A Seleção

Um Príncipe entra num bar


P.O.V. America.

Um Príncipe entra num bar. Parece o início de uma piada ruim, mas é exatamente o que acaba de acontecer.

—E o que Vossa Alteza Real veio fazer aqui?

P.O.V. Maxon.

Após os eventos recentes, para todos os efeitos a Seleção acabou. Porém, o problema foi que a eleita sumiu. Mas, eu faço uma boa ideia de onde ela possa estar.

E eu estava certo. Encontrei-a na província de Honduragua, num bar chamado Moon Light. O lugar era um prédio da época antes das Guerras. A fachada estava com a pintura desgastada, a placa de madeira já estava mais do que apodrecida.

No caminho para cá eu vi. Vi exatamente do que ela estava falando, o motivo de sua revolta. Honduragua era a última província de Iléa. Em algumas das províncias como em Clermont por exemplo a situação até podia ser "maquiada", mas de Clermont em diante... as casas eram feitas de madeira de segunda, lona, taipa. Não eram casas eram barracos. Os meus súditos eram magros, esqueléticos, sua pele era tão pálida que era quase cataléptica, marrom. Eles tinham uma aparência mórbida, adoentada. Suas roupas eram farrapos. E nesta província era ainda pior porque aqui ficavam as fábricas.

O ar era preto, preto de fumaça quase irrespirável. Minha mãe veio de Honduragua, ela já trabalhou numa das fábricas antes de ser Selecionada. Eu entrei no bar e ela estava sentada num banquinho de frente para o balcão. O bar estava em péssimo estado de conservação, parecia que o teto poderia desabar em nossas cabeças a qualquer momento.

Me sentei no banco ao lado do dela e este rangeu. Ela estava tomando uma bebida duma cor indeterminada.

—Esse é um copo estranho.

Ela riu.

—Não é um copo. É um vidro de picles.

P.O.V. America.

Quando o mundo vem desabando na sua cabeça e você não sabe mais em quem confiar ou no que acreditar, o que você faz? Vou dizer o que eu faço. Encher a cara.

—O que é isso que está bebendo?

—É um Moonshine.

—Eu quero um também.

Eu ri.

—Um Moonshine saindo.

Disse o Earl.

—Não. Nem se atreva.

—Porque não?

—Porque você passou sua vida toda bebendo champanhe, coquetéis chiques e vinho. Se você beber um deste... você morre. Moonshine é feito com bebida destilada e tem um alto teor de álcool. Aqui, toma um gole.

Estendi o copo pra ele. E quando ele bebeu fez uma careta, quase que cuspiu.

—Como pode beber uma coisa dessas?

—É o costume. Se o Príncipe quer uma bebida, dá cerveja pra ele. Ele pode beber sem morrer.

P.O.V. Príncipe Maxon.

Havia algo perturbando-a. Seus olhos estavam perdidos, ela estava imersa em pensamentos.

—No que está pensando?

—No quanto a minha vida mudou. E tudo começou com... um concurso de beleza estúpido, machista e narcisista.

Traduzindo, A Seleção.

—Sabe como minha mãe me convenceu a me inscrever?

—Como?

—Se eu me inscrevesse, ela me deixaria ter um emprego e ganhar meu próprio dinheiro. Era só o que eu queria. E graças a isso a minha vida virou do avesso.

Posso dizer que minha vida também virou do avesso depois da Seleção. Mais do que isso, minha vida pode ser dividida entre antes de America Singer e depois de America Singer.

—Porque está aqui?

—Porque... não sei mais quem eu sou. Só nos últimos dois dias eu tive três sobrenomes diferentes. Singer, Sanderson e Lambert, mas eu sempre fui a America. Isso me trás algum conforto.

Disse entornando aquela bebida nojenta.

—Faz mais um.

Pediu ao atendente empurrando-lhe o copo.

—Eu também já "pertenci" a varias raças diferentes. Primeiro eu era uma humana nascida mutante, depois eu era meio bruxa, meio Wolf-Blood e agora eu sou Divina. Minha mãe, Magda me deu esse nome America porque eu chutava muito durante a gravidez, disse que eu era uma lutadora nata, que eu era um bebê milagroso. Agora não tenho tanta certeza. Ás vezes, acho que eu não deveria ter existido pra começar.

—O que?! Porque diria isso?

—Pense á respeito, quando eu penso em todas as coisas absolutamente loucas que me levaram a nascer. Minha mãe biológica é a Escuridão, ela existe desde antes do Universo! E ela é irmã de Deus, á propósito. Ela passa milênios trancada em só Deus sabe que gaiola, mas consegue escapar e nascer com um corpo humano, cresce super rápido, tem uma primeira vez/coisa de uma noite só com meu pai biológico que é o Diabo e sobrinho dela e então... Boom! Brecha, bebê milagroso. Como alguém pode ser um milagre e um erro ao mesmo tempo?

—Ninguém é um erro, America. Especialmente não você.

—Tem razão. Você é um milagre. Sua mãe sai de Honduragua, é selecionada pra ser rainha, tem uma chance em um bilhão de ficar grávida, sofre vários abortos, mas... ai ela tem você. Você é um milagre. Eu sou... uma piada de mal gosto ambulante, um erro cósmico.

Partiu o meu coração ouvi-la dizer aquilo de si mesma.

—Um ser celestial que foi criado por um lobisomem e uma bruxa. Tenho certeza que isso daria uma série de TV ruim.

—Está errada. Você é um milagre, muito mais milagre do que eu. É a única pessoa que eu conheço que é corajosa o suficiente para descer de rapel num poço frio, úmido e escuro amarrada por uma corrente enferrujada para salvar alguém preso lá dentro. Esperta o suficiente para escapar de uma sequestradora maluca e criar um exército de híbridos bem debaixo do nariz de um Rei paranoico. Bondosa o suficiente para salvar a vida de sua sequestradora, ter a oportunidade e o Poder suficientes para tomar a Coroa e o Trono e se recusar. Leal á ponto de jogar farinha e ovo na cara de uma concorrente e sacrificar o seu lugar na Seleção em prol de uma amiga que também era sua concorrente. Á ponto de largar todo o seu considerável status e poder na província de Carolina e ir morar num acampamento no meio do pântano para proteger o seu povo.

Ela olhou para mim e sorriu.

—Obrigado. Por tudo. Por ter ido me salvar da maluca, por me pegar quando eu cai da escada, por me aturar, por me ouvir, por tudo.

—E obrigado por abrir os meus olhos. Antes de você eu era uma pessoa muito diferente, eu nem fazia ideia do quanto o meu povo sofria.

—De nada.

Então, contrariando todas as expectativas eu fiz o que quase ninguém esperava que eu fizesse.