A Mensageira

Capítulo 16 - Reviravolta


Desci lentamente meu corpo encarando a platéia. Todos estavam tão bobos quanto eu, para dizer o mínimo. Também, não é todo dia que se vê uma garota sem graça virar uma espécie de deusa.

Ao tocar meus pés no chão, senti uma dor em meu coração. Ele voltou a se comprimir até caber em uma caixinha de aliança, porém a dor foi pior. Eu ajoelhei e gritei.

-Ai! –Segurei meu peito e caí de cara na areia. Thiago me segurou.

-Tudo bem Ellie?

Tentei falar com ele, mas achei que se desperdiçasse meu pouco oxigênio ficaria sem. Coloquei minhas mãos no chão e senti sangue sair de minha palma. Sem perceber, minhas unhas haviam aberto cortes em minha mão. Mas eu não senti nada. A falta de ar estava insuportável. Tentei gritar, tentei respirar, mas não consegui. Parecia que Thiago me fazia perder meu ar. Reunindo um último esforço, empurrei-o para trás. Assim que ele se afastou, senti o agradável som de ar entrando por meu nariz. Levei minha mão ao peito e senti minhas agradáveis batidas cardíacas.

Acalmei meu coração e percebi que a roupa de Mensageira já se fora, agora restava apenas meu uniforme de Grande.

-Ellie? Por que me afastou? –Thiago se aproximou, abraçando meu corpo. O ar já não fazia falta. Envolvi os braços dele com minhas mãos ensangüentadas.

-Não sei. Só faltou ar. –Apoiei minha cabeça no ombro dele, desejando apenas fechar os olhos e dormir.

E não me separar dele. Nunca mais. Doía apenas pensar em ficar afastada de Thiago. Trouxe a cabeça dele de forma desajeitada para meu peito, deitando-o perto a mim.

-Não saia de perto de mim. –Sussurro tentando estabilizar minha respiração.

-Nunca. –Ele também me apertava com força, quase como se tivesse o mesmo desejo que eu.

E eu não havia me sentido assim até hoje. Até antes dos jogos eu não sentia essa necessidade compulsiva de estar perto dele. Não quero dizer que não o amava. Acho que sempre amarei Thiago. Não importa o que aconteça. Mas... Sentir-me dependente dele é outra coisa. Agora, nesse momento, parece que ele não pode se afastar de mim. E isso não tinha ocorrido até...

Até eu me transformar. Já disse que amo essa mente? Thiago era a parte de mim que faltava! Era a parte da alma da Mensageira que faltava! Thiago tinha um pedaço da alma da Mensageira em si. E minha transformação me deixou ciente disso. Já li em um livro da biblioteca que nosso primeiro contato com todo nosso poder pode despertar partes antes desconhecidas de nossa alma. E foi o que aconteceu. Eu sinto que posso derrubar um caminhão com um olhar, eu ouço as batidas do coração de Thiago daqui. Ouço a de todos. E ouço uma desagradável.

-Andrew! –Levanto-me e vou até ele. Chuto sua barriga e sinto seu corpo se contrair. –Eu sei que você está acordado, seu safado! –Chuto-o mais uma vez. –Levanta!

Andrew se levanta e me encara. Ele está com cortes feios e uma ralada horrorosa no rosto. Ainda assim, se comporta como se fosse um rei. Esse ego dele me irrita, que cara nariz em pé!

-Eu disse que você só precisava de um impulso querida. Agora, finalmente, você acessou todos os seus poderes. Por nada, a propósito. –Ele se aproxima e segura meus ombros. –E agora podemos ficar juntos para sempre, como é nosso destino.

Ele me trouxe para si e tentou me beijar, mas algo o impede. Olho para o lado e vejo que são as mãos de Thiago ao redor do pescoço dele. Thiago parece querer revidar a surra que Andrew lhe aplicou há pouco tempo, lá na praia. E parece se sair muito bem. Agora que olho para ele ciente que ele tem parte de minha alma, vejo que ele pode matar Andrew se quisesse. Apenas aquela fração da alma da Mensageira já havia deixado Thiago muito mais forte que o esperado. Andrew está no chão e apanhando muito.

-Thiago, pare. –Seguro os ombros dele, mas não consigo afastá-lo. Will chega e prende o amigo, afastando-o. Vou aos ouvidos do meu namorado e sussurro. –Não vale à pena. Sem contar que o chefe do Conselho está aqui. –Seguro as mãos dele e puxo-o para mim, beijando seus lábios de leve. Ele passa as mãos ao redor de minha cintura e me puxa. Juntos, viramos nossos rostos para Andrew.

-Ela não é e nunca será sua. Já estamos juntos e eu não pretendo perdê-la. –Diz Thiago, me levando para a saída. Mas Joe vem até nós.

-Um ótimo show! –Joe se vira para o Conselho. –Essa é Ellie, nossa mais nova Grande, senhor Marcus.

-Você lembra sua mãe, Helena. –Diz o chefe, me encarando.

-O quê? –Aproximo-me dele. Como esse homem sabe de minha mãe?

-Clarisse Clemendon. Realmente minha filha mais brilhante. Morreu antes de Phillip, seu irmão mais velho, mas fez tanta coisa melhor... Ela e Anthony, seu pai, foram realmente brilhantes. E Andrew ali, o menino que você despreza, é seu prometido.

Andei até o velho de olhos claros. Ele me disse que eu estava prometida ao Andrew? E disse que era meu avô? Eu tinha um familiar chefe de conselho? Eu tinha família?

Corro até o local onde ele está e salto mais de três metros no ar. Fico de frente para o velho que diz ser meu avô e aponto o dedo para ele. Não penso no que vou dizer, mas minha boca se abre e as palavras saem sem que eu queira ou possa pará-las.

-Como você ousa fazer uma coisa dessas? –Grito. –Já pensou que eu pudesse querer saber que tenho um avô? Já cogitou a idéia de me mandar um cartão de Natal? Já passou pela sua mente que eu talvez, só talvez, não quisesse pensar ser a única Clemendon viva? O senhor já pensou em ser mais humano? –Prendo minhas mãos junto ao corpo, tentando controlar meus impulsos de bater nesse idoso. –Já pensou o quanto eu queria ter um avô como eu?

Sinto água em meu rosto e percebo que estou chorando. Afasto-me desse velho (que está perplexo e quase babando, e não é pela idade) com medo de feri-lo. Não penso em nada, não penso em um lugar onde queira estar, mas saio correndo.



Corro até sentir falta de ar e paro, sentando-me no chão. Não olho ao redor, mas já vejo o nascer do Sol. Eu devo ter corrido por quase três horas seguidas. Lágrimas estão por todo meu rosto.

Eu tenho um avô que foi covarde o suficiente para se esconder de mim por toda minha vida, tenho um namorado que guarda parte de minha alma e tenho um noivo que odeio. Quando eu acho que minha vida começa a se ajeitar, ela dá um jeito de me dar um arrastão.

Escuto passos cerca de mim. Devem estar a menos de um quilômetro. Viro-me, quase me jogando nos braços de meu namorado, então encontro o último rosto que queria ver na Terra.

Andrew, meu noivo.