A Mensageira

Capítulo 15 -O Jogo começa -Parte II


Eu não posso lutar contra um cara que consegue fazer com que minha habilidade para usar poderes pareça um copo de plástico perto de uma taça de cristal. E é assim que Andrew me fazia sentir. Eu não consigo explicar como eu sei, nem porque estava pensando nisso quando Thiago me beijava, mas eu sinto que, na praia, Andrew e eu usamos nossos poderes em conjunto. Eu nunca faria nada daquilo sozinha. E o choque que senti quando nossas mãos se tocaram... Eu li nos livros que é nas mãos que acumulamos energia preparada para ser utilizada. E a minha energia com a de Andrew formou um choque incrível. Ao qual, aparentemente, só eu tive uma reação negativa. Andrew não sentiu nada. Ele até me ajudou. E quando eu estava encarando-o durante os Jogos, foi só ele me olhar para eu ter uma forte dor de cabeça. Andrew me faz sentir estranha de um jeito nada agradável. E o pior de tudo: Eu estava gostando daquele cara de uma forma diferente. Não como eu gostava do Thiago (acho que meu coração não agüentava gostar duas vezes daquele jeito), mas de um jeito intrigante. Andrew era todo intrigante.

Não, gostar de Andrew daquele jeito não era o pior. O pior era ter que lutar contra o único cara que me faz sentir um copinho de plástico.

Enquanto eu andava para o meio da arena, meus pensamentos foram parar aí. Agora eu subia as escadas, usando apenas uma pequena parte do meu cérebro nessa tarefa. De relance, olhei para Thiago. Ele não estava nem um pouco feliz com o fato de eu estar com Andrew quando ele me achou, e com certeza eu ter que entregar uma medalha para Cam e depois fazer um ritual super esquisito de bênção de Grande não ajudava na minha moral.

-A nova Grande e protetora dos Caçadores do Fogo, Ellie, entregará pela primeira vez as medalhas. Ellie! Venha! –Disse Joe. –E, como agradecimento por Andrew lutar com a Casa, o representante, Cam, decidiu dar a ele uma medalha.

De estômago embrulhado depois de ouvir isso, andei até a mesa com as medalhas. Eu estava desanimada só de pensar que teria que entregar medalha a uns sessenta alunos, agora que ouvi essa novidade eu quis vomitar mesmo. Peguei cinco medalhas de uma vez e fui até as mulheres no início da fila. Agora eu entendi porque os Jogos Finais eram à meia noite. Era o tempo que eu levaria ali.

O ritual de bênção consistia em dar a minha mão esquerda à direita da pessoa da Casa e fazer um símbolo no braço dela, o símbolo da casa do Fogo (um leão e uma cobra em um duelo, o segundo símbolo mais legal, se querem saber. O primeiro é o do ar: vários pássaros em um vôo perfeito). O ritual não deveria doer, uma vez que há fogo no sangue de todos ali. O símbolo sairia depois de alguns dias. Só por precaução, tentei equilibrar um pouco dos outros elementos para não fazer nada de errado. E deu certo. Meu fogo fez um símbolo lindo, não apenas vermelho, mas brilhante.

Ao ver a cara da menina, me perguntei se tinha feito alguma coisa errada. Foi aí que ela levantou o braço e todos se espantaram. Era quase como se o leão e a cobra realmente duelassem sobre o interior da mão dela! Será que era pela combinação dos elementos?

Repeti esse ritual exaustivamente enquanto Joe fazia um discurso engraçado sobre a história do Fogo. Vi que os Conselheiros me fitavam em cada movimento, me deixando desconfortável. Por fim, vi que faltavam apenas Cam e Andrew. Fiz o símbolo o mais rápido o possível com Cam, coisa que ele tentou prolongar. Passei a Andrew e coloquei a medalha no pescoço dele.

Claro que, sendo eu e Andrew unindo nossas mãos, não daria coisa normal. Assim que nos tocamos, não apenas a pele dele recebeu o símbolo, como foi feita uma projeção gigante de um leão e de uma cobra, que andaram pelo ar sem rumo até se chocarem e explodirem em faíscas. Por estar escuro, ficou lindo.

-Viu? Juntos, nós somos assim. Fortes, incontroláveis, compatíveis. Por que lutar contra isso? –Andrew sussurrou. Abusadinho demais esse garoto. Imagina se o Thiago escuta! E como assim “Compatíveis”? Não vi nenhuma compatibilidade do meu lado da moeda, só enxaqueca.

-Vai se ferrar, Andrew. Eu não senti nada de bom vindo de você, não gostei da sua atitude até agora e não vou precisar “lutar” contra uma coisa que nunca senti. –Mentiras e mentiras. Eu senti uma coisa, não houve apenas coisas ruins e a atitude dele foi, no mínimo, memorável. Sempre tive um fraco por homens como ele, que lutam por uma garota. Bom, o Thiago está aí para provar. Nunca o vi tão ciumento. E adorei fazer ciúmes. É errado ter, pelo menos, um ciuminho saudável na relação? Não é como se eu fosse me casar com o Andrew ou o Cam.

Voltei para nosso lugar e vi Lizzie perto dos meninos. Fui até ela com uma meia verdade na ponta da língua. Eu nunca falaria em voz alta que a minha energia combinada com a de Andrew resultava em um poder incrível, mas eu tinha que falar alguma coisa. No caminho, elaborei uma teoria sobre estar perto do calor e me fortalecer, além de “retirar força vital de tudo ao meu redor para me fortalecer”. E rezei para que ela acreditasse em uma coisa que eu tirei da série de livros Eragon. Mas, foi só chegar perto dela para engolir minhas palavras. Lizzie já chorava e me abraçava.

-Ellie, me desculpa! Eu sei que fui burra e sem noção, mas foi momentâneo. Eu não tenho raiva de você, só me surpreendi pelo seu poder. Deve ter sido o sol que te ajudou, sei lá. –Justamente a minha desculpa! Abracei Lizzie com toda minha força.

-Lizzie, eu já ia me desculpar...

-Sem motivo! Eu é que fui burra! Mas vamos esquecer isso! –Ela já secou as lágrimas e foi até os meninos me puxando. –Já nos acertamos.

-Que bom, porque eu odeio ver minhas meninas brigadas. –Thiago disse, e eu tive vontade de rir.

-T, você pareceu um velho agora. –Will disse, se virando em seguida para beijar Lizzie.

Thiago teve a mesma idéia, me puxando para seus braços e esquecendo as provocações de Will. Aparentemente, todos acharam que aquele leão e aquela cobra eram parte de um show. Thiago me beijou com voracidade, colando nossos corpos com força e me prensando na grade. Coloquei minhas mãos nos ombros dele e puxei-o mais para baixo. Ele era muito alto para uma pessoa como eu! Ele entendeu o recado e me carregou, pondo minhas pernas ao redor de sua cintura e me apoiando sobre a grade. A língua dele estava por toda minha boca, havia um pouco da mesma raiva que eu senti na praia. Afastei-o.

-Thiago, tudo bem?

-Tudo. –Ele foi até minha orelha, me beijando. Afastei-o de novo.

-Não está não.

-Não quero discutir. –Ele tentou ir de volta para minha boca, mas eu repeli-o novamente.

-Fala agora se não quiser que eu saia daqui.

-Ellie... –Thiago respirou. –Eu não gosto desse Andrew. Ele sempre trabalhou com o chefe do Conselho e nunca pareceu ser gente boa. Agora eu o vejo com você grudado na praia, e vejo vocês fazerem magia forte juntos. Nem todos conseguem fazer isso. Eu não sei se EU posso fazer isso com você. E se eu não puder? Ellie...

-Ei, ei. Isso não importa. Eu também não gostei desse cara, ok? É só evitar. –Thiago ainda estava tenso. –E se a gente sair depois do Jogo e eu te lembrar de quem é meu namorado?

Beijei a orelha dele para ilustrar minha idéia. E Thiago relaxou mais que depressa, beijando minha clavícula desnuda com mais força que o necessário. Não me importei, contanto que ele estivesse bem comigo. Sem contar que não era exatamente ruim tê-lo para mim assim.

-Hum... Acho que canibalismo é proibido em quase todos os 193 países da Terra. –Disse Lizzie. Thiago murmurou algo e voltou a me beijar. –Sem contar que é realmente muito desconfortável para eu ver vocês aí se comendo. Sejam mais como eu e o Will.

-Como se vocês não fizessem o mesmo. –Thiago fala.

-E não fazemos. –Ouço Will. Paro de beijar a orelha de Thiago e olho para Lizzie. Ela tem um senso deplorável. Ia começar um argumento dividido em cinco partes sobre como eles não podiam falar de um amasso público quando Joe falou ao microfone.

-Grandes, por favor, venham à arena. A luta começará em meia hora.

Thiago parou de me beijar e passou os braços em minha cintura. Descemos as escadas e fomos até a arena, ao encontro de Joe e dos lutadores do Fogo.

-OK. Quero uma luta limpa, justa e sem qualquer utilização de armas de fogo. Todos sabem as regras: armas de luta corpo a corpo são permitidas, assim como poderes. –Joe se afastou. –Que comecem os Jogos!

Não vi muito além de Cam e outros seis rapazes vindo para cima de Thiago e Will, mas vi que Lizzie controlou a água e fez um chicote que jogou todos longe. A platéia estava nos defendendo irrevogável e fervorosamente. Parece que a Casa do Fogo não é lá muito amigável, ou pode ser porque eles deixaram uma média de vinte feridos. Vai saber.

Eu sabia que se quiséssemos vencer eu precisaria cuidar do maior problema da arena: Andrew. E rezei para que Thiago estivesse muito ocupado para fazer o mesmo.

Precisei procurar um pouco, mas encontrei-o. Andrew estava realmente fazendo uma barreira de proteção em torno de si? Ele era tão covarde a esse ponto? Não, ele fazia outra coisa. Em sua mão havia um livro e na outra, por mais brega que pareça, havia um cajado. Li que cajados são excelentes relíquias de acúmulo de força. Quanto mais antigo melhor. E o de Andrew era bem antigo.

Corri o mais rápido que pude e entrei na barreira sem maiores problemas. Como? A não ser que...

Andrew me queria dentro dessa barreira!

-Você já percebeu, não é? –Andrew disse. O tom dele era sombrio.

-Por que você me quer aqui? –Gaguejei com o máximo de nobreza que pude.

-Essa barreira corta tantos os seus poderes quanto os meus. Agora, minha princesa, vamos lutar apenas corpo contra corpo. E eu acabei de invocar um encantamento que me dá realmente muita força.

Andrew avançou em minha direção com uma faca, e eu corri para o lado. Um arco. Eu precisaria de um arco. Olhei ao redor enquanto corria dentro do círculo. Espera: Meu poder não deve ser retirado fora dessa barreira, não é? Tentei sair de dentro dela, sem qualquer sucesso.

Cada choque que essa barreira me dava me fazia querer desmaiar. Do lado de fora, vi que a luta havia parado. Tanto Grandes quanto Caçadores do Fogo nos observavam.

-Eu peço a vigência da regra trinta, parágrafo sete: Morte Súbita! –Andrew gritou. A multidão aplaudiu de forma enlouquecedora. E eu sabia por quê: morte súbita é quando cada time é representado por uma única pessoa, que luta contra a adversária. E tem mais: é a única situação na qual pode haver morte. Mas era algo muito extremista e arriscado. Ninguém nunca tentou isso, segundo Will. “Todos só perdem”, disse ele.

E agora Andrew, o cara que estava me xavecando há algumas horas, pede para me mater. Vai entender a mente masculina!

Ao me distrair com esse pensamento, não vejo uma facada em minha coxa esquerda. Andrew prendeu a adaga com toda a força e girou-a, abrindo um corte profundo e cheio de sangue. E eu sabia de uma coisa: ele acabara de atingir uma artéria muito perigosa, que chegava a matar em questão de minutos. Pelo cansaço e pela dor, não concluí que era coisa boa. Caí no chão de imediato e ouvi Thiago gritar algo. A multidão finalmente calou a boca.

Eu não tinha chances de vencer o Andrew, principalmente agora. E eu nunca acharia um arco. E eu não podia pedir por ajuda...

Espera! Quem disse que eu não posso? “Os mortos escolhiam ajudar a Mensageira”. É claro! Agora: como fazer conexão direta com mortos? Não é como se houvesse um 0800 ou uma embalagem “rasgue aqui para falar com os mortos. P.S: Agite antes de usar”. A única coisa que eu fazia, eu fazia de forma inconsciente. Então era assim? Minha chance era ficar inconsciente? Era muito arriscado.

Eu não quero morrer na porcaria de uns Jogos ridículos enfrentados por velhos com tendência assassina! Não quero! Meus olhos enchem de água, eu estou desesperada.

Nessa hora, eu senti algo. Meu coração doeu, como se fosse comprimido até caber em uma caixinha de aliança. Então ele se expandiu. E meus olhos começaram a ficar quase cegos, como se eu olhasse para a luz. Mas não. Naquele momento, EU era a luz.

Meus pés saíram do chão e eu senti tudo à minha volta. Ouvi cada respiração, cada batida, senti cada forma de vida. E eu senti que podia controlar tudo isso. Além do mais, foi como se as roupas de couro fossem substituídas por algo melhor, mais leve.

Esse foi o primeiro momento que eu me senti como a Mensageira.

Olhei para Andrew e vi sua cara de... Admiração. Ele não estava amedrontado, mas sim encantado. Eu estava preparada para matá-lo, mas ele andou até mim. Andou e pegou minha mão.

-Eu sabia que você conseguiria fazer isso. Só precisava de um empurrãozinho. –O conceito de empurrãozinho dele era “quase morrer”.

A fúria tomou conta de mim. Eu tinha raiva desse garoto bipolar, tinha raiva de não decifrá-lo e tinha raiva do que ele me fez passar.

Em segundos, vi um jato de luz sair do meu indicador e atingi-lo. Andrew caiu e o círculo foi rompido. E eu me senti mal por isso, quase como se fosse errado.

Então eu olhei para as telas gigantes: Eu parecia inalcançável, bela, poderosa. Meu cabelo não tinha um tom avermelhado, ele era o puro fogo. Meus olhos eram como água cristalina e luz do Sol ao mesmo tempo, eu flutuava no ar. Minha roupa era branca com detalhes dourados, com um decote gigante no meio que me caiu muito bem. Então era assim que a Mensageira se parecia?

No momento em que admiti para mim mesma que era a Mensageira, senti outra coisa: Havia uma parte da minha força, do meu poder, fora do meu corpo. Uma parte que estava no corpo de alguém presente aqui nesta noite.