— Cara, eu tive um sonho doido ontem à noite, parecia real. — Théo comentou. Sabia muito bem do que se tratava o sonho. — Estávamos todos na biblioteca, vendo a Shara curar a Amanda e Milena que estavam feridas, depois de uma batalha não sei com quem, que ocorreu lá dentro.

— Não foi um sonho... foi real. — Afirmei.

Meus amigos que estavam a minha volta, dentro do meu quarto, franziram o cenho intrigados e eu ignorei suas expressões.

— Como assim? — Amanda se pôs a falar.

— Tudo que aconteceu, foi real e todos vocês sabem disso, porque estavam lá. — Ralhei com ela.

Estava irritada com o que aconteceu ontem.

— E porque não lembramos? — Milena indagou.

— Porque apaguei a memória de vocês, simples assim. — Soei irônica.

— Isso explica tudo. — Ashafe conclui.

— O pior que a culpa é toda minha. Não é para vocês estarem aqui, nem muito menos passar por esses momentos perigosos. Ontem quando eu vi Amanda e Milena quase desfalecidas, eu percebi que não é brincadeira, e sim real! Se eu não fosse forte o bastante, talvez as meninas estivessem mortas agora. — Falei com misto de raiva, dor e ódio puro por aquela bruxa verde que se achava a tals! Ela quase matou as minhas amigas e vai pagar caro por isso.

Vingança não leva a nada...

Ashafe diz telepaticamente e fuzilo ele.

O problema é meu... me deixa em paz!

Ele revira os olhos.

— Precisam ser mais prudentes. — Lorraine foi a única que não apaguei a memória, precisava de uma testemunha que comprovasse que eu estava certa. — Realmente vi o que A Feiticeira Verde é capaz de fazer. — Todos se estremeceram. — Enquanto Shara não aceitar quem é, as coisas não vão ser fáceis.

Sinto uma indireta e me aborreço com ela.

— Agora a culpa é minha? — Ironizo.

— Não. — Ela retruca. — Só que você é a neta de Aslam, o criador de Nárnia, então realmente quer que eu explique o porquê de ser a única que pode derrotar as três irmãs? — Fecho a cara. — Me poupe, Shara! Até agora você só tem agido como uma princesinha mimada que não pensa em mais nada, apenas no seu bem e esquece dos outros. — Ela acusou.

No mesmo segundo, eu a elevei no ar e lhe trouxe quase encostando o rosto no meu e ameacei-lhe com os olhos, rangendo os dentes.

— Não fale do que você não sabe, sua elfa atrevida. — Ela caiu na cama, bem a minha frente, com agressividade.

— Você está enlouquecendo... — Samara diz. — Quem é você e o que fez com a minha irmã? — Ela lamenta e saí do quarto. — Não quero que se aproxime de Lisa, ouviu? — Avisa e a encaro surpresa. — Ela não merece ver no que a própria irmã se tornou, uma egoísta demente que não liga para os outros.

Samara dá as costas e saí do quarto, seguida das meninas e dos meninos, ficando somente Lorraine.

— Porque você também não me abandona? — Ela continua a minha frente, mas meu olhar é de desdém.

— Porque você tem que começar a mudar, antes que perca as pessoas a sua volta.

— Elas querem me obrigar a ser quem não sou. — Me defendi.

— Não, Shara, elas só querem o seu bem, porque você simplesmente esqueceu dos seus amigos e só pensa nos seus problemas. Infelizmente, está na hora de se sacrificar por eles e seu povo. Nárnia está sofrendo, e o que aconteceu ontem, foi só o começo. — Alertou.

Lorraine se afastou de mim e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.

Ora essas... agora a culpa era minha? Sou obrigada a aceitar uma vida que NÃO quero por causa disso tudo! Porque eu?!

— Shara? — Uma voz majestosa rompe o silêncio em meu quarto.

Olho freneticamente para todos os cantos, procurando o ser que estaria ali comigo, mas nada... nem sinal. Ergo-me da cama e me afasto dela, indo até o meu espelho na parede, de onde provavelmente veio aquele som. Próxima, dou um pulo para trás, quando um leão majestoso estava do outro lado do vidro.

— Quem é você? — Me acalmo, mesmo assim com medo no peito.

— Quem acha que sou? — Ele replica.

Penso um pouco até chegar na hipótese de quem ele poderia ser.

— Meu avô... Aslam. — Estava mais para afirmação do que pergunta.

Ele sorriu.

— Acertou. — Seu sorriso me alegra. — Porque sente-se tão reprimida?

Abaixo a cabeça.

— Sabe... hãn... vovô. — Ele ri, mas mantendo a postura. — Eu não acho que serei uma boa rainha, não tenho como governar, nem conheço Nárnia!

De repente, ele começa a atravessar o vidro e vou andando para trás, até ele sair totalmente de lá e ficar à minha frente.

— Você tem os olhos do seu pai. — Ele disse, admirado. — Só saberá quando tentar.

— Mas e se eu falhar? — Previa.

— Aprenda com ela. Você é minha neta e tem um mundo em mãos, para governar, mas só conseguirá se tornar uma ótima rainha, quando aceitar ser quem verdadeiramente é.

Suspirei, pensando na probabilidade de me tornar a rainha que todos desejam. Apesar de ter muito medo de errar, meu avô está certo, não sou perfeita e muito menos quero ser... só vou aprender com meus erros, se em algum momento eles vierem acontecer, e só vou acertar... quando me arriscar a dar um passo à frente, rumo a essa nova vida.

Meus pais adotivos precisam de mim. Meus amigos e irmãs também. O meu povo suplica por liberdade e se eu deixar aquelas três bruxas – as quais ainda só conheci a Feiticeira Verde –, vencerem, o que será de Nárnia?

Se for para viver aqui... que seja em um lugar bom e eu sou a única que pode fazer isso.

— Tudo bem. — Disse desanimada.

— Estarei sempre contigo e Nárnia também. — Garantiu.

Um sorriso brotou em meus lábios, sabendo que não estaria sozinha.

— E por onde eu começo? Estou perdida... — Falei.

— Você sabe por onde.

A cúpula escondida! Preciso voltar aquele lugar e conversar com o meu Eu Rainha. Rápido.

De repente, sinto um tremor abaixo de meus pés e me assusto. Ouço os pássaros voarem desesperado para alguma direção, e corro até a varanda, para ver o que acontecia. Fico pasmada, uma nuvem negra está vindo até nós, cobrindo tudo ao seu redor e... destruindo. Com a minha visão, vejo o mar que separa a cidadezinha da montanha se erguer com raiva.

Sinto cheiro de Feiticeira Verde nessa história, mas ela não está sozinha. Trouxe companhia.

Quando volto meus olhares ao leão, ele já não estava mais lá e rapidamente a porta do meu quarto é aberta. Légolas entra com seriedade no olhar.

— O que está fazendo aqui? — Perguntei.

Ele me olhou como se estivesse zoando com ele.

— Precisamos ir.

— Tem coisas mais importantes para se preocupar, Légolas. — Censurei ele.

Ele caminhou na minha direção, ficando alheio ao mundo e me encara com os olhos gentis.

— Você é importante para mim, em primeiro lugar.

Um turbilhão de sentimentos invade meu coração e a certeza de que a causa era ele, me aliviava. No entanto, a qualquer momento tudo isso pode acabar e não sei o que faria se visse Légolas ferido, até mesmo meus amigos.

Então, lembro que sou a única capaz de evitar uma tragédia e se eu apenas dar um passo a mais nisso, minha vida mudará drasticamente.

Mas meus pais adotivos precisam de mim, meus amigos e irmãs. O meu povo precisa de mim e mesmo estando perdida, sei muito bem o que fazer.

— Preciso ir a um lugar. — Comento dando as costas ao príncipe. Ele caminha no meu encalço e viro de repente. — Preciso que confie em mim.

Nossos olhos se cruzam e vejo dúvida no olhar dele.

— Tudo bem. — Consente.

Légolas e eu saímos apressadamente do quarto, andando a passos largos pelos corredores e sendo esbarrados por elfos e guardas desesperados. Precisávamos chegar aquela cúpula antes que o reino se desmoronasse. Não apenas aqui estava sendo atacado, mas aquela cidadezinha e sentia a montanha sendo destruída... se ela cair, a cidadezinha vai ser esmagada.

— Aonde estamos indo?! — Légolas grita, sua voz é abafada pelo estrondo de paredes caindo.

Shara... aonde você está!?

Ashafe pergunta telepaticamente angustiado.

Eu sei o que fazer, Ashafe.

Não me diga que... decidiu?

Infelizmente sim.

Boa sorte... majestade.

Cala a boca seu mané.

— Cuidado! — Uma voz me traz a realidade e Légolas me empurra para o lado, tendo o braço arranhado por uma adaga mágica controlada pela mente, e quem a controlava? Só o carinha da capa cinza.

— Légolas! — Corri até ele, preocupada. — Você está bem?

— Saia daqui. Cuido dele. — Ordena.

— Nunca. — Reluto e ele me encara dessa vez nervoso.

— Salve a sua vida... vá!

— Não, Légolas... nunca deixarei você.

Trocamos olhares confusos um ao outro, mas consigo transmitir a ele a certeza de que não o deixaria.

— O casalzinho do momento... — A voz do oponente nos chama a atenção. — O príncipe elfo e a rainha de Nárnia... que lindo. — Debocha.

Naquele momento, Légolas me encara perdido com aquela afirmação e apenas peço a ele que continuasse confiando. Já estava bem perto da cúpula e faltava pouquinho para chegar lá.

— Confio em você. — Ele diz e me sinto feliz por dentro.

Sabe aquela vontade louca de beijar alguém, só porque você está prestes a morrer? Sim, eu queria tascar um beijo muito perfeito em Légolas, mas como acreditava que ainda não era o meu fim e nem dele, não fiz isso.

— Vá! — Ele berrou.

Voltei a correr na direção da ala solitária, quase sendo impedida pelo cara da capa cinza, mas Légolas conseguiu conter ele e continuei na minha corrida até me aproximar da parede mágica.

— Você não vai conseguir. — A feiticeira verde aparece na saída do corredor da cúpula. Não havia como eu escapar. — Sei muito bem a sua intenção.

— Venha me impedir sua bruxa! — Provoquei, de costas para a parede e ela começou a quebrar as paredes dos dois lados com raízes das árvores.

Toquei a parede com as mãos escondidas e pensei no Légolas. Antes que a bruxa me impedisse, já estava do outro lado.

Caminhei na direção da árvore no centro da cúpula e ela não estava com a folhagem verde, nem mesmo a casa. Tudo ali brilhava intensamente como a luz da lua e do lado da árvore, estava o meu Eu Rainha.

— Então decidiu. — Ela sorriu.

— Fazer o que né? Vou deixar você controlar a minha vida. — Ironizei.

— Eu sou você, nunca irei controla-la, só estou adormecida dentro do ser. Porque sou seus poderes e sabedoria. Me libertando, seremos um só outra vez. — Garantiu.

— E tenho outra escolha?

Ela não respondeu e prossegui.

— O que devo fazer? — Perguntei.

— Já sabe o que deve fazer...

Ouvimos a parede da porta sendo rachada.

— Ela está tentando entrar. — O meu Eu Rainha afirmou. — Seja rápida.

— Tudo bem.

Fechei meus olhos e me concentrei. Apesar do barulho da parede sendo quebrada, consegui me manter naquela energia que estava começando a me consumir. Tudo em mim formigava freneticamente e senti o meu Eu Rainha se aproximar, ela pegou nas minhas mãos e repetiu essas palavras:

A partir de agora e para sempre... será a regente.

Não tenha medo e confie em si mesma... para ver sua grandeza.

Ouvimos a parede se quebrar, mas prosseguimos.

Sua vida pertence ao povo... a vida do povo pertence a você.

Não permita que o coração erre... seja sábia até morrer.

Sua majestade, Shara...

A parede desabou.

... Rainha de Nárnia.

Naquele momento, uma luz irradiou por toda a cúpula e desintegrou as raízes as quais a bruxa tentou me prender. Abro meus olhos e vejo meu reflexo no chão abaixo dos meus pés, que havia se tornado um lago.

Estava belíssima, com um vestido branco de alças e esvoaçante. Os cabelos negros e perfeitos, brilhavam na luz e os olhos, prestes a fuzilar uma bruxa mal-amada que ia ver do que eu era capaz.

Meus pés descalços, tocavam o chão frio. Me virei para encarar a Feiticeira Verde com tal soberania no olhar. Percebi ela se estremecer comigo e recua para trás, não antes de lançar um ataque que foi repelido por uma barreira ao meu redor. Caminho na sua direção e ela começa a correr, rapidamente eu a acorrento no ar, ela tenta lutar, mas não consegue.

Voando ao meu lado, ela me encara com a fúria pulando dos olhos. Chego até Légolas e o cara da capa cinza e os dois param no mesmo instante. Légolas me encara fascinado e me sinto envergonhada, mas retenho esse sentimento.

— Saiam daqui. — Digo a Feiticeira.

— Não preciso da sua piedade. — Retruca.

Viro meu olhar sério a ela.

— Não estou sendo piedosa, apenas não preciso de você.

— Senhora?! — Diz o cara da capa cinza.

Solto a Feiticeira das correntes dor ar e ela corre até o homem. Os dois somem na fumaça negra e Légolas vem na minha direção, surpreso.

— Você é... — Coloco o dedo em seus lábios, o impedindo de falar.

— Depois conversamos. — Digo com uma piscadela. — Vamos.

Ele caminha ao meu lado pelo reino e vejo que a fumaça negra ainda continua no céu. Olho para ela e subo no parapeito, segurando nas colunas dos arcos. Légolas segura na minha perna e meio que sorrio com sua preocupação, apesar de que nada acontecerá comigo se eu cair.

— Légolas... está tudo bem. — Dou-lhe um olhar sereno.

Volto para a nuvem negra e ergo a mão na direção dela, concentro minhas energias e ela se transforma num dragão soltando fogo pela boca, vem correndo na minha direção e quando está bem próximo, estalo o dedo e ele explode soltando deixando faíscas cair no chão.

Um monte de corvos aparece a minha frente e eles tomam a forma de uma mulher loira.

— Você não venceu. — Ela me fuzila e mantenho a pose séria, como se aquilo não me afetasse em nada.

— Veremos.

Ela desaparece de repente. Com a energia que fluí de mim, ela envolve tudo aquilo que foi destruído e o recupera, sem deixar marcas. No final, sinto as forças se esgotarem e caio nos braços de Légolas que impede de eu cair no chão.

— Majestade? — Ele chama, me vendo com os olhos fechados.

— Se me chamar assim de novo, te transformo num anão. — Ameaço.

— Acho que eu prefiro ficar em silêncio. — Brinca e abro os olhos.

— Shara! — Ouço a voz de Amanda que se joga nos meus braços, quase me sufocando.

— Como está linda... — Diz Anny fascinada. — Essa é você?

— Bem... aparentemente essa sou eu verdadeira. — Respondo sem-graça.

— Então... — Ashafe diz. — Aceitou ser rainha?

— Pior que sim.

— Não é tão ruim assim, veja pelo lado bom? — Amanda fala. — Não precisará mais passar maquiagem pra esconder sua feiura.

Eles caem na risada, menos eu e que faço chamas se acenderem na roupa da minha amiga, que começa a correr desesperada. Sem saber que... ela é a Elemental do fogo, mas isso irei explicar para eles depois.

— Preciso conversar com seu pai, agora. — Falo a Légolas. — Cuide deles para mim, por favor?

— Sim.

Sorrio.

— Obrigada.

Fecho os olhos e desapareço na frente deles, me transportando pelo ar até a sala do rei, aonde sei que está.

— Todos agora saberão. — Ele diz, antes que eu fale algo.

— Sim, todos saberão. — Replico afirmando.

— Está preparada?

— Sim.

Eu acho...