A Máscara e a Rosa

Capitulo 3 – Passado (2ºParte )


Um homem sentou-se nas traseiras de um edifício de pedra com uma garrafa na mão. Só queria esquecer aquele olhar na chuva. Mas não conseguia. Era como se alguma coisa o empurrasse para ele. Queria vê-la de novo. Saber, ao menos, o seu nome. Nem a garrafa conseguia apagar o seu rosto, os seus olhos.

Viviane ajeitava o vestido antes de sair. Era azul, com um pequeno decote, de manga curta. Tinha um laço mais claro atrás. Usava longas luvas brancas e um colar de pérolas que o pai lhe oferecera quando fizera 20 anos. O cabelo, louro-acastanhado, estava apanhado num penteado elaborado. Calçava sapatos elegantes de mesma cor que o laço do vestido.

Desceu as escadas como uma Princesa. Naddie e o pai já estavam á sua espera na sala de visitas. Roger estava com eles. Elisa recolhera-se ao quarto com a desculpa de ter uma dor de cabeça.

Naddie estava igualmente bonita no seu longo vestido rosa- claro, com um laço mais escuro atrás. O cabelo também estava apanhado muito bem apanhado. Usava um colar simples de ouro ao pescoço, para além das luvas brancas que lhe chegavam ao cotovelo.

Toya usava um fato cinzento por insistência da filha que lhe fez ver que um pouco de cor «não era ofensivo, bem pelo contrário até a vais homenagear». O pai sorriu. «Obrigado, filha».

Quando Viviane chegou ao pé deles, todos se levantaram. Roger não pôde deixar de elogiar:

— Estás muito bonita esta noite, filha.- Pegou-lhe na mão e, como numa dança, encaminhou-a até à saída.

Viviane agradeceu sorrindo:

— Obrigada, pai.-

Saíram os três e Roger despediu-se:

— Tenham uma boa noite, divirtam-se.-

Despediram-se e entraram na porta aberta da carruagem.

Quando chegaram á porta do teatro, o ajuntamento de pessoas já era notório. Todos vestidos com as suas roupas de gala para assistir a uma obra-prima do compositor francês Georges Bizet, Carmen que, naquela altura, fazia muito sucesso.

Atravessaram a entrada majestosa do teatro, subiram as escadas para os corredores que davam acesso aos camarotes. Sentaram-se nas cadeiras almofadadas, enquanto observavam a multidão a distribuir-se pelos lugares da plateia. Daí a pouco, ouviam-se os murmúrios típicos dos teatros antes do espetáculo. Depois, ouviu-se o batente a anunciar que a peça ia começar e o silêncio tomou conta da sala.

Quando o espetáculo terminou, a multidão começava a abandonar a sala. Viviane, Naddie e Toya dirigiram-se para o exterior do edifício. O ar fresco da noite fê-los apertarem as roupas contra o corpo para se agasalharem. O Outono chegara em força.

A carruagem esperava por eles à porta do teatro. Entraram e o cocheiro seguiu. Ao passar junto a uma ruela que dava para as traseiras do teatro, um vulto cambaleou na escuridão. De dentro da carruagem, Viviane fez sinal para que esta parasse. Abriu a porta e saiu em passo apressado na direção do vulto.

Assim que a vê, o seu coração quase lhe salta pela boca. O olhar que não conseguia esquecer voltou. E não vinha só. Com ele, vinha uma bela rapariga num elegante vestido. Com a pressa, ela tropeçou numa saliência do passeio e ele, num gesto instintivo, aparou-a nos seus braços fortes e robustos. Os seus rostos ficaram tão próximos que quase se tocaram. Sentiram-se a corar e afastaram-se rapidamente muito atrapalhados. John, ainda meio atrapalhado, e depois de se largarem, perguntou:

— Está bem? Não se magoou?-

Viviane respondeu também meio atrapalhada:

— Está…está tudo bem, sim, obrigada.-

Voltaram a olhar-se hesitantes. Por momentos, Viviane esquecera-se do motivo que a levou ali. O seu olhar penetrante deixou-a com arrepios mas, ao mesmo tempo, com uma sensação de segurança.

John perguntou de repente, assustando-a:

— Então, o que está aqui a fazer?-

Viviane recuperou rapidamente e respondeu:

— Vim á ópera com uma amiga e o seu pai. E o senhor?-

John sorriu. O seu sorriso era doce e caloroso. Respondeu:

— Eu vivo no teatro. Alguns artistas viram-me no outro dia sem sítio para onde ir e convidaram-me a ficar aqui. Agora, sou assistente nos bastidores.-

Viviane sorriu também. De repente, Naddie chamou-a da carruagem:

— Viv! Temos de ir! Despacha-te!-

Então, ela encaminhou-se para a carruagem. John, lembrou-se de algo e perguntou á medida que ela se afastava:

— Como se chama? Para lhe poder agradecer!-

Ela virou-se e disse:

— Viviane!-

Ele gritou como se estivesse a responder a uma pergunta mental:

—Sou o John! Estarei sempre aqui no teatro!-

«John! Que nome bonito!» pensou Viviane. Entrou na carruagem e esta seguiu em direção a casa dos Longbotton.

Durante os dias que se seguiram, Viviane e John encontravam-se sempre no teatro. Ele mostrava-lhe os bastidores e ensinava-a a puxar a corda para fazer subir e descer a cortina, o sítio onde guardavam os adereços e alguns camarins dos artistas. Ela estava encantada com aquele mundo. Sempre que se separavam, Viviane escrevia-lhe bilhetes que Naddie, muito pacientemente, ia entregar com a ajuda de Fujitaka que já ficara amigo de John.

O amor entre os dois foi crescendo e o teatro transformara-se no seu ninho, sendo na cave que alimentavam o desejo.

— Amo-te, sabias?- segredou John ao ouvido de Viviane depois de mais uma noite de amor.

Estavam deitados entre os adereços e os pedaços de tecido e tábuas da cave do teatro. No palco, mais uma peça decorria.

Viviane sorriu, encostada ao peito robusto de John.

. Também te amo.- Disse.

Beijaram-se com ternura. De repente, Viviane lembrou-se de algo. Levantou-se, apanhou as roupas do chão e começou a vestir-se. John sentou-se na cama improvisada e encheu-lhe as costas de beijos. Ela arrepiou-se. Depois de se vestir, beijou-o num beijo de despedida e disse antes de sair apressada:

— Tenho um encontro com o meu noivo hoje e não me posso atrasar.-

Chegou a casa silenciosamente, como sempre fazia. Os cabelos ainda meio desalinhados e a saia um pouco desajustada. Entrou no quarto e arranjou-se com a roupa que a mãe escolhera para ela. Tinha acabado de se arranjar quando bateram à porta. «Deve ser a Dona Elisa a chamar para o encontro».

Foi abrir, mas em vez da empregada estava a própria mãe. Entrou no quarto e fechou a porta atrás de si. Tinha um ar mais sério que o costume. Sentou-se no banco do tocador. Olhou para a filha sentada na cama e perguntou com uma voz calma mas ameaçadora:

— Queres explicar-me o que é isto?-

Do bolso do vestido, tirou um papel dobrado que Viviane reconheceu como o mesmo que usava para escrever a John. Elisa desdobrou-o. Era uma carta, mas não uma qualquer. Esta revelava algo que Viviane tentara a todo o custo esconder da mãe. A mulher retomou o discurso:

— Com que então andaste a encontrar-te com um rapaz qualquer este tempo todo, não foi?-

Viviane não precisava de responder. A mãe continuou com o mesmo ar assustador:

— E ainda por cima com a ajuda daquela detestável da Himoto, não foi?- Amachucou a carta com tanta força que os seus dedos magros ficaram vincados. O seu ar era cada vez mais assustador. Viviane tremia á medida que as palavras da mãe saíam:

— Pois muito bem.- Elisa levantou-se. Com as sombras da luz trémula do candeeiro do quarto, parecia um titã assustador. Aproximou-se da filha e retomou o discurso com ironia e sarcasmo na voz:

— Minha querida filha, a partir de hoje e até ao dia do casamento ficas proibida de sair deste quarto a não ser para te encontrares com o teu noivo e fazer as refeições, entendido?-

Viviane assentiu. Elisa continuou:

— Depois do casamento, vais ter a tua noite de núpcias e esse filho que carregas vai ser do teu marido e de mais ninguém.- Acrescentou: - Também estás proibida de te aproximar dos Himoto. Isso inclui as visitas da tua amiga aqui a casa.-

Viviane queria chorar, mas algo lhe dizia que tinha de deixar isso para depois.

A mãe rematou antes de sair do quarto:

— E se não cumprires este acordo á risca, eu conto tudo ao teu marido.-

Fechou a porta. As lágrimas corriam pela cara de Viviane que se deixou cair na cama.

Uns meses mais tarde, chegou o dia do casamento de Viviane e Jonathan. Como esperado, os Himoto não foram convidados. Elisa fizera questão de enviar um bilhete em nome de Viviane a Naddie onde terminava a amizade e lhe dizia que nunca mais a procurasse pois ia começar uma nova vida ao lado do marido. Naddie nunca mais soube nada da amiga.

Tal como combinado, Viviane teve a sua noite de núpcias com o marido que foi bastante pensosa para ela. Alguns meses mais tarde, anunciou a gravidez que deixou a família cheia de alegria aparente.

E, numa manhã de Primavera, Shaoran nasceu.

Continua…