Dou de cara com uma espécie de jaula com várias crianças dentro, gritando de medo pela tempestade. Fico horrorizada ao pensar coisas grotescas sobre Gancho e me vejo sem reação, quando percebo a presença de um marinheiro que brigava com as crianças por conta do barulho. Ele me olha com um grande sorriso amarelo.

—O capitão sabe que você está aqui? – Ele se aproxima alguns passos.

—Não... – Digo olhando para as crianças e para ele, enquanto eu recuo alguns passos.

—Ele não vai gostar nada disso. – Ele me olha com malícia – Mas há um jeito de que ele não fique sabendo....

Percebo a má intenção rapidamente e dou meia volta, quando o navio balança novamente e eu acabo caindo. Sinto ele me puxar pela perna e me agarrar pela cintura, quando eu começo a gritar por ajuda. Dou uma cotovelada em seu rosto e tento escapar novamente, quando ele me agarra novamente e fica beijando minhas costas enquanto me apalpa. Esperneio e mordo uma de suas mãos durante sua intenção de segurar meus seios, então ele finalmente parece me soltar.

—Kidd! – Alguém grita – O que é isso?!

Aproveito para me afastar enquanto o vejo conversar com outro marinheiro. O navio começava a parar de balançar como antes, e eu conseguia agora me manter em pé sem cair.

—Você sabe quem ela é?! – O mesmo ainda gritava com o agressor.

—A prostituta do capitão?

Meu sangue ferve e eu lanço meu punho em seu rosto sem piedade, para o espanto do seu parceiro de bordo. Confesso que minha mão ficou um tanto dolorida, mas não deixei transparecer, vendo-o perplexo.

—É a Princesa Emma! Seu idiota! – O marinheiro dá-lhe um tapa na cabeça do tal Kidd. – Agora vá subir que eu cuido daqui.

Não demorou muito para que o mesmo saísse cabisbaixo dali, e então eu pude finalmente observar o marinheiro. Ele parecia bem mais jovem que o anterior, porém, ainda assim descuidado. Ajeito minha jaqueta, enquanto pressinto o início de uma conversa.

—Você não podia estar aqui.

—E ignorar essas crianças? – Aponto para elas. – Isso é um absurdo!

—Novamente, você não poderia estar aqui. – Ele repete.

—O que ele faz com elas?! Não vá dizer que....

—Nós apenas as levamos para o Barba Negra, o que ele faz nós não sabemos. Então é melhor você voltar antes que ele descubra....

—Ele vai descobrir por mim mesma, pode deixar.

—Não....

Ouço-o dizer depois que eu já havia me dirigido a parte do convés do navio, onde estavam todos tirando o excesso de água que ficara da tempestade. Dentre os marinheiros que estavam trabalhando, Gancho estava olhando pela sua luneta dentro do mar aberto, quando eu o puxo pelo ombro e me preparo para iniciar a conversa. Mas sou interrompida com Kidd se ajoelhando ao lado de Gancho, apavorado.

—Me perdoa Capitão! – Ele une suas mãos como piedade – Eu não sabia, eu fui falho! Feri nosso juramento, não fui capaz.... Eu mereço uma punição!

—Kidd? – Ele o olha confuso e busca em mim alguma resposta. – Do que você está falando?

—Eu abusei da princesa.... Quer dizer, quase, mas.... Capitão, me...

—Você o quê?! – Ele me olha espantado – Emma?

—Sim, ele tentou me estuprar, mas eu não vim pra....

Ele o olha com repressão, puxando-o pela gola de sua vestimenta, jogando-o no chão.

—Schmitt! – Gancho chama um de seus marinheiros – Algeme-o. Amanhã resolvemos isso....

—Mas Gancho.... – Puxo-o pelo ombro novamente – Ele não chegou a fazer nada. Eu consegui me defender.

—Ele abusou de uma autoridade. De uma mulher. Nós temos um juramento a par disso e ele vai ser punido, sim.

—E aquelas crianças? Também vão ser punidas? – Ergo as sobrancelhas, afrontando-o – Onde elas entram nesse juramento?

—Você.... – Vejo a visível decepção em seus olhos – Eu não vou falar sobre isso com você. Você não devia ter ido até lá! Eu falei pra você que ....

—...que não era pra eu andar por aí sem permissão. Mas achei que elas estavam em perigo, e realmente estão!

—Você não entende.... – Ele balança a cabeça, negativamente.

—O que eu não entendo? O que você está escondendo? Abre o jogo! – Empurro-o de leve, irritada.

—Não, Emma! – Ele grita – Eu também não queria ter que fazer isso! Mas.... eu preciso.

—Por quê?!

—Chega.... vá para o seu quarto. Schmitt, mostre o caminho pra ela. – Ele o chama e se distancia.

—A gente não terminou a conversa, Capitão! – Digo enquanto Schmitt me leva até a porta.

—Terminamos sim, Emma. – Ele diz em baixo tom, pendendo a cabeça para frente.

Encaro-o uma última vez antes de passar pela porta e ir até meu quarto, que nada mais era do que um colchão improvisado e uma lamparina, distante do dormitório dos marinheiros. Permaneço ainda por algumas horas acordada, pensando sobre as crianças e em como tudo parecia ter começado a dar errado na minha vida. Só sabia sentir saudade de Robin, pois ele saberia resolver a situação de maneira mais rápida e clara.

A manhã começou com um sol escaldante, mas que não me fez acordar cedo. Despertei após uma sequência de gritos vindo do convés do navio, então levantei rapidamente assustada e percebi que haviam deixado uma roupa de pirata feminina com a calça, a blusa bufante e o corselet e apesar de estar com pressa, achei melhor tirar a camisola de uma vez e vestir algo mais apropriado, deixando em cima da cama minha jaqueta vermelha.

No convés, vejo Kidd sem camisa sendo chicoteado por Schmitt nas costas, que por sinal estava cheio de sangue. Vejo Gancho e vou até ele ainda pensando na conversa inacabada de ontem, fico encarando-o enquanto ele permanece de cabeça baixa e braços cruzados no canto do navio.

—Eu não sei por onde começar a conversar com você.

Ele finalmente ergue seus olhos para mim lentamente e me vê com o traje, então sorri.

—Comece com um “bom dia”, ou “obrigada pela roupa”....