Assim que Seu Barriga agradeceu Lúcio, cada um foi para o seu canto. Seu Barriga andou por alguns minutos procurando por seus inquilinos até que encontrou os Seu Madruga e Jaiminho em uma cadeira próximo ao restaurante. Os dois estavam jogando baralho.

Quando Seu Barriga chegou perto o suficiente, Jaiminho foi o primeiro a vê-lo:

–Seu Barriga, que prazer vê-lo por aqui!

–Por quê o senhor não senta aqui com a gente Seu Barriga?- falou Seu Madruga.

–É, e aproveita joga um pouco de baralho com a gente.

–Não quero jogar nada, eu só quero é ver o dinheiro do aluguel já!- disse Seu Barriga, estendendo sua mão.

–Aluguel? Como assim Seu Barriga?- indagou Jaiminho.

–Não se faça de tonto, vocês estão me devendo catorze meses de aluguel!

–Olha Seu Barriga, caso não se lembre ou tenha se esquecido, não somos mais seus inquilinos, portanto, não lhe devemos mais nada!- falou Seu Madruga, irritado.

–Isso mesmo Seu Barriga, se veio aqui para tirar dinheiro da gente, perdeu seu tempo.

Assim, os dois recolheram as cartas e saíram daquele lugar deixando Seu Barriga pra trás, embora Jaiminho ainda tivesse dificuldade e querendo "evitar a fadiga", tentou andar a passos rápidos longe do Seu Barriga.

–Quer saber? Acho que vou então pra minha inquilina mais fiel: Dona Florinda- pensou ele, lembrando que Dona Florinda sempre pagava o aluguel com frequência.

Então, ele saiu andando à procura de Dona Florinda. Aquele navio era grande, mas em algum lugar ela tinha que estar, até que a encontrou ela sentada em uma cadeira, tomando sol.

–Olá Dona Florinda.- ele começou.

–Olá Seu Barriga, o que faz aqui?- ela respondeu.

–Vim cobrar o aluguel.

–Aluguel Seu Barriga? O Senhor está louco?

–Você também vem com esse papo Dona Florinda?

–Como assim?

–Eu que pergunto "como assim". A senhora sempre pagou o aluguel todo mês sem faltar, aí do nada começou a ter umas dificuldades pra pagar e eu deixei passar, mas agora que você está aqui neste cruzeiro só pode significar que você tem dinheiro pra pagar.

–Seu Barriga, primeiramente eu não tenho dinheiro pra pagar o aluguel, ganhei esse cruzeiro através de uma promoção. E segundo, mesmo que eu tivesse o dinheiro, eu não deveria te pagar, pois não sou mais sua inquilina, o senhor vendeu a vila.

–Sim, vendi.

–Pois então, agora não sou mais sua inquilina, e é bom que não toque mais nesse assunto de dinheiro de aluguel, porque senão...

Dona Florinda respirou fundo duas vezes e saiu da mesa onde estava, deixando Seu Barriga ali, parado. Estático.

Enquanto isso, as crianças voltaram a brincar na quadra por mais algum tempo, mas logo depois se cansaram e foram para seus quartos descansarem.

O tempo passou e logo escureceu. A hora do jantar havia chegado, todos da mansão estavam sentados à mesa. Isso porque eles tiveram que pegar várias mesas e juntarem, mas o dono do navio não permitiu isso e eles tiveram que sentar separadamente, formando pares. Enquanto esperava pela comida, Chimoultrufia logo percebe que tem algo de errado com Botijão, pois ele parece meio agitado.

–O que foi Botijão, está nervoso com algo?- perguntou ela.

–Não meu amor, só estou ansioso pela chegada da comida.- disfarçou ele.

–Entendi, mas calma, é assim mesmo. Já já ela chega.

Vinte minutos depois, o garçom chegou, mas não serviu a todos como realmente parecia. Ele apenas serviu algumas bebidas que estavam no cardápio.

–Ei, acho que o senhor esqueceu de servir a comida pra todos nós.- reclamou Seu Madruga.

–Desculpe senhor, mas algum animal esfomeado foi até a cozinha hoje à tarde e acabou com todo o estoque de comida que tinha lá dentro.- disse o garçom- Se vocês quiserem comer algo, não poderá ser aqui, pois só sobrou isso que eu já servi.

Botijão e Chaves se entreolharam, ao mesmo tempo que Laura e Jaime também, os quatro pensaram que aquela comida toda que eles devoraram nunca faria falta para ninguém, mas agora, por culpa deles, muitos ficariam sem comer nada no jantar.

Irritados com aquilo, os que não ganharam nada em suas mesas se levantaram e foram para seus quartos. Chaves, Laura e Jaime não conseguiam parar de se sentirem culpados. Assim como Botijão, que embora estivesse comendo sossegado, viu que os outros também não estavam ali por sua causa. Claro que ele não estava sozinho no "assalto à geladeira", mas ele também fez parte dele, então ele tinha uma meia-culpa nisso também.

Chaves se jogou em sua cama e ficou pensando no que havia feito, ele não podia contar a verdade, mas também não conseguiria esconder para si mesmo por tanto tempo, ele nunca foi de esconder nada. Jaime e Laura, embora estivessem mais tranquilos e acostumados a mentir de leve de vez em quando, também não paravam de sentir a culpa de toda a comida do navio ter acabado. Mas isso era só passageiro, com certeza alguém conseguiria ir até lá e fazer mais ou até mesmo o capitão poderia arrumar um jeito de conseguir mais um estoque grande de comida pelo menos até o dia seguinte.

Enquanto isso, Alonso finalmente sai de seu esconderijo, percebendo que quem estava atrás dele, finalmente havia desistido. Quando ele passou pelo saguão, viu um menino de cabelos encaracolados e castanho-claro, quase dourados, conversando com uma mulher. Era Davi. Ele passou pelos dois e continuou andando, até que viu Valéria apoiada em uma grade na lateral do navio, onde dava pra ver o mar. Ela observava o mar sendo empurrado pelo navio, formando espuma branca. Ele se aproximou lentamente dela, até que a ouviu falar para si mesma:

–Queria tanto que o Davizinho estivesse aqui comigo.

Foi quando ele viu uma foto de Davi no celular dela, que estava com o aparelho à altura do rosto.

–Mocinha, quem é esse garoto?- perguntou ele.

–É o Davi, meu namorado.- estranhou a garota.

–Coitadinha.

–Como assim "coitadinha"?

–É que alguns minutos atrás eu vi esse garoto paquerando uma menina bonita.

–Como é que é?- Valéria começou a se irritar.

–Calma, pude perceber que ele a olhava de um jeito meio... diferente.

–Diferente como?- Valéria cerrou os punhos.

–Sei lá, parecia paquerando ela.

–Ah não, cadê eles?

–Não sei menina!

–Quem é essa garota?

–Não faço ideia, não a conheço. Só sei que ela tinha a pele branca e cabelos negros, pois eu estava de costas pra ela, mas de frente pro garoto.

–Eu vou procurá-los, muito obrigada.- Valéria segurou as lágrimas e fechou os punhos.