O barco era enorme assim como havia imaginado, cheio de cordas e enormes velas negras que transportam aquele casco de madeira flutuante. Por um momento me senti minúscula ao lado de tanta grandiosidade e informações, levando em consideração que eu não fazia ideia do tamanho até estar ali de fato. Porém, tudo era meio sombrio e isso incluía os marujos que auxiliavam Gancho nas viagens. Todos usavam chapéus pretos de pirata, porém menores do que o próprio Capitão, e suas roupas eram sujas e um pouco rasgadas que davam a visível noção de desleixo, assim como as barbas enormes e os dentes amarelados. A maioria me olhava como se eu fosse um pedaço de carne fresca, o que me levou a pensar sobre o que Robin havia comentado... seu receio de me deixar com esses homens canibais.

—Vamos às regras.... – Gancho põe seu chapéu de Capitão vermelho e olha pra mim com superioridade – Você tem livre acesso só ao local que irá dormir. Se quiser fazer qualquer outra coisa, vai ter que pedir permissão pra mim... Isso precisa ficar muito claro desde o começo. Não quero você xeretando o meu navio.

—Você tem algo a esconder? – Encaro-o com desafio.

—Terei um corpo se você não levar a sério. – Ele diz, sério. – Mas em falar sobre corpo.... Sugiro que não dê muita atenção para esses marujos, eles não são de confiança.

—E por que eles estão com você?

—Não tive opções melhores. – Ele dá de ombros. – E se me der licença, preciso colocar esse navio para partir.

Ele faz uma leve reverência com seu chapéu e se dirige até o volante, enquanto me dirijo até a proa do navio, sentido o vento fazer meu cabelo se debater enquanto a velocidade aumenta gradativamente. Fecho meus olhos por um tempo e sinto a liberdade sussurrar em meu ouvido, sem qualquer pressão sobre casamento ou alguma outra imposição do mundo. E permaneci ali por um bom tempo, até sentir uma movimentação no navio e então abrir os olhos, me deparando com uma tempestade vindo na nossa direção.

—A tempestade Capitão! – Um dos marinheiros grita correndo na direção das velas.

Em poucos segundos, todos estavam correndo pelo barco em busca de proteger o navio da tempestade, mas era visível a experiência deles num acontecimento desses, enquanto eu estava sem saber o que fazer.

—Querem ajuda? – Pergunto inutilmente para um deles que me ignora.

—Emma, vá para baixo! – Gancho chega depressa até mim e aponta para uma porta no convés que certamente daria para os dormitórios.

—Eu posso ajudar! – Digo, sentindo o vento ficar cada vez mais violento e barulhento.

—Você não faz ideia do que está por vir, vá para baixo! – Ele insiste, desviando o olhar de mim para ver a tempestade se aproximando – Agora!

—Eu não sou uma garota inútil!

Ele olha mais uma vez para a tempestade, extremamente angustiado e então volta-se para mim, vendo que eu não cederia tão fácil. Dou uma rápida olhada para as nuvens que já estavam em cima do navio, onde a chuva começou a cair fortemente.

—Me ajuda com isso aqui!

Ele finalmente me dá alguma ordem e começa a puxar uma das cordas para tentar desviar o navio da intensa tempestade, enquanto os outros marinheiros auxiliavam as outras velas e salvavam os pertences para não serem destruídos. Puxo a corda que me apontara com a máxima agilidade que eu podia contribuir, quando um raio cai no mar. Tão perto que fez o navio balançar grosseiramente e me lançar contra a balaustrada, atingindo as minhas costas e me desequilibrando para fora do navio, quando alguém me segura pela mão.

—Emma!

Gancho é quem grita. É ele quem está me segurando firme e isso me alivia. Porém o fato de estar pendurada para fora do barco não me agrada muito e ao olhar para baixo, sinto um frio na barriga. Mais um raio cai na água e o navio novamente balança arremessando agora Gancho para fora e sinto imediatamente meu corpo cair ainda mais e me vejo mais próxima da água. Vejo Gancho pendurado por sua falsa mão em uma das vigas do balaustrada.

—Tá tudo bem?! – Ele grita.

—Poderia estar melhor! – Eu respondo gritando, sentindo a chuva quase me cegar.

—Schmitt! – Gancho chama por alguém.

—Eu vou escalar em você! – Eu digo – Mas não olha pra cima! Eu ainda estou de camisola!

Pude vê-lo rindo, quando eu rapidamente faço força para o meu corpo se erguer e agarro sua cintura, soltando sua mão. Ele então consegue pôr sua mão em outra viga para se firmar melhor e eu conseguir subir. Chego em seus ombros e estico minha mão para alcançar a beira do navio, quando outro raio parece ter atingido o mar de modo menos violento que os demais, mas suficiente para que eu tenha tempo apenas de me agarrar em seu pescoço antes de prosseguir. Por fim, passo por cima do balaustrada e estendo a mão para Gancho que imediatamente segura e consegue subir.

—Agora por favor não seja teimosa e entre! – Ele ajeita o gancho em sua mão e me direciona até a porta.

—Mas...

Ele me encara de um modo muito parecido como meu pai fazia há anos atrás e dessa vez eu acabo compreendendo sua ordem e entro rapidamente pela porta antes do próximo raio. Vejo uma pequena escada para o fundo do navio, então desço por ela e me vejo em um aposento cheio de baús, provavelmente cheios de ouro. Era pouco iluminado, mas se via uma bandeira pirata sob a parede, uma lamparina acesa como iluminação e duas correntes presas a uma outra parede com uma mancha de sangue no chão. Comecei a imaginar tamanhas brutalidades que poderiam ter acontecido ali, quando ouço uma voz de criança bem baixinho gritando.

—Uma criança? Aqui?

Pensei em ir até lá, quando lembrei da regra principal de Gancho sobre não poder transitar livremente sem permissão. Mas não consegui ignorar o fato de que poderia ter uma criança em perigo, então eu corri até o som, cambaleando com os balanços grotescos do navio.