À tarde, acabei dormindo por longas horas, já que a noite anterior havia sido tomada pela insônia e angústia. De fato, essas horas me renovaram e eu pude esfriar minhas emoções em relação a tudo que estava acontecendo. Assim, saio do quarto e subo para procurar Gancho e esclarecer as coisas, quando vejo dois marinheiros tentando deixa-lo em pé, um deles, Bae. Percebo estar cambaleando a ponto de não se manter ereto, enquanto segurava uma garrafa de rum.

—Me solta! – Gancho empurra Bae.

Com a força, acaba caindo de joelhos e logo tenta se levantar, visivelmente enfurecido. Por um momento fiquei imaginando quantas garrafas ele havia tomado no tempo em que eu dormi.

—Voltem a trabalhar! Precisamos chegar logo! – Ele ergue os braços, gesticulando para que se afastem dele.

Então ele toma mais alguns goles e me vê ao pé da porta. Tentando focar sua visão em mim e manter-se em pé, vou até ele, pois ao contrário dele, eu consigo atravessar o convés facilmente. Ao chegar perto, ele parece entristecer.

—Eu queria conversar com você, mas....

—Saiam todos! – Ele grita de repente e me olha – Você não.

Todos se entreolham confusos, até que Gancho os apressa, fazendo com que todos entrem rapidamente com exceção do marinheiro que estava dirigindo no momento. Senti que era a hora certa para a conversa, mas não com ele nesse estado, apesar de que seria mais fácil dele falar a verdade. E mesmo cambaleando, ele vai até o convés do navio e me chama. Ao se aproximar de um degrau que levava à extrema ponta do barco, ele cai.

—Pode ser aqui mesmo, senta aí. – Ele murmura com as palavras arrastadas.

—Primeiramente, chega disso. – Tiro a garrafa de sua mão. – Se não, não vamos conversar.

Ele revira os olhos, porém aceita a proposta.

—Eu vou falar hoje porque não vou ter coragem de falar em outro momento.

—Tem certeza? Podemos esperar amanhã, apesar da minha angústia.

—Eu.... – Ele respira fundo para tentar se concentrar – Eu conheci uma mulher incrível.... ela não era princesa, mas era muito parecida com você. Eu a conheci durante uma luta com piratas... ela era refém deles. Enfim, eu vou encurtar a história.

—Acho melhor, mesmo. – Digo, provocando-o.

—Nós nos apaixonamos. Ela foi a primeira mulher com quem eu senti necessidade de cuidar, e.... então noivamos. Eu a dei um colar de cisne, porque pra mim sempre foi o animal mais puro simbolicamente e combinava muito com ela. – Durante sua fala, eu olho para o meu colar no mesmo instante e tiro-o, analisando – Até o dia em que saquearam meu navio e Rumpelstiltskin a tirou brutalmente de mim.

—Mas.... – Tento ligar as informações – Robin quem me deu isso.

—Ele era o melhor amigo dela. E no dia que ela morreu, Robin quem presenciou a cena de perto. Na época, eu não quis ficar com o colar porque eu estava em negação, por isso pedi para que ele ficasse.

—Acho que entendi... – Digo, entregando-lhe o colar – Pode ficar com ele.

—Não tenho porque guardar num canto, fica melhor em você. – Ele dá um meio sorriso.

De repente ele se vira para o lado oposto ao meu e vomita. Ajudo-o com o corpo, para que não caísse em cima, e então o ajeito para sentar no degrau da proa, esperando até que sua cor natural de pele voltasse ao normal.

—É melhor você deitar.

—Vou terminar primeiro, não quero ter que passar vergonha de novo depois.

—Então me conta das crianças.... – Eu digo e ele suspira pesado.

—Eu fui obrigado, depois que Barba Negra.... pegou Henry. Ele disse que se trabalhasse pra ele o teria de volta, mas depois de meses eu ainda estou nessa. Eu levo as crianças até a ilha onde ele fica atracado e lá ele seleciona as crianças. As que servem para trabalhos manuais e as que não servem.

—Espera... Quem é Henry?

—Meu filho. – Ele me olha.

—Wow! Por essa eu não esperava.... – ergo as sobrancelhas – Mas e o que ele faz com as que não servem para trabalhar pra ele?

—Eu não sei.... Eu só entrego elas em troca do meu filho.

—E da onde elas são?! Vocês tiram crianças dos braços dos pais?!

—Elas são da Terra do Nunca, a terra dos órfãos e abandonados. Foi a forma menos bruta que encontrei.

—Você tem ideia de onde seu filho está?

—Não tenho certeza.

—Porque eu tive uma ideia....

—Só não me conta agora.... – Ele leva as mãos a cabeça.

—Tudo bem.

—Bae....

—O quê? – Franzo a testa, confusa.

—Ele é filho de Rumpelstiltskin. É um aproveitador e cretino igual o pai!

—E por que você está com ele no seu navio?

—Porque ele trabalha pra mim.... Ele consegue ouro como ninguém. O pai dele infelizmente é conhecido como Mr. Gold, com a magia ele transforma coisas em ouro, então....

—Agora fez sentido.... Você não é tão mal quanto dizem.

—Por favor, não diga a ninguém sobre essa conversa, minha moral vai se abalar.

—E por que contou pra mim?

—Você não me deu outra alternativa. Ia ficar enchendo o meu saco nos próximos dias até eu enlouquecer.

—Não sou desse tipo. – Ironizo.

Ele dá uma risada visivelmente bêbada e então tenta se levantar, porém tropeça em mim e derruba a garrafa que ainda estava na minha mão, no chão. Num reflexo, tento pegar a garrafa mesmo assim, mas acabo me cortando. Ele me olha confuso e então vê o sangue escorrendo na minha mão. Com sua agilidade nada sóbria, ele rasga um pedaço da barra de sua camisa e enrola em volta da minha mão. Pela falta de uma de suas mãos, o nó final ele aperta com a boca enquanto mantinha os olhos em mim. Naquele momento, eu me balancei emocionalmente.