Eu não fazia ideia de como estava no Morgan, de como havia conseguido dormir e de não lembrar o dia de ontem. Sabia que tinha visto Tay, mas não a vi na cama ao lado. Sabia que tinha corrido mas não lembrar o motivo. Sabia que tinha chorado nos braços do Maxon mas não conseguia lembrar o porque. Meu quarto estava frio demais, claro demais e silencioso demais. Meu cobertor não esquentava como antes, meu travesseiro não era aconchegante e aquele quarto me enchia de tristeza.

Eu não sabia o porque.

Mylena voltou para casa e eu não fazia ideia se iríamos conseguir levantar para as aulas. Eu não fazia ideia de onde minhas amigas estavam. Ou se Julia estaria bem. Se Louis está aqui mesmo ou foi apenas um pesadelo. Não sabia como Rob estava ou Letícia.

Ou Lethicia.

O frio na espinha veio de repente, minha mente jogando imagens da noite passada, do acidente do Dylan, o corpo da Lethicia, a mãe dela no hospital e a imagem do Maxon caído ao lado do corpo da mãe. E eu me pergunto, o que iríamos fazer para deter esse jogo demoníaco, como vamos encontrar “A” ou como vamos interromper essas mortes e o principal, quem será o próximo? Era tudo misterioso e confuso demais para minha cabeça, além de precisar organizar meus sentimentos sobre Maxon. Reorganizar minhas apreensões em relação a Louis. Além de buscar mais força para aguentar a semana que ainda estava começando.

A porta do quarto abriu de repente e Manu entrou como um vento, se ajoelhando ao lado da minha cama e implorando – quase chorando – para que eu aceitasse ir ao Setor 45 com Lari e Cami. E mesmo insistindo que não seria uma boa ideia para mim, Manu não iria desistir tão fácil, dando milhares de motivos que no final das contas eram compreensíveis. “Vamos curtir o luto” era o que ela falava enquanto procurava algo em meu guarda-roupa. “Precisamos de um minuto só as quatro” falou ao me jogar uma saia preta e blusa. Eu não poderia criticá-la, Manu sempre foi boa em aceitar mortes, sempre foi boa em pensar que sempre há algo bom nas coisas, que tudo acontecer por um motivo.

Talvez o motivo da morte da minha mãe fosse me fazer sofrer, no final das contas.

Percebi que já era fim de tarde quando acordei, percebi que havia perdido aula, café da manhã e almoço, percebi que não lembrava a última vez que havia comido bem. Percebi que não havia mensagem ou ligações em meu celular – e eu não me importava.

Percebi que eu conseguia ser dispensável.

Mas não para Manu que me puxou até o banheiro e deixou claro que iria me esperar até que eu estivesse vestida e pronta para sair, e não demorei muito para não pensar. Era quase como um robô. Camila e Larissa estavam conversando no corredor, suas roupas magníficas para a noite, maquiagem leve – como sempre – e completamente naturais. Era incrível como cada uma tinha seu modo de sofrer, mas todas sofríamos caladas, sofríamos além do sorriso em nossos rostos e com tanto anos de amizade, cada uma aprender a perceber isso na outra. Mas eu não iria comentar, não hoje. Abracei-as com a enorme saudade e as segui até as portas do Morgan.

Para uma terça, o Setor 45 estava lotado o bastante como em um final de semana e mesmo sabendo que poderia não ver nenhum Maddox ali, estava completamente tensa. Olhava para todos os lados procurando algo – que eu não sabia o que – encarava as pessoas com seus celulares, os grupos de pessoas que riram e me deixavam nervosa. Não sabia quem estaria ali. Não sabia se ouviria o bipe. Não sabia se receberia mensagem desconhecida.

— Olha ali. – Camila gritou apontando para o bar, chamando nossa atenção, nossos olhares para onde seu indicador se erguia. – Não é o Rob?

— Robert? – perguntei surpresa. Quantos dias fazia desde a morte da Lethicia?

— É ele sim. – Manu falou apressando os passos até o balcão do bar, sem esperar por nós, sem olhar para trás.

A música estava alta como de costume, o gelo seco fazia uma leve nevoa por todo o bar e as pessoas dançavam como se fosse o último dia de suas vidas. Eu conseguia as invejar por isso, quais seriam seus maiores problemas? Faculdade? Trabalho? Amor? Enquanto que os meus ultrapassam qualquer limite de sanidade. Quem diabos é “A” para me odiar tanto? Porque estão matando pessoas inocentes? Porque estão jogando esse jogo besta? Eu não fazia ideia do que passava na cabeça dos outros, mas com certeza não era nada comparado ao que passava na minha.

Os pensamentos dissiparam quando chegamos ao balcão encontrando – realmente – Robert ao lado de dois homens elegantes e extremamente lindos. Um deles lembrava o professor de história, tinha cabelos pretos e olhos grandes azulados. O segundo homem também tinha cabelos pretos e olhos castanhos quase amarelos que conseguiam fixar meus olhares. Camila estava abraçando Rob, Manu logo atrás esperando sua vez e eu não conseguia desviar o olhar, não com aquele homem divino em minha frente. “Este aqui é Magnus.” Ouvi Rob dizer ao apontar para o mais alto, que sorriu e acenou com a cabeça para nós. Tão elegante. Tão gracioso. “E este é Alec, seu companheiro” de repente o mundo parou e eu pisquei atordoada.

Eram gays?

— Olá. – falei sorridente. – Eu sou Karlla. – falei erguendo uma mão ao mais alto, que a puxou para beija-la. O mais baixo sorriu, deixando claro o quanto era discreto.

— É um prazer, senhorita. – Magnus disse.

Eu queria falar com Robert, queria saber se ele estava bem mas simplesmente não parava de sorrir e encarar os dois homens como uma boba. Talvez seja mágica, talvez eles tenham esse efeito nas mulheres – mesmo não se preocupando com elas. Magnus falou sobre está de férias, que havia viajado desde Portugal até Boston e não conseguiu sair da cidade por ser tão calma, tão linda e cheia de vida como era Boston. Ele comentou conhecer Robert desde pequeno, mas sem mínimos detalhes e comentou sobre está com mais duas amigas, que se perderam ao irem ao banheiro. “Elas simplesmente não voltaram ainda. Já faz uma hora” foi o que ele disse nos fazendo sorrir e contar uma piada sobre. Alec sorria algumas vezes, mas não era tão simpático quanto Magnus e eu queria conversar com ele, queria saber sobre sua viagem mágica e esquecer os acontecimentos recentes.

— Olá pessoal. – um lindo sotaque português falou atrás de nós, fazendo os dois homens sorrirem e cada uma das quatro se virarem.

— Leonor, minha querida. – ouvi Magnus dizer mas eu não poderia acreditar.

De jeito nenhum conseguiria acreditar que Leonor Estrela estava em minha frente. Que Leonor Estrela estava sorrindo para mim, sorrindo para minhas amigas. Eu não poderia acreditar que havia cantado para Leonor Estrela.

— Venha conhecer as amigas do Robert.

— Amigas da faculdade. – Robert disse. – Camila. Emanuela. Larissa e Karlla.

— É um prazer. – Leonor disse ao abraçar cada uma. Me deixando nervosa, apreensiva se poderia gritar e não assustá-la. – Eu sou Leonor Estrela e esta é minha amiga Beatriz. – disse ao puxar a garota em seu lado.

— Me chamem de Bea. Por favor. – ela pediu com um sorriso no rosto.