A MELHOR VERSÃO DE MIM

Você Iluminou A Escuridão


Armando, como sempre, acordou com a roupa do dia anterior, cheirando a whisky. Passou a semana toda torturado pela última conversa com Betty. Não sabia se ela voltaria a empresa e se o perdoaria.

Se levantou, tomou um banho, colocou um terno e sua colônia. Chegou um pouco mais cedo que os demais funcionários e foi direto para a presidência.

Ao entrar na sala, se jogou no sofá, refletindo sobre Beatriz e todo aquele plano sinistro. Sentia muito remorso pelo que havia sido capaz de fazer a ela. Sua expressão da última vez que a viu era tão dolorosa que lhe assombrava. Ela não merecia, sempre foi tão amável e incondicional com ele... Além disso, o romance deles havia lhe aberto os olhos para ver como era doce, sincera, terna e carinhosa... Um anjo. Seu anjo. E como eram doces seus beijos. Nunca uma mulher havia lhe beijado daquele jeito.

Enquanto se recordava dos lábios de sua Betty, ouviu um barulho vindo da sala dela, então foi verificar. Quando abriu a porta, deu com Beatriz debruçada sobre a mesa, analisando uns documentos.

Ela não reparou que Armando havia aberto a porta e a observava. Estava tão linda, absorta no trabalho.

Armando então se aproximou e Betty se deu conta de sua presença, se levantando depressa.

Ambos tinham os corações acelerados e Armando não aguentou e num impulso correu e a abraçou.

Ele cheirou seu cabelo e a apertou nos braços. Era como se tivesse sido feita sob medida para seu abraço, encaixava perfeitamente... E que delícia era sentir o seu perfume e beijar seus cabelos.

— Beatriz, que bom que voltou. Senti tanto a sua falta! – Disse sorrindo enquanto ainda a abraçava.

— Doutor, bom dia e desculpe a falta durante a semana, mas vou compensar e pode descontar do meu salário, se desejar. – Disse tomando o controle de suas emoções e se afastando depressa dos braços de Armando.

— Betty, eu disse que havia lhe dado folga de uma semana para que viajasse, não se preocupe. – Disse Armando cheio de cuidado, pois tinha medo de fazer algo que afastasse Betty. – Se tem alguém que precisa se desculpar sou eu. Eu tive medo de que você não voltasse mais. Obrigado por voltar para mim, Beatriz.

— Doutor, não voltei para o senhor. Voltei porque é o meu trabalho e dele dependo eu e minha família. Não posso simplesmente jogar tudo para o alto, minha família conta comigo.

— Beatriz, queria tanto te pedir perdão por tudo, mas não quis importunar sua família perguntando onde estava. Preferi lhe dar o tempo que me pediu. Mas essa semana tem sido um inferno para mim...

— Olha, doutor, sobre este assunto, não há mais o que precise ser dito. O senhor já me explicou e já me pediu perdão e eu já o perdoei. – Fez uma pausa e o olhou profundamente. – Fui para o interior, para a fazenda de minhas tias e tive tempo para refletir... Cheguei a conclusão que o que fez foi muito grave, mas que me contou a verdade e me pediu perdão. Além de tudo, o senhor já me perdoou também uma vez, então, esqueçamos tudo isso. De agora em diante, vamos agir com profissionalismo e trabalhar para tirar a empresa o mais rápido possível das dividas.

— Mas... e quanto a nós, Beatriz? Como ficamos? – Perguntou com o coração apertado.

— Nunca existiu “nós”, não é? Passemos uma borracha. – Declarou com o coração partido. - Vou fingir que tudo nunca aconteceu e, se a oferta que me fez de ficar com a ex sala do senhor Olarte ainda estiver de pé, eu gostaria de me mudar para lá, se não se importar.

— Quer ficar longe de mim, Beatriz? – Armando se entristeceu.

— É o melhor, doutor. Além do mais, onde estou nunca pôde ser chamado de sala, não é? – Disse com firmeza.

— Sim, quando Gutierrez chegar, peço para ele resolver essa questão, não se preocupe.

— Doutor, há outra questão que preciso conversar com o senhor.

— Diga, Beatriz.

— É sobre meu salário... Sei que o aumento que me deu foi muito maior que o habitual e que foi muito generoso, mas acontece que acho que não condiz com todo o trabalho que tenho aqui na Ecomoda, já que faço o trabalho de assistente e Vice-presidente Financeira informalmente e ainda cuido da Terramoda. – Fez uma pausa para tomar ar e ganhar mais confiança. – Bom, o fato é que preciso ajudar em casa, pois meu pai está desempregado e pretendo agora me organizar para adquirir um carro popular e um celular simples para me comunicar.

— Bom, Beatriz, eu acho que é muito justa a sua colocação. Você tem toda a razão. Vou falar hoje mesmo com Gutierrez sobre isso também e você agora passará a receber como Vice-presidente Financeira, porque a partir de hoje será seu novo cargo nesta empresa. Quanto a me assessorar e ainda cuidar da Terramoda... bem, não será mais necessário.

— Doutor, não estou exigindo uma promoção e nem receber como Vice-presidente Financeira. Apenas um aumento. Quanto a assessorar o senhor e administrar a Terramoda, eu não entendi.

— Beatriz, a promoção será dada e o salário será o compatível com o novo cargo. Isso não está sob discussão. Quanto a me assessorar, eu mesmo cuido disso agora, já que você não será mais minha assistente. E com relação a Terramoda, não é mais necessário manter a empresa. Consegui pagar, durante a semana, todas as dividas da Ecomoda.

Armando então explicou a Betty sobre a ajuda que recebeu do tio de consideração Fernando e tudo que haviam feito.

Betty viu todos os documentos e atestou que estava tudo certinho e disse a Armando que iria no dia seguinte acabar com o embargo, pediria a dissolução da Terramoda e lhe faria um cheque devolvendo todo o capital.

— Betty, de agora em diante, você só fará relatórios e balanços reais. Nada precisará ser clandestino. Nada. – Disse aproximando-se de Betty e segurando seu rosto com as mãos para lhe beijar.

— Doutor, fico feliz que finalmente tudo esteja se arrumando, mas peço que não se aproxime de mim para tomar liberdades. Isso não voltará a acontecer.

— Beatriz, mas porquê? Eu te desejo. Por acaso você não me deseja?

— Doutor, por favor. Minha condição para o perdoar e seguir trabalhando com o senhor é que pare de me assediar.

— Tudo bem, Beatriz. Mas, saiba que eu desejo você e não é pela empresa. Você me provoca algo que eu não sei explicar. Senti tanto a sua ausência e sofri como um louco durante a semana, angustiado pensando em você... Gostaria apenas que considerasse me dar uma oportunidade. Mas, vou respeitar a sua vontade, se é o que quer.

— É o melhor, doutor. Agora, se me der licença, seguirei me inteirando das contas e dos documentos de quitação e farei um relatório detalhado da nossa situação e projeção. Creio que com tudo isso, teremos um grande superávit. – Disse com uma súbita empolgação, brilho nos olhos e sorriso que deixou Armando derretido por dentro.

— Ah, Betty, parece um sonho! Obrigado por ficar ao meu lado. – Declarou com ternura no olhar. – E, olha, assim que Gutierrez chegar, já vou providenciar sua nomeação e sua sala. Também vou avisar Sofia e pedir que passe a responder a você como sua secretária.

— Muito obrigada, doutor. Acho que agora que não terei que ocultar e maquiar informações e ainda terei ajuda de uma secretária eu poderei sossegar um pouco. – Disse dando sua risada característica.

Assim que Gutierrez chegou, Armando o chamou e comunicou as mudanças.

Gutierrez chegou a protestar, mas Armando gritou com ele. Assim, a tarde, Betty já havia mudado de sala e Armando estava se sentindo solitário, como se lhe faltasse algo.

Betty entregou a nova foto que tirou na hora do almoço a Gutierrez para a confecção do novo crachá de Vice-presidente Financeira.

Patrícia fez um escândalo e foi repreendida por Armando e Gutierrez. Tentou ligar para Marcela, mas a amiga não lhe atendia desde que viajou.

Mário chegou na parte da tarde, após algumas reuniões durante o dia e soube por Armando de tudo que havia se passado e as mudanças.

Enquanto Armando e Mário conversavam, Betty foi até a presidência para mostrar o relatório e aproveitou que o quartel estava enfiado no banheiro e Patrícia estava fora de vista para ouvir a conversa dos amigos.

Ouviu quando Armando confessou que sentia ternura por ela desde sempre e que nunca quis magoá-la.

Também ouviu quando Mário lembrou como Armando havia ficado um trapo durante toda a semana por causa dela e que estava desconfiado que ele havia se apaixonado por ela, mesmo quando feia.

Neste ponto, Betty estava mais interessada na conversa e escutou quando Armando respondeu que sentia ternura, carinho, admiração e muita amizade por ela e que a expressão dela da última semana o havia assombrado, principalmente porque agora também estava sentindo muito desejo por ela, como nunca havia sentido por mulher alguma na vida, mas que não queria perdê-la e nem gostaria de voltar a magoá-la e que por isso a deixaria em paz.

Beatriz ficou emocionada e muito feliz com aquilo. Resolveu voltar correndo para sua sala, antes que alguém a pegasse alí.

Já em sua sala, Betty se pegou pensando se Armando e ela não poderiam recomeçar e ter algo, afinal. Mas decidiu parar de sonhar e seguir sua vida.

Pegou o telefone e ligou para a sala de Armando para avisar que havia feito o relatório e projeção e que gostaria de discutir com ele e Mário, então Armando a mandou ir a presidência, pois Mário se encontrava lá e assim ela fez.

Mário ficou como bobo admirando a bela mulher que Betty se mostrou.

Armando logo reparou no novo crachá de Beatriz e elogiou a fotografia.

Betty lhe sorriu com timidez e disse que havia tirado as pressas na hora do almoço.

Na hora da saída, Betty ainda atualizava as coisas, quando Armando entrou em sua sala.

— Betty, desculpa mesmo te incomodar no fim do expediente, mas é que surgiu um coquetel para irmos e fecharmos parcerias para a próxima coleção. Como você sempre cuidou dessa parte de negociar os preços... Bem, eu pensei que...

— Não precisa tanta explicação, doutor. É claro que estarei lá. Me dê o endereço, por favor.

— Imagina, Beatriz! Eu te levo, eu insisto.

— Bem, está bem, doutor. Me dê um minuto então, que vou até o banheiro me retocar um pouco. Não estava preparada para um coquetel. – Enrubesceu cheia de timidez.

— Imagina, Betty! Você está belíssima, não se preocupe de maneira nenhuma. – Respondeu completamente encantado por ela. – Eu vou até a presidência me arrumar e te espero no elevador.

— Está certo, doutor.

Betty escovava os cabelos, passava batom e perfume no banheiro feminino, enquanto Armando arrumava o cabelo e passava sua loção no banheiro da presidência. Ambos desejavam estar perfeitos aos olhos do outro.

Enquanto se arrumava no banheiro, Armando pensava sobre toda a última semana que passou atormentado por Beatriz. Agora que voltou, parecia que havia trazido consigo sua vida de volta. Nem quando quitou as dívidas da empresa se sentiu tão feliz e em paz, como quando a viu naquela manhã trabalhando novamente em sua salinha. Sua Betty era capaz de iluminar a escuridão. E, de repente, estava reflexivo sobre o comentário de Calderón sobre ele estar apaixonado. Seria isso então?