Hell estava excitada. John prometera visitá-la no mundo real. Ela poderia então ser feliz uma vez na vida. Não a felicidade ilusória das substâncias que ela ingeria costumeiramente. Ela poderia deixar de consumir aquele lixo que a estava destruindo em vida. Sentia-se elevada aos céus. Ele viria até ela. Havia uma coisa estranha no que ele lhe falara. Ele havia dito que não vivia no que ela chamava mundo real. De onde ele vinha então?

Ela decidiu procurar Pamela mais uma vez.

_Preciso de sua ajuda. - Falou Hell ansiosa e aflita, ao chegar ao Tarô Café.

_Como vai Hell? Pode entrar.

_Eu fiz como você me disse. Eu pedi para ele me visitar no mundo real. Ele disse que virá em alguns dias.

_Que ótimo! Era o que você tanto queria.

_É. Agora eu tenho outro problema.

_Qual? Está preocupada com a sua aparência?

_Não, quero dizer, isso também, mas... Tem uma coisa que me intriga.

_O que é?

_Ele me disse que não vive no que eu chamo de mundo real.

_Ele lhe disse isso?

_Foi. Ah, eu estava pensando, se ele não vive no mundo real, de onde ele vem? E o mais importante, o que eu posso fazer para impedir que ele volte para lá? Porque eu quero que ele fique comigo e não me abandone.

_Hell, o que você está pensando é perigoso.

_Por quê? Por que é perigoso tentar ser feliz? Será que não é mais perigoso eu continuar vivendo do modo como eu vivo?

_Você está decidida não é?

_Sim estou, mas eu não sei como fazê-lo. Por favor, me ajude.

Pamela olhou-a condoída. Ela estava a tanto tempo num processo de autodestruição que se agarrava com todas as forças àquele amor impossível. Mas seria correto ajudá-la naquela loucura? Pamela considerou que o coração tem razões que a própria razão desconhece.

_Hell, eu porei as cartas para você.

_Você acha que isso irá me ajudar?

_Quem sabe nos dará uma luz sobre o que fazer?

_Está certo. Pamela seguiu o ritual de leitura.

_O carro, a temperança invertida, a lua, a torre, a roda da sorte e do azar.

_O que significam?

_Significa que você está tomando a rédea de sua vida nas próprias mãos. Mas você ainda não está agindo racionalmente...

_Mais do que eu tenho raciocinado ultimamente...

_Não foi isso que eu quis dizer. Você deveria considerar se o que pretende fazer não é de alguma forma ilícito.

_É só isso que tem pra me dizer?

_Tem mais. Você está se iludindo, só enxerga as aparências, a superfície. Não enxerga a luz que está à sua frente, prefere olhar as sombras. Isso vai levá-la ao fracasso de seus planos.

Hell levantou-se abruptamente da mesa. Fez questão de derrubar a cadeira em que estava sentada com seu movimento. Encarou Pamela desafiadoramente. Pamela sustentou o olhar dela.

_Tem ainda a última carta. A roda da sorte e do azar. Significa que você não poderá controlar o que virá a seguir. Não estará em suas mãos decidir o seu futuro. Ou o dele.

_Se você não quer me ajudar, eu arranjarei quem queira. - Hell saiu pisando firme e batendo a porta da rua com força.

Pamela ficou mirando a porta fechada e então baixou os olhos para uma carta em especial. \"A torre\". Ela mostrava uma grande torre partida ao meio, por um raio descido dos céus, jogando um homem para morte certa.

Hell estava furiosa. Viera buscar apoio em Pamela e não sermões e reprimendas. Ela estava cheia disso. Sempre tendo que seguir regras e parâmetros estabelecidos por outrem. Não mais. Ela ditava suas próprias regras de agora em diante.

Estava tão imersa em seus pensamentos que quase se choca com um indivíduo a sua frente.

_Por que não olha por onde anda, hein Mané? - Disse Hell mal-humorada para o desconhecido.

_Para alguém disposta a tudo por amor você é um tanto intratável.

Hell ergueu a cabeça para observar melhor aquele espertinho. Ele era bem alto. Tinha finos cabelos louros e olhos oblíquos. E também certo ar de desdém típico de pessoas muito abastadas.

_Quem diabos é você?

O estranho sorriu deliciado.

_Meu nome é Belus.

No dia seguinte, Hell estava em sua casa com meia dúzia de grossos, empoeirados e carcomidos livros antigos de bruxaria. Belus lhe havia arranjado. Ela os folheava avidamente. Corria contra o relógio. Algo lhe dizia que se aproximava a hora em que John viria visitá-la.

Seus olhos perceberam então algo interessante naquele livro esfarelado. \"Sortilégio de aprisionamento. O perpetrador deste feitiço reterá consigo aquilo ou aquela que mais quer, não podendo o objeto ou a donzela fugir-lhe à invocação\".

Para Hell aquilo era a resposta ao seu estado de excitamento. Dispôs-se a ler e reler o feitiço, até compreendê-lo com clareza. Ela não parou para pensar por nenhum momento, dos motivos que levaram Belus a querer ajudá-la. No fundo sabia que se parasse para pensar poderia acabar desistindo de seus loucos planos de amor.

Ao fim daquele dia Hell estava pronta para receber John. Sua intuição lhe dizia que a hora era chegada. Ela então tomou uma boa ducha, lavou os cabelos, não colocou maquiagem, perfumou-se suavemente, e vestiu uma blusa floral combinando com uma saia tingida à moda indiana. Foi o mais próximo que ela conseguiu de um estilo romântico.

Tentou acalmar-se. Resolveu esperar por ele sentada no sofá da sala. Toda a excitação daqueles dias exigiu o seu pagamento. Hell estava tão exausta, física e emocionalmente que cochilou no sofá.

_Helena, acorde querida, eu estou aqui.

Aquela voz tão doce a acordou no mesmo instante. Diante dela estava um belo rapaz de cabelos negros com franjinha. John. Hell levantou-se de um salto e pulou no pescoço dele, sufocando-o com um beijo apaixonado.

_Eu também te amo Helena. - Disse John quando ela permitiu que ele respirasse.

_Eu ansiei tanto por isso. Não vamos perder tempo, ok? Venha comigo. - Disse Hell puxando John pela mão até o quarto dela.

_Talvez devêssemos conversar um pouco primeiro, não ir correndo dessa maneira. - Ponderou John.

_Ok! Vamos conversar. Você prefere vinho ou champagne?

_... Champagne.

_Techno ou Dance?

_Música clássica.

_... O que?

_Estou brincando, gosto de qualquer música.

_Certo, vamos continuar. Top ou bottom?

_... Não acredito que me perguntou isso.

_Ah, Ah, Ah... Desculpa. Deixe-me ver, Flor de laranjeira ou cravos negros?

_... Rosas.

_Não preciso perguntar mais nada. Pra mim já tá bom. Vamos. - John não resistiu mais. Foi levado pela mão até o quarto de Hell.

Ela retirou suas próprias roupas e a seguir ajudou John, que parecia meio estático, a retirar as dele. Sentou-se na cama e puxou-o para si. O toque dele era macio e quente, os lábios dele tinham gosto de néctar de frutas raras. Ela tinha que se controlar para não atingir o êxtase, apenas por sentir a pele dele contra a sua. Ela precisava acima de tudo, lembrar-se do feitiço.

John sentia-se culpado pelo que estava acontecendo. Ele não deveria de maneira nenhuma, manter relações sexuais com aquela jovem. Mas desde que a conhecera, sentia uma vontade muito grande de ampará-la e de fazê-la sentir-se amada. Ele deveria ter mantido certa distância entre ambos, deveria apenas ter se limitado a conversar com ela. Não conseguiu evitar o envolvimento físico e emocional que se seguiu. Agora ele estava ali, na cama com ela, fazendo amor como se fosse o marido dela.

Ela era tão doce, lembrava-lhe um arranjo de violinos e violoncelos. Os seios dela eram tão rijos e acetinados, que ele poderia perder-se numa interminável ária de soprano, cheia de volteios harmoniosos. Quando ele a penetrou, sentiu a força de uma orquestra de cordas, e o som grave e dominante de um violino solando poderoso. Então este mesmo solo num crescendo de harmonias, até as últimas notas soarem agudas e lacrimosas, e ele sentir vontade de chorar, num orgasmo intenso.

Enquanto Hell entregava-se ao deleite com John, lembrou-se de segurar a cabeça e os cabelos dele, com um pouco de força, o suficiente para arrancar alguns fios. Quando ele a penetrou e começou a mover-se ritmicamente, dando-lhe estocadas, ela o abraçou com força e aproximou a boca até o ombro dele, mordendo-o com ímpeto o suficiente para sangrá-lo. Quando ele finalmente ejaculou dentro dela, sorriu satisfeita.

Fechou os olhos e sentiu novamente aqueles lábios maravilhosos contra os seus. Quis apertá-lo com força nos seus braços, mas não sentiu nada. Abriu os olhos e percebeu que estava sozinha na cama. Suspeitou que houvesse sonhado. Mas sentia lá no íntimo do seu ser que fora amada de uma forma completa, e que seu feitiço havia sido lançado.

John era seu agora.

Fim do capítulo