Antes de dormir, me sentava primeiramente na cama, fechava os olhos e me permitia ouvir, sentir e ver... Nárnia.

Eram muitas fofocas, histórias e lendas que ouvia ao meu respeito. Em menos de um dia, toda o mundo já estava ciente do meu retorno e claro, ansiosos para que eu destruísse de uma vez, as três irmãs. Não que eu quisesse, veja bem, nunca gostei de violência e odeio guerras por serem bruscas, derramar sangue e pessoas perderem suas vidas... mas eu sabia nas profundezas da minha alma, que Nárnia passaria por uma, se eu não conseguir evitar.

Ficava assim por horas e dormia na madrugada, próxima a alvorada. Enquanto permanecia de olhos fechados “vendo” tudo, transmitia minhas energias a este mundo, porém, ele também me transmitia as “suas” e após, descansar de tudo isso e acordar no amanhecer do dia, estava muito mais ativa que muitos outros ao meu redor.

Era a primeira a acordar. Tomava um banho, a qual não tinha o trabalho de procurar água e esquenta-la, os elementos faziam isso por mim. Minha banheir vazia, brotava água magicamente o liquido se fundia com o fogo, depois o ar, deixando tudo morno e maravilhoso. No final, após o longo banho, colocava calças e botas de montaria pretas, regata branca delineando minha cintura fina e os cabelos num rabo-de-cavalo alto, as vezes fazia um coque também.

Saí do quarto e me deparei com um corredor sombrio e silencioso. O sol ainda não havia iluminado tudo, então estava parcialmente escuro. Os guardas-elfos não pronunciavam uma palavra, sempre armados em posição, prontos para qualquer ataque em seus postos. Me perguntava se ficar ali o tempo inteiro, era confortante.

Suspirei baixinho, olhando para as labaredas das tochas nas paredes dos dois lados, a cada quatro passos que eu dava. O fogo sempre foi hipnotizador, ele sempre parecia me chamar e querer que me juntasse a seu calor, porém, a água impedia que isso acontecesse e as duas brigavam entre si, dentro de mim.

Eu tinha em minhas mãos, quatro elementos que se transformaram em pequenos pixies e ficavam me perturbando. Eles voavam ao meu redor, cantarolando ou conversando sobre muitos assuntos desinteressantes a mim.

Seus corpos eram em forma humana, mas pequenos e magros. Usavam túnicas referente a cor do seu elemento, e os cabelos são lisos e grandes (dependendo do sexo do pixies) e sempre bem arrumados e prontos para qualquer coisa. Bem-humorados quando querem e não queira vê-los nervosos, começam a argumentar um bando de coisas estranhas, falar outras línguas misturadas para nos confundir e só se calam quando estão muitos cansados – o que é raro. Também podem jogar uma bola paralisante em seu “irritador” e deixa-lo de cama por uns cinco dias. Não queira saber os sintomas.

— Podem fazer silêncio, por favor? — Layen e Aryne discutiam feitos dois bobos. Ele o pixie do fogo e ela da água.

Uma reluz emanava deles no escuro, sempre.

— Layen disse que as ninfas da água são sereias más, que ficam hipnotizando os homens e os afundando! — Aryne acusou, com as bochechas vermelhas de raiva. Sua túnica era azul com tons brancos, como se representasse a espuma do mar, seus cabelos são negros com tons azulados e os olhos, mais azuis que o próprio céu. A luz que emanava também era nesse tom. Nervosinha e vaidosa (talvez por causa das sereias serem assim)

— Não é verdade, majestade? — Layen quis minha opinião. Sua túnica era vermelha, com tons amarelos; os olhos avermelhados e a luz da mesma cor. Meio chato as vezes e bastante espoleta.

As ninfas da água, são belas e vivem no mar, com as sereias mais bonitas que elas; sendo que há uma certa rivalidade entre as duas raças. No entanto, há um boato de que as sereias afundam piratas e pescadores, mas negam veemente e acusam as ninfas de fazerem isso a custas delas.

Nenhuma e nem outra estão certas. São os próprios homens que ficam espiando as ninfas ou sereias na água, quando elas estão com a cabeça emergidas e ficam seduzindo-as. Eles ficam semanas sem noites de prazer e quando elas aparecem, a excitação começa a enlouquece-los e as meninas são bonitas, imagina o caos?

Eles têm seu livre-arbítrio, mas irei providenciar para que isso não aconteça mais. Porque ficam tão desesperados que se jogam na água e morrem afogados, prendendo as pernas nas algas e ponto final.

— Nenhum e nem outro, já chega dessa discussão. O dia mal começou e vocês já estão me irritando, vão voltar para o lugar de onde vieram. — Ameacei e os dois fizeram cara de poucos amigos, se afastaram um do outro e pediram um “desculpa” rápido.

— Sa? — Chamou Tibia, a pixie da terra. Olhos, túnica e luz da cor verde. Cabelos marrons com tons verdes. Calma e suave – ao contrário da Aryne que devia ser assim. Tibia é doce e detesta brigas, as vezes é meio bobinha. — Acho que pegou pesado com eles...

Olhei de soslaio para Aryne e Layen, os dois pareciam meio chateados e cabisbaixos, talvez envergonhados pelo que fizeram. Não queria ter sido tão dura, mas os dois precisavam ter a rédeas puxadas, são muito exagerados.

— Aryne e Layen. — Chamei e os dois me olharam por trás. — Sentem em meu ombro, um em cada lado. — Senti uma felicidade emanar deles, quando ficavam felizes, suas luzes aumentavam e podiam cegar alguém próximo. Eles vieram correndo e sentaram, quietinhos.

— Majestade? Para onde estamos indo? — Oryn questionou, deitado de barriga para baixo, no topo da minha cabeça. Ele era o pixie do ar. Sua túnica, olhos e luz são brancas. Os cabelos azuis bem clarinhos e era o mais sensato de todos. Assim como Tibia, não gosta de brigas e é bastante responsável.

— Para meu lugar secreto.

Um silêncio ocupou espaço no ar, apenas interrompido pelos pássaros cantando ao amanhecer do dia. Alegrando-me. Apesar de toda dor, os animais agora cantavam muito felizes e ver Nárnia feliz, mesmo que em minoria, me transmitia paz.

Meu lugar secreto era na mesma ala da cúpula, sem ninguém para me incomodar. Em um dos corredores aonde ninguém andava – os empregados iam apenas ali para limpar –, havia várias salas quietas e vazias, mas um em especial, tinha instrumentos musicais cobertos por lençóis brancos. Ia lá para relaxar depois de transmitir energias a Nárnia para ela continuar florescendo e, gostava de tocar o piano com melodias suaves.

Mas, mesmo antes de eu chegar lá, sabia que teria companhia hoje.

Ele estava debruçado sobre o parapeito dos arcos sobre colunas do corredor. Com a expressão suave e seus olhos brilharam quando me viram.

— Espero ser um bom ouvinte. Prometo que farei silêncio. — Disse, antecipando o ponto principal da conversa que teríamos sobre porque ele estava ali. Apesar de eu já saber, sempre.

Entramos na sala dos instrumentos, sem janelas e com as paredes totalmente claras. Meus pixies tiraram o lençol de cima do piano e me sentei no banquinho à frente das teclas, dedilhando os dedos sobre elas e ouvindo o som bagunçado que faziam.

Légolas ficou encostado na parede atrás de mim. Tentei reter meus sentimentos e o nervosismo, não dando a entender que ele estava me deixando louca com seus olhos me observando, mas era difícil.

Respirei e toquei. Uma melodia ótima para começo do dia, bastante suave e melodiosa, transmitindo paz e aconchego aos ouvidos de quem ouvia. Meus pixies estavam valsando a minha frente, uma dança lenta e maravilhosa. Sorri ao ver Aryne e Layen juntos, deixando as desavenças de lado para apreciar o momento, como amigos.

Terminei, minutos depois e, antes que pudesse continuar... Légolas começou a falar.

— Espero que a distância longa entre você e seu amigo, Théo... não seja por minha causa.

Travei. Ele havia acabado de tocar num assunto delicado, entre eu e meu amigo. A última vez que conversei com Théo de verdade, acho que foi antes de virmos para cá, estávamos em meu quarto e nos beijamos. Depois disso, tudo virou do avesso e apesar de estarmos unidos com o pessoal, eu e ele, nos separamos completamente.

A causa era sim o Príncipe Légolas.

Eu estava apaixonada pelo príncipe, não podia negar e Théo percebeu isso desde o começo de tudo. Ele simplesmente decidiu se afastar, para não se magoar e eu não discordei, era melhor para ambos. Porém, Légolas notou isso e parecia buscar uma afirmação de que a culpa não era dela... mas era.

— Não quero conversar sobre isso. Desculpa. — Respondi, esperando que ele compreendesse.

— Você está apaixonada por mim. — Aquilo estava mais para a afirmação do que pergunta.

Permaneci em silêncio. Ele não sabia o quanto estava me segurando para ir até ele e beija-lo com todas as minhas forças, eu simplesmente não podia fazer isso. Estaria colocando a vida dele em risco.

— Mas tem medo. — Afirmou.

— Não posso me arriscar, você é um futuro rei e precisa estar vivo para cuidar do seu povo. Um relacionamento comigo não duraria. — Argumentei. Precisava abrir seus olhos para realidade.

— Já lutei em várias batalhas, acho que mais uma não faria diferença. — Ele responde, meio ansioso.

— Se depender de mim, não lutará em mais nenhuma. — Afirmei. Me levantei do banco para espreguiçar o corpo.

Sentia meu corpo se contorcer de desejos carnais. Até mesmo eu com tantos poderes, não conseguia reter muito bem as vontades, mas isso nunca me controlaria... sou mais forte do que penso.

— Shara? — Légolas estava um centímetro atrás de mim e todo aquele controle que eu tinha, desvaneceu no ar, me deixando extremamente nervosa e me afastei dele, evitando contato visual. — Você está tensa e acho que a culpa é minha. — Responde meio constrangido.

— Não sabe o quanto estou lutando contra a vontade de beijar você. — Me assusto com a própria confissão.

Légolas me encara pasmado, também satisfeito por eu deseja-lo, porque ele também queria isso. Mas nossas posições exigiam sensatez e eu nunca iria me dar ao luxo de cometer um erro, só por causa de ser a rainha. Isso não combina e nem faz parte de mim.

Não sou uma meretriz e jamais serei.

Ele abaixa o olhar, perdido em seus devaneios. Rompo o silêncio, para ser franca com o príncipe.

— Légolas. — Ele se atenta a mim. — Você é o príncipe de Mirkwood que em breve, prometo que retornará aos seus tempos em que se chamava Floresta Verde, só que até lá, eu como rainha de Nárnia, preciso fazer muita coisa até ter a certeza de poder entregar meu coração a alguém... que veja bem, até o momento seria você.

Um sorriso brota em seu rosto.

— No entanto?

— No entanto, agora não posso me comprometer contigo, ainda mais porque só faz uma semana que me tornei uma rainha, estou aprendendo sobre quem sou e meu próprio mundo e... — Suspirei. — Percebo o quanto meus sentimentos e emoções mudaram, após minha pré-transformação.

Ele não parecia chateado, apenas paciente.

Légolas veio na minha direção, caminhando na sua pose ereta e majestosa, parou quase grudando nossos corpos e meus olhos foram direto em seu peito, evitando encara-lo, porque eu sempre me perdia em seu par de safiras. Entretanto, ele ergueu meu queixo com uma das mãos e me fez fita-lo.

Meu coração estava prestes a pular da boca e precisava me segurar para não me render ao seu charme. Aqueles olhos, estavam penetrando como duas adagas bem nos meus, profundamente. Éramos como sol e lua. Ele era quente e eu fria. Aquela combinação com certeza seria algo poderoso e inimaginável.

— Légolas. — O som saiu meio abafado, estava me entregando.

Ele encostou a ponta dos nossos narizes e fechou seus olhos, tocando nossas testas.

— Eu... espero. — Acaricia minha bochecha e não percebo a boca aberta, porque estou perdida em seus olhos. — Se eu continuar aqui... perderei a sanidade, com licença.

Ele saiu em disparato da sala e a minha consciência perdida, retornou com violência, me fazendo tocar as costas na parede de escorregar até o chão, recuperando a respiração.

Meu Deus, se eu ficar perto dele vou enlouquecer.

— Sa? Você está bem? — Tibia se aproxima rapidamente, tocando a minha testa com sua mão tão pequenina. — Pessoal, ela está com febre.

— Isso aí não é febre. — Lenya afirma, sinto um tom sarcástico em sua frase.

Depois te pego... seu pixie safado!

— É o que? — Diz Tibia inocentemente.

— Nem queira saber. — Aryne responde, evitando continuar o assunto.

— Isso se chama hormônios femininos. — Esclarece Oryn.

— O que são hor...po-mos fe-ni...nos? — Tibia pergunta curiosa e confusa ao mesmo tempo.

— É... — Oryn ia prosseguir, mas Lenyn e Aryne o interrompe.

— Na-nada. — Aryne responde nervosa e Tibia deita no topo da minha cabeça, suspirando cansada. Ela era tão fofa.

Recompus-me após alguns minutos e decidi ir até o Salão das Mulheres. Já que havia tantas meninas no reino e uma delas – eu – era a rainha, precisávamos de um espaço privativo para todos os tipos de conversa e Thranduil cedeu uma sala que não cabe uma pessoa. Eu pedi isso a ele e usei minha mágica para mudar aquilo.

Cheguei na porta, que ficava na ala central do reino. A senha para se entrar era: duas batidas na madeira da porta e uma na parede. Esperava um segundo, abre a porta e dá de cara com um enorme salão vitoriano quadrado. As paredes numa cor turquesa e desenhos de botões de rosas nelas. A parede oposta as portas de vidro com acesso ao “Jardim Secreto” eram de espelhos.

Ao sair pelas portas em direção ao jardim, vê se uma enorme campina e bem próxima a escadaria em frente as portas, uma fonte com banquinhos de madeira ao seu redor. Uma enorme mesa de mogno branco com cadeiras da mesma cor, ela é retangular e com capacidade para 10 pessoas.

Estava calor, então Aryane fez o clima ficar mais fresco e fez-se uma chuva descer por toda a campina e mais frente, depois dela, o bosque aonde continha um lago aonde eu e minhas amigas íamos nos banhar.

Elas estavam sentadas no enorme sofá de estofado confortável, com servos a sua frente, sendo estilistas que estavam lhe mostrando vestidos luxuosos, sapatos sob medida e joias raríssimas.

Entrei apressada, com a respiração ofegante e precisando desabar urgente.

— Tudo bem, amiga? — Amanda me questionou primeiro, percebendo o pavor em meus olhos.

— Ela está mal, hein? — Milena concorda.

— Meninas... — Digo em suplico. — Preciso contar para vocês.

— Oque? — Mary estava em frente ao espelho, com a serva apertando seu corpete e marcando a cintura. Usava um belíssimo vestido com as mangas que pendiam de seus ombros, da cor azul escuro e com saia volumosa.

— Quase beijei o príncipe Légolas! — Confesso, como se estivesse cometido um erro gravíssimo.

Elas arregalam os olhos e me puxam para se sentar no meio de todas.

— Como assim? — Anny pergunta com a curiosidade alta.

— Ele sabe que ela está apaixonada... — Aryane entra na conversa, sobrevoando sobre mim e as meninas.

— Ela ficou quente. — Leryan comenta com um sorriso maroto no rosto. Faço um bolo que estava a minha frente, na mesa de centro, com porcelanas e xícaras cheias de chá, e lanço no rosto dele.

Aryane, Tibia e Oryn seguram o riso e Leryan começa a soltar fogo, correndo atrás da sua plateia. Os quatros pixies corriam descontrolados, mas os ignorei e não conseguia parar de pensar no Légolas e seus lábios que eu queria roçando nos meus.

Estou louca. Só pode!

— Vai me dizer que vocês dois...? — Samara comenta temendo o pior.

— Não fiz sexo com ele, sua demente! — Ralho com ela.

— Ufa, ainda bem, só depois do casamento. — Lorraine respira aliviada.

Aff... eu pedindo ajuda e vocês me acusando. — Bufo.

— Crianças aqui ta? — Oryn nos censura, apesar dele quase falar o desnecessário agora a poucos.

— Oryn, cala a boca. — Mando e ele revira os olhos, saindo de fininho.

Suspiro. Quero sumir e desaparecer do universo.

— Mas é besta, você só está apaixonada. Para de frescuras. — Mary debocha.

— Não é frescura... se eu permitir que um relacionamento ocorra sem total certeza se o amo, será pior que tudo! — Dramatizei.

— Porque? — Anny pergunta. — Qual o problema de se apaixonar por ele?

As meninas me encaram com seus olhos curiosos, tentando ler a minha mente. Mas só Ashafe podia fazer isso e ele não estava aqui.

— Porque o meu avô já escolheu. — Elas se entreolharam.

— Quer dizer que além de você ser a escolhida, você também já tem um Escolhido? — Milena diz.

— Sim.

E quem me garante que é o Légolas?

Estou perdida...