenho.
- Aqui é a Sociedade Perfeita?
A senhora riu.
- Não, sua bobinha. Aqui vamos apenas lhe preparar para a Sociedade Perfeita. - E vendo a cara de desgosto de Lorena - Não se preocupe, é indolor - Ela riu novamente. - Adeus senhorita Keufer.
- Adeus...- Lorena sussurrou, mas a senhorinha não pareceu lhe ouvir.
- E olá, Lorena - a moça postou-se em sua frente, um sorriso tão largo quanto o da senhora. Por um minuto Lorena se perguntou como ela sabia seu nome, mas então se lembrou que havia informado seus dados antes mesmo de realizar o teste. - À propósito - A moça continuou - Meu nome é Lílian. Lílian Bredshaw.
Lorena a olhou estranhada.
- Você não é daqui, é?
A moça sorriu novamente, de uma forma absurdamente gentil, se levar em conta tamanho atrevimento.
- Não, querida Lorena. Nasci na Inglaterra. Agora vamos, não temos tempo a perder. - Disse a moça, lhe guiando para dentro da salinha.
Lorena boquiabriu-se. Lá dentro parecia uma casa, mas não uma casinha, uma casa enorme. Cada canto da mansão era decorado com toda a delicadeza do mundo, não havia uma falha na pintura, era tudo totalmente perfeito.
Totalmente inacreditável.
- O banheiro é ali, minha querida.- Disse a moça - Nele, há uma banheira quentinha e já cheia. - Ela abriu um sorriso. - A água da banheira é mágica, e lhe tirará todos as suas mágoas e problemas.
Lorena apenas tomou de um sinal afirmativo com a cabeça. Ainda estava boquiaberta.
Ao chegar no banheiro, despiu-se rapidamente e adentrou da água. A sensação era maravilhosa. Por um minuto, esqueceu-se de todo o seu passado obscuro, esqueceu de Dunkelheit, esqueceu das pessoas desesperadas que tentavam ultrapassar a barreira invisível. Apenas imaginou como seria seu novo lar, se dessa vez teria amigos. Quando percebeu que estava demorando demais, e que Lílian devia estar mofando lá fora a lhe esperar, ela saiu.
Já ia vestir suas velhas roupas imundas quando uma voz soou pelo banheiro.
- Ah, querida Lorena, me esqueci de lhe avisar. Há um armário na parede à direita da pia. Pode escolher a roupa que quiser.
Lorena rápidamente avistou o armário e dele se aproximou.
Abriu-o. Era simplesmente maravilhoso. Haviam cerca de cinco vestidos ali dentro, todos maravilhosos, cada um de uma cor diferente. Se apossou de um vestido azul, que era sua cor favorita e vestiu-o.
Não se reconheceu no espelho. Ela nunca havia se visto tão linda.
Na verdade, quase nunca via a si mesma, uma vez que não tinha espelho.
O efeito da água era perfeito. Sua pele branca estava hidratada e limpa. Seus cabelos, antes castanhos devido à imundisse de Dunkelheit, agora eram dourados, refletindo à luz. Notou, feliz, que seus olhos eram azuis, e combinavam com o vestido da mesma cor, celeste, feito de tule da cintura para baixo, semelhante à um vestido de bailarina.
Se aproximou do armário novamente. Uma sapatilha delicada havia surgido ali. Sim, surgido. Não estava lá antes.
- Tudo aqui deve ser mágico...- sussurrou para si mesma, e abandonou o banheiro.
Logo que entrou na sala, Lílian abriu um grande sorriso.
- Pronta? - Ela perguntou.
- Acho que sim.
- Então vamos.
Lílian lhe guiou pela floresta. Caminhavam normalmente, mas Lorena queria correr. Não comentou no assunto.
Espera aí....
- Lílian...- Lorena chamou, dando-se conta de um fator importante.
- Sim?
- Eu não tenho nada. Como vou arrumar moradia? E comida?
A moça riu, deliciada.
- Não precisa de nada, querida. Não temos dinheiro em nosso sistema.
Lorena arregalou os olhos.
- Como? Mas as pessoas não roubam?
A moça riu e Lorena percebeu a besteira que havia falado: Como roubar, se nem ao menos havia dinheiro?
- Ok, vamos mudar a pergunta. As pessoas não pegam coisas demais? Não deve ter produto pra todo mundo, não é? Quer dizer... - Lorena olhou para si mesma, apontando para o vestido. - É irresistível!
A moça lhe envolveu com um olhar terno.
- Minha querida, trata-se das pessoas mais puras e bondosas da Terra. Elas sabem que todos devem ter a mesma quantidade de comida, roupa e moradia. É a democracia.
- Parece socialismo...- Comentou Lorena.
- Parece - disse Lílian - Mas não é. No socialismo as pessoas não têm personalidade, pois tudo é exatamente igual. Aqui é diferente. Todos podem escolher o que querem, e não há brigas, pois a população é ciente como um todo e o regime não é imposto como era antes. As pessoas gostam.
- Hum. - Lorena resmungou, incapaz de dizer outra coisa.
Era tudo muitíssimo bem planejado.
- Chegamos! - Exclamou Lílian.
Estavam na frente de um portão, talhado com desenhos clássicos, como o espiral, e formas, como flores, em toda sua surpefície, feita de um ferro âmbar como a noite.
Parece obscuro, assim falando, mas não era. Quando Lílian abriu o portão, Lorena quase se engasgou: A Sociedade Perfeita era um campo florido, mas ao fundo podia-se ver o que parecia um vilarejo, com casinhas fofas e delicadas postadas a mais ou menos cada 5 metros. Mas só parecia um vilarejo, pois haviam milhares, não, milhões de casas. Era incrível.
- Aqui lhe deixo, mnha querida. Os moradores lhe guiarão.
Lorena virou-se para lhe dizer adeus, mas Lílian havia sumido.
Andou um pouco. Mais à frente, as pessoas começaram a surgir. Homens, mulheres, adolescentes e crianças (que para Lorena pareciam ter muito menos de seis anos), todas incrivelmente bonitas.
Mas Lorena, em especial, dedicou sua atenção à uma jovem que colhia flores.
Era-lhe estranhamente familiar. Devia ter sua idade. Usava um vestido amarelo floral, com uma botinha marrom. Seus cabelos caíam em ondas até a cintura, ruivos. A pele alva era interrompida nas bochechas por algumas poucas sardas que constratavam os seus olhos verdes. A moça era magra, e extremamente baixa.
- Posso lhe ajudar? - a moça se virou para ela.
Lorena então se lembrou. Nunca esqueceria aquela voz infantil.
- Clarisse? - Ela perguntou, embasbacada.
Não, não era possível.
Ou era?
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