– Você de novo? - perguntou KangIn soltando a garrafa de vodka no carrinho e indo ao encontro do jovem, que ainda estava atordoado por causa do pisão que Pedro havia lhe dado ainda sob a forma de grilo. Reparando bem em seus traços coreanos, cabelos bagunçados e cara de entediado não tive dúvidas, aquele jovem só podia ser o que havia nos enfrentado no Brasil e estava nos seguindo. Se não fosse por Pedro, provavelmente o levaríamos de volta para a casa de Leeteuk e estaríamos encrencados com o líder, mas por enquanto, tinha outra encrenca maior para começar. O hyung agarrou o jovem pela gola do casaco de couro e o levantou do chão alguns centímetros para que ele analisasse sua face – O que você quer conosco? Quem te mandou aqui? - perguntou o hyung aproximando a mão livre da face do rapaz.

Aquilo era tudo que Heechul mais temia. O centro da palma mão de KangIn começou a brilhar e esquentar. Uma pequena e silenciosa chama se acendia em sua mão. Rapidamente olhei em volta procurando por pessoas que pudessem estar de plateia, mas por sorte, as pessoas seguiam seu ritmo normal de compra, mas de qualquer forma, eu tinha que impedir aquilo.

– KangIn, você sabe que é errado – o adverti mantendo a calma e olhei em volta procurando câmeras de segurança. Havia apenas uma que gravava o nosso corredor e o outro a direita, mas devido sua posição, era pouco provável que tivesse gravado a transformação do jovem, mas por precaução, acabei completamente com seu circuito apenas com um gesto discreto da mão direita. Não seria nada agradável se as coisas complicassem e ela gravasse tudo.

KangIn estava decidido a tirar algumas palavras daquele jovem, aumentando cada vez mais sua chama.

– Diga, quem o mandou aqui! - exigiu KangIn aproximando a mão esquerda da face do jovem, que tentou recuar, mas o hyung o segurava fortemente e sua posição no chão não facilitava para uma fuga.

– Eu mandei! - disse uma voz alta e clara vindo do início do corredor.

Até mesmo Pedro que estava atônito, olhou na direção da voz engolindo em seco ao reconhecer a mulher que estava parada no início do corredor. Era a líder do quarteto, mas algo me preocupou. Ela estava sozinha. Nem o forte, nem o rapaz de cabelos bem loiros, que tinha o poder de teletransporte, não estava com ela.

– Donghae! - o chamei pelo nome que Heechul havia previsto, apenas para complicar em sua identificação. Codinomes eram realmente bons, mas eu não gostava muito deles – Fique perto de mim – disse esticando meu braço esquerdo para ele, mas meu ato fez a líder sorrir.

– O Eunhyuk está ocupado com outras coisas – disse ela com um sorriso debochado e completou no mesmo tom – E três contra três, é um número justo – assim que completou sua fala, ela lançou uma de suas estacas finas e resistentes em minha direção.

Três contra três? Ela sabia contar? Segurando o pulso de Pedro com a mão esquerda, desviei da estaca com um gesto rápido da mão direita e virei-me para aquela mulher irritado. Como ela podia fazer aquilo no meio de um supermercado?

– Pare! - ordenei.

– Venha me parar – disse ela com sua voz alta e provocativa, só porque eu não batia em mulheres ela estava provocando? Ela que continuasse com aquilo que eu abriria uma exceção.

– Ai meu Deus ele virou uma cobra – falou KangIn recuando assustado, enquanto mais estacas voavam em minha direção. Já comentei que KangIn tem medo de cobras, escorpiões e semelhantes? Pode parecer estranho, mas eu nunca soube o que era mais estranho, KangIn com medo de bichos peçonhentos ou Heechul com medo de insetos.

De qualquer forma eu tinha uma preocupação maior. Soltei o pulso de Pedro para poder desviar as estacas com ambas as mãos e apenas por instinto, e para poder dar uma boa surra no Leeteuk quando ele me treinasse de novo, puxei o ar fortemente para o pulmão acalmando meu corpo e deixando minha visão vagar pelas estacas e ativei minha audição aguçada, a tempo de escutar o barulhos de passos bem lentos e uma respiração descompassada no corredor ao lado. Uma emboscada, aquilo era tão óbvio.

Virei-me para Pedro tentando protegê-lo novamente, quando fui surpreendido por uma bruta de uma naja. Aquele tipo de cobra não ficava tão grande e tão grossa quanto aquilo, aquilo era um exagero de cobra que deslizava perigosamente na direção de KangIn preparando o bote, enquanto o hyung apenas recuava sem reação. Legal, só tinha que usar um poder que não desse na cara, mas antes que conseguisse isso, algo empurrou uma prateleira em cima de mim. Usando de minha audição aguçada, conseguia pelo menos me virar para a prateleira antes que ela caísse, facilitando em sua remoção, mas se eu simplesmente a jogasse para cima como se fosse feita de papel, Heechul me mataria.

Eu não poderia estar mais confuso quando vi Pedro lançar a cobra para longe com seu poder de telecinese, aquele era o nosso garoto. Mas as coisas pioram para o meu lado. Estava eu, coberto de doces e sendo esmagado pelo conjunto de prateleiras, quando para completar, um punho de aço atravessou tudo como se fosse papel e acertou meu estômago, roubando um grito meu. Aquilo já era demais. Apoiando ambas as mãos em uma das prateleiras, lancei ela pra cima, fazendo o homem de ferro e a estante serem arremessados para o ar e acertar o outro corredor.

– Socorro! - escutei o grito de Pedro, que tentava de todas as formas, impedir que o transmorfo avançasse em sua forma normal, usando de sua telecinese, mas era visível que Pedro só havia mobilizado sua perna, porque o jovem estava inclinado em sua direção tentando alcança-lo com os braços e tinha mais um fato estranho, não sei como, mas a mão esquerda da Pedro estava presa em uma das prateleiras que estavam de pé, como se ele tivesse tentando ultrapassá-la, mas acabou ficando preso dentro dela.

Tentei me levantar para ajudar a Pedro, mas uma forte labareda de fogo passou sob meus olhos me impedindo. Mas que diabos KangIn estava fazendo? Cerrando os dentes com força, estiquei o braço direito para KangIn, pensando em derrubá-lo, mas um novo grito foi escutado no ar.

– Parem! - ordenou uma voz tão alta, que até o homem de armadura de ferro que se levantava da bagunça que havia feito, se mobilizou – Por que estão fazendo isso? - perguntou a voz alta e clara do líder Leeteuk.

– Até mais garotos – disse a líder com um sorriso cínico, que até momentos atrás tentava se esquivar do fogo de KangIn e completou fitando o transmorfo que agora estava livre da telecinese de Pedro – Vamos Junhyung – chamou saindo sorrateiramente pelo buraco que o outro incomum havia feito.

Com a pequena pláteia que havia se formado, estávamos sentenciados a morte e o pior de tudo era que o líder ainda deixou os três incomuns irem embora como se nada tivesse acontecido. Antes de sair, fiz questão de quebrar o celular do gordinho que estava gravando tudo, apenas com um olhar fuzilante. Nenhum comum seria capaz de consertar aquele celular, não mesmo. A viagem de volta foi longa e silenciosa. Nenhum de nós se atreveu a ir com o líder na frente e tudo que se ouvia no ar era o barulho do carro cortando a autoestrada em alta velocidade. Assim que o carro estacionou próximo a casa, todos descemos rapidamente e em silêncio. Heechul nos esperava no topo dos poucos degraus da varanda.

– O que eu disse sobre não usar os poderes? - ele perguntou ferozmente fazendo referência clara a mim, que respirava pesadamente.

– Eu tentei não usar... - comecei nervoso, mas Heechul me interrompeu.

– Eu previ que você tentaria não usar, mas você é tão incompetente e irracional, que nem com o meu aviso você conseguiu se conter. Você é apenas um animal cheio de músculos – esbravejou Heechul fazendo minha cabeça pender para baixo, ele tinha razão em tudo que dizia, eu devia ter me contido de verdade, mas eu não podia colocar minha vida e dos outros em risco.

– E você devia estar feliz por estar prevendo algo certo – soltou KangIn dando um passo a frente.

– O que está insinuando? - perguntou Heechul descendo as escadas com os olhos semicerrados para o hyung.

– Eu não estou insinuando nada, eu estou afirmando que suas visões estão sendo todas escassas e erradas – falou o hyung endurecendo sua expressão.

– Você vai se arrepender disso – disse Heechul parando defronte com KangIn.

Se fosse apenas isso, as coisas estariam bem, mas ele soltou seu braço direito e o puxou tão rapidamente quanto havia o soltado, transformando seu braço em água de tom azulado, que percorria seu braço como estivesse viva. Era possível ver com clareza os contornos de seu braço e mão.

– Uau – soltou Pedro impressionado.

– Eu também sei fazer truques – retrucou KangIn fazendo o mesmo movimento e transformando seu braço direito em chamas, mas era possível ver a forma perfeita de seu braço por baixo das labaredas que saiam.

Os dois tinha praticamente a mesma altura, então se encaravam com olhares mortais. Aquilo seria desastroso.

– Vocês dois, parem imediatamente com isso – ordenou Leeteuk se colocando entre eles.

– Eu posso tocar os braços de vocês? - perguntou Pedro boquiaberto e com os olhinhos brilhando.

– Não – responderam eles em coro e fizeram seus braços voltarem ao normal. Uma disputa entre fogo e água seria interessante, mas ao mesmo tempo, muito perigosa.

– Você se lembrou de bloquear as câmeras de segurança e quebrar os celulares? – perguntou LeeTeuk seriamente para mim.

– Sim – respondi calmamente.

– Mas havia tantas pessoas ali... - comentou ele para si mesmo - Mas se eles não tiverem provas, serão tachados de loucos... Então por enquanto, vamos nos esquecer disso e quanto a vocês dois – disse o líder se referindo a KangIn e HeeChul – Sem brigas! – e voltou-se para a casa.

Pedro fazia uma careta desanimada, mas não fui o único a notar isso. Heechul seguiu o líder dizendo que o almoço estava pronto, mas assim que ele entrou na casa, KangIn voltou-se para o maknae sorrindo e tocou seu ombro esquerdo.

– Não se preocupe Pedro, agora que eu recarreguei minhas baterias, eu posso muito bem ir à cidade correndo para comprar doces, não demora mais que vinte minutos. Depois do almoço eu vou lá tudo bem? – perguntou KangIn tentando animar o menor.

Pedro que exibia um sorriso torto, apenas assentiu com a cabeça.

– Certo, certo, agora vamos comer – completou KangIn soltando-se de Pedro e seguiu para a casa animado, mas eu via na expressão de Pedro que não era por causa dos doces que ele estava daquele modo, havia algo mais o incomodando.

– Está tudo bem? – perguntei de modo gentil me sentando no segundo degrau da varanda, que possuía um total de três, sem contar o piso dela própria.

– Simão... – disse ele calmamente sentando ao meu lado – Quando eu estava com vocês no supermercado e aqueles três mutantes chegaram, eu queria lutar contra eles como vocês e até que eu realmente consegui, jogando a cobra pelo ares, mas depois que ele voltou sob forma humana, eu tentei lutar com ele arremessando coisas nele, mas quando fui pegar um dos doces eu senti minha mão atravessar a prateleira e simplesmente ela voltou a ficar sólida, me prendendo a ela e tipo, eu não quero ficar atravessando as coisas, se o líder não tivesse aparecido, o João alguma coisa, teria me pegado. Eu não quero ficar atravessando as coisas – repetiu ele focando os olhos no chão, enquanto fazia uma careta emburrada. Pelo menos o problema dele não era apenas com o meu nome. Analisando ele daquela forma, eu podia afirmar que ele realmente era apenas um garotinho de doze anos.

– Eu sei como é difícil quando você descobre seus poderes, eu já passei por isso. Eu lembro que quando eu tinha sua idade, eu descobri minha super força e era tipo, eu não podia pensar em pegar em algo que eu já a quebrava com minha força. Só para você ter uma noção, eu cheguei a quebrar a porta do meu quarto três vezes, mas com o tempo você aprende a controlar, você aprende a dosar a habilidade e atravessar as coisas é algo tão magnífico, que você não deve recusar essa habilidade, você tem que treiná-la, por isso está aqui conosco.

– E você devia ter ouvido minha respiração no carro e o grilo no seu ombro – retrucou Pedro rapidamente. A esperteza daquele garoto estava me impressionando. Um pouco sem graça sobre sua afirmação, esfreguei uma mão na outra e fitei a floresta a nossa frente.

– Nem todos os poderes que recebemos são fáceis de controlar e audição aguçada é um desses – disse passando meus olhos vagamente sobre a face de Pedro, apenas para ter certeza que ele estava escutando. Sua face não poderia demonstrar mais interesse do que ele demonstrava – Quando eu comecei a desenvolver a audição aguçada, era um caos total sabe? Eu conseguia ouvir a respiração, as batidas do coração, até mesmo os cabelos das pessoas se encontrando a uma distância de vinte metros, minha cabeça doíam constantemente por causa dos ruídos que não cessavam, então eu fiz o que era mais fácil, eu simplesmente bloqueie essa habilidade. Bloquear um poder é para fracos, a força está na coragem de persistir, já dizia Leeteuk tentando me convencer que eu treinasse minha audição aguda, para que um dia ela fosse ativada automaticamente, apenas com a mudança de sons, com a vibração do perigo no ar, um comando rápido e esperto do cérebro, mas eu tinha outros poderes para treinar e acabei deixando isso de lado. E é por isso que eu não escuto qualquer coisa, é apenas quando eu quero e estou concentrado, que eu ativo minha audição aguçada e você controlar um poder dessa forma, nem sempre é bom, porque eu realmente já ouvi falar de incomuns que conseguem controlar a audição para situações de perigo, conseguindo ouvir os passos silenciosos e sorrateiros de um ladrão antes que ele o ataque ou um carro derrapando na sua direção a uma distância de metros. E por isso que agora o Teukie está treinando minha audição, mas convenhamos, eu só apanho nos treinos com ele e ele faz de propósito porque eu me recusei a desenvolver o poder quando o descobri. Mas a sua habilidade é algo realmente maravilhoso, não será tão difícil de controlar, você só tem que sentar aqui mais vezes comigo e tentar atravessar as coisas com mãos e depois vamos evoluindo, eu posso muito bem te treinar nesse poder, ultimamente eu ando um pouco parado mesmo, será bom te ajudar com isso, porque eu sei que você não é um fraco e não vai bloquear esse poder.

– Eu só comecei atravessar as coisas quando eu vim para cá, esse lugar me amaldiçoou, eu quero ir para casa – disse Pedro se levantado do degrau e entrou na casa correndo.

Fiz uma careta vendo-o correr, agora eu entendia porque o líder havia batido nele durante o primeiro treino. Tecnicamente ele não tinha escolha, mas mesmo assim continuava um menininho birrento. Sentindo meu estômago roncar e o maravilhoso aroma da comida de Heechul, me levantei indo para a casa.

P.O.V – Siwon off


P.O.V – LeeTeuk on

Pedro passou correndo por nós e segundos depois Siwon entrou na casa passando a mão na barriga. As tigelas com porções de comida que Heechul havia feito, estavam dispostas sobre a mesa com seis lugares. Com a boca cheia de macarrão, soltei um grunhido para Siwon e fiz um movimento com a cabeça, indicando que ele sentasse. Não foi preciso mais que isso. Ele sentou-se ao lado de KangIn e olhou as tigelas escolhendo o que comeria.

– Líder... - começou ele pegando uma tigela com arroz e outra com Kimchi - Você ainda não lembra quem é a líder estranha e loira do outro grupo? - perguntou ele sem me encarar.

– Não... - respondi um pouco confuso pela pergunta repentina - Por quê?

– Eu tenho um palpite - respondeu ele fazendo todos os olhares voltarem para ele.