– Pedro... - balbuciou o mais velho visivelmente desconfortável, mas ainda com o sorriso torto a adorna-lhe os lábios.

Ignorei completamente a figura esguia do líder e voltei-me para Heechul hyung que havia se levantado. Em sua face era visível a apreensão pelo momento, mas também a ignorei e caminhando sutilmente em sua direção, parei com a mão direita esticada para o hyung, como uma criança que pede para o adulto segurar sua mão.

– Vamos Heechul hyung, estou cansado – disse um tom mais baixo e bem vagaroso para representar todo o cansaço que eu sentia no meu corpo e mais um pouco.

– Por que você vai com ele? - perguntou o líder usando levemente tom de desprezo ao se referir ao hyung, mas ele não se importou ou pelo menos não demonstrou – Venha comigo Pedro, seu nariz está quebrado, se eu não arrumá-lo ele ficará torto para sempre.

Aquele era um bom argumento, muito bom para ser sincero, mas eu não precisava ir até o seu sobrado no meio do nada para ser curado e fiz questão de deixar isso bem claro.

– Não Park Jung-su, eu vou com você, eu vou com o Heechul hyung, já está decidido e se você se importa mesmo com meu nariz, que me cure no estacionamento, mas se for apenas uma questão de estética para que eu apareça bem nas fotos ao seu lado, não preciso de seus cuidados – completei arqueando a sobrancelha esquerda com arrogância.

– É melhor irmos para o estacionamento de uma vez – disse Heechul finalmente segurando minha mão direita.

Antes de sair com o quinteto, me despedi de Victoria noona que ainda estava preocupada com meu nariz. Ela esperava que o Leeteuk fosse me levar para sua sala e enfaixar meu nariz ali mesmo, mas essa provavelmente nunca havia sido a intenção dele. Caminhamos todos para o carro de Heechul, mas antes que eu fechasse a porta do banco detrás, Park a segurou.

– Eu não posso deixar você andando por ai com esse nariz quebrado – disse ele abrindo a porta por completo. Sem ao menos se importar com minha reação de repulsa, ele sentou ao meu lado, mas com a face voltada para mim, e levou a mão direita á minha face. O líder fechou os olhos e começou a repetir um mantra antigo, que mesmo eu falando sua língua, não consegui entender. Provavelmente era em outra língua. Bem do centro de sua mão, uma luz branca começou a brilhar e crescer. Por precaução fechei os olhos, mas o espetáculo de luz era tão interessante, que chegava ser triste ter que fechá-los. Aos poucos meu nariz que até o momento estava como se tivesse sido anestesiado, foi voltando ao seu normal. O desconforto que eu sentia na testa, também foi cessando e quando aquela luz branca e morna apagou, eu não sentia dor alguma – Pronto... - falou o líder enquanto eu abri os olhos bem lentamente, como se estivesse acordando – E eu me importo com você Pedro... - começou ele, mas o interrompi.

– Você se importa comigo ou com a sociedade hipócrita que você tenta proteger? - questionei de modo ríspido e criei um rápido e forte campo de força a minha frente, fazendo-o ser expulso do carro.

Antes que o líder tentasse me contar uma de suas mentiras, fechei e tranquei a porta do veículo usando apenas da minha telecinese e me comodei do banco cruzando os braços em meio a uma careta emburrada. Tudo o que eu mais queria no momento era ficar distante do líder. Em certos aspectos ele podia ser razão, mas isso não diminuía em nada o ódio que estava sentindo por ele.

Heechul hyung não parecia confortável com o clima pesado que havia se estabelecido entre mim e o líder, mas não relutou em me levar para seu apartamento. Quando ele disse que havia comprado um monte de doces para mim, ele não estava mentindo. Realmente havia um monte de doces me esperando e para completar Kyu havia levado seu vídeo game, então ficamos jogando até a meia-noite mais ou menos, que foi o horário em que Heechul hyung me mandou ir dormir, acabando com toda a diversão. Ainda tentei convencer Kyu a dormir comigo, mas ele disse que iria sair com o pai dele pela manhã, então seria melhor dormir em casa para que eles não se atrasassem. Antes que eu perguntasse o que eles iam fazer, Simão anunciou que estava indo embora e Kyu saindo correndo atrás dele para pegar carona.

Confesso que eu queria que Kyu dormisse comigo por causa de meus pesadelos. Não sei como, mas eu tinha a certeza que meus pesadelos seriam mais turbulentos que o normal e eu não queria acordar e ter que ficar gritando por Heechul. Sendo assim o ajudei na limpeza da sala e o segui até a porta de seu quarto.

– Heechul hyung – o chamei com a voz baixa e manhosa enquanto ele atravessava o corredor de armários.

– Entre Donghae – pediu ele sem ao menos olhar para trás. Muito timidamente dei alguns passos para dentro do enorme quarto e percebi que o mais velho estava focado em alguma coisa. Como ele estava de costas, só percebi que ele estava desabotoando sua camiseta quando ele a tirou.

Fiquei mudo no mesmo instante sentindo meu estômago revirar. Ainda sem se importar com minha presença, ele abriu uma das portas do guarda-roupa que ficava defronte com sua cama e procurou para uma camiseta. Era estranho ver Heechul com sua pele excessivamente branca descoberto, garanto que se ele morasse em meu país, sua pele seria mais bronzeada... Eu mergulhava em um oceano de pensamentos, quando ele tirou uma camiseta cinza do guarda-roupa e virou para mim sorrindo.

– No que está pensando? - perguntou ele tirando o cabide da roupa e em sequência a colocando.

– Nada... - respondi balançando a cabeça negativamente, mas então me recordei de um dos motivos para eu ter o seguindo e entortei os lábios pensando em um modo de dizer aquilo – Sabe hyung... Eu estava voando livremente pela cidade quando meus poderes simplesmente acabaram e eu cai de cara em um prédio e... Então... Isso é normal? - perguntei mentindo em algumas partes e me enrolando em outras. Pelo menos eu havia arrumado um motivo para quebrar o nariz e ao mesmo tempo sanaria minhas dúvidas.

– Quando um diferente está desenvolvendo seus poderes e não consegue controlar a todos eles – começou o hyung procurando um lugar para deixar sua camiseta de botões - É muito comum que as habilidades já existentes cessem por um período, para dar abertura a uma nova. É um jeito prático de não torná-lo uma bomba descontrolada – falou o mais velho com humor escancarando uma das portas do guarda-roupa que ficava na maior parede. Só então reparei que havia uma porta ali. Um banheiro secreto, pensei ao vê-lo voltar sem a camiseta, mas antes que eu perguntasse se era mesmo ou não, ele voltou a falar - O que quer dizer que seu organismo quer revelar um novo dom, mas pela sua falta de controle ele está receoso em fazê-lo... - Heechul fez uma longa pausa enquanto caminhava em minha direção – Qual será seu novo poder, hein Donghae? - ele perguntou apertando suavemente meu queixo e fixando seus olhos nos meus como se tentasse ler minha mente.

– Não faço ideia – foi o que respondi recuando.

– Ya! - disse ele rindo – Vá para o seu quarto Donghae, mas tome um banho antes – completou ele passando os olhos pelo meu corpo.

Segui seus olhos e reparei que eu nem estava assim tão sujo, apenas minha calça que não estava em tão bom estado, mas o blazer eu havia tirado quando cheguei em seu apartamento.

– Eu não posso dormir com você? - perguntei de uma vez, sentindo meu coração acelerar.

A risada do hyung se transformou em um sorriso enquanto ele franzia o cenho confuso.

– Por quê? - perguntou ele, mas antes que eu pudesse pensar em uma desculpa qualquer, ele fez expressão de quem havia se lembrado de algo importante e assentiu com a cabeça sério – Tudo bem, pode dormir aqui, mas tome um banho antes – falou Heechul passando os olhos pelo guarda-roupa. Abri um sorriso aliviado quase que no mesmo instante. Ele possuía o sono pesado demais para que eu ficasse tão longe dele, mas antes que eu fosse para o banheiro, ele avisou com o semblante completamente sério – Mas, nem pense em usar minha banheira - Banheira? Ele tinha uma banheira? Pensei mais alegre ainda.


***


Após meu banho, vesti um short azul de listras verticais na cor branca e uma camiseta também branca que o maior havia deixado sobre a pia enquanto eu tomava banho e segui para o quarto enxugando meu cabelo com a toalha. Heechul hyung mexia em seu notebook quando sai do banheiro, mas ao me ver sair, ele rapidamente o desligou e o guardou na baixa estante próxima a janela. Desconfortavelmente levantei o cobertor branco com quadrados uniformes e amarelos e me sentei do lado direito da cama com o corpo completamente rígido. Eu não sabia o que fazer, não sabia se ia desligar a luz, se simplesmente me deitava ou o quê. O hyung olhou para mim franzindo o cenho e começou a rir descontroladamente.

– Você está nervoso? - perguntou ele fazendo-me corar.

– Não, cla-claro que não – disse gaguejando e tremendo. Só então eu reparava no quão pesada minha respiração estava. Raios de corpo e sistema nervoso que fazia o mais velho rir cada vez mais alto.

– Você é engraçado Donghae – disse o hyung se erguendo da cama.

Como ele havia aceso o abajur do seu lado, quando ele apagou a luz, o quarto não ficou totalmente escuro, o que me fez respirar aliviado, mas logo ele estava deitando do meu lado, aumentando assim meu nervosismo. Deitei-me na cama, fingindo estar tudo bem, mas na penumbra do quarto o hyung percebeu meu incomodo e voltou a rir.

– Você parece o YoungWoon quando iamos dormir juntos – comentou ele rindo, mas tratou de reduzir sua risada há um sorriso – Você é uma criança Donghae, apenas durma, eu cuidarei de seus sonhos – disse o mais velho afagando carinhosamente meus cabelos úmidos.

Era disso mesmo que eu precisava, alguém que cuidasse dos meus sonhos, mas infelizmente ele não cumpriu com sua palavra. Demorei para fechar os olhos, mas quando consegui dormir, me vi em um lugar diferente. Geralmente esse 'transporte' para o sonho, era demorado e sutil, mas dessa vez havia sido tão rápido que eu conseguia ter uma noção de que se tratava de um sonho. As imagens também estavam destorcidas dessa vez, destorcidas por uma névoa que encobria tudo ao meu redor.

Ouvi barulhos de passos e corri os olhos pelo local, tentando descobrir de quem se tratava. Do meio da névoa saiu um rapaz, era o jovem líder do grupo que havia me atacado no beco, mas ele estava bem, diferente do que eu havia imaginado. Franzi o cenho enquanto o encarava. Ele olhava diversas vezes para trás e em sua face havia apreensão e medo, mas em nenhum momento ele havia olhado para mim. Foi então que ouvi um barulho alto, semelhante a um rugido, vindo de onde ele havia saído.

Recuei um passo e quando olhei para o jovem ele desaparecia novamente na névoa. Engoli em seco ouvindo o rugido novamente, mas eu era um mutante, um diferente muito poderoso para ser mais específico, então eu não precisava temê-lo, pensei otimista. O rugido soou mais alto vindo em minha direção. Ameacei fraquejar, mas me mantive forte. Um ato um tanto irracional e masoquista, mas eu estava disposto a enfrentar aquela ameaça, qualquer que ela fos... Não acreditei no que meus olhos viram. De dentro da névoa eu saltei, ou melhor, alguém idêntico a mim, mas com roupas pretas, olhos dourados como o topázio e pele excessivamente pálida.

Aquele ser excêntrico me encarou bufando de raiva, mas não fiz menção de fugir, até porque era extremamente irônico fugir de mim mesmo. Continuamos nos encarando por um tempo. A atmosfera era pesada, mas nenhum de nós estávamos confortáveis o suficiente para dar um passo a frente. Meus olhos que analisavam aquela face tão idêntica a minha, passaram para suas pernas quando elas se moveram para o seu lado direito. Por instinto também dei um passo para a minha direita e voltei meus olhos para sua face.

– Quem você quer ser? Pedro ou Donghae? – perguntou ele repentinamente e abrindo um sorriso malicioso.

– Pedro e Donghae não são as mesmas pessoas? – perguntei franzindo o cenho confuso.

– Não... – disse ele erguendo sua sobrancelha esquerda com arrogância – E quanto mais tempo passa, mas próximo fica o dia de sua decisão, só que como apenas um de nós sobreviverá... – disse o meu reflexo voltando seus olhos para suas unhas.

Olhei na mesmo direção, ainda sem entender aquele diálogo, mas recuei ao perceber a transformação. Suas unhas curtas e fracas foram crescendo de tamanho, tornando-se afiadas garras negras. Seu corpo começou a se contorcer, como se uma grande dor o afligisse, e sem suportar o peso da dor, ele se entregou ao chão. Parei onde estava pensando no que faria, mas quando criei coragem para caminhar até ele, minha cópia simplesmente parou de se contorcer e fitou minha face com seus olhos vermelhos.

Era possível ver veias negras cortarem seu corpo e em seus olhos vermelhos como o rubi, havia um olhar doentio. Mostrando seus dentes pontiagudos para mim, ele abriu um sorriso demoníaco em seus lábios sem cor e praticamente voou em minha direção. Gritei pelo medo, mas antes que aquelas unhas maléficas perfurassem minha pele, acordei com Heechul me agitando no colchão.

– Está tudo bem Donghae? - perguntou o mais velho preocupado, com a face sendo iluminada pela penumbra de seu abajur, mas não respondi, apenas o abracei forte.